Bloomberg — A tensão entre Yevgeny Prigozhin, chefe da milícia privada russa Wagner, e o sistema de defesa do país explodiu de forma dramática nesta sexta-feira (23) e no sábado (24), atraindo os holofotes globais. O chefe mercenário prometeu punir os líderes militares russos, dizendo que o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, orquestrou um ataque com mísseis que matou um número “enorme” de seus combatentes. O Kremlin respondeu rapidamente, negando o ataque e acusando Prigozhin de motim.
O conflito interno é o maior teste à autoridade do presidente Vladimir Putin desde que ele enviou tropas à Ucrânia há 16 meses. E desde que assumiu o poder há mais de 20 anos. Em um breve discurso televisionado à nação no sábado, Putin denunciou a rebelião das forças de Wagner e seu líder como “traição” e prometeu punições severas.
Prigozhin chegou a avançar com suas tropas até cerca de 200 km da capital Moscou, mas mudou os planos após chegar a um acordo com Putin que envolveu o governo de Belarus. Ele ordenou que seus combatentes retornassem às suas bases, dizendo que queria evitar derramamento de sangue.
Veja abaixo mais informações sobre o Grupo Wagner, seu papel na invasão da Ucrânia pela Rússia e por que seu líder chegou a ser acusado de motim e traição por Vladimir Putin.
O que é o grupo Wagner?
Fundado por Prigozhin em 2014, o grupo Wagner em seu auge tinha cerca de 50.000 recrutas mercenários – muitos deles ex-prisioneiros – lutando na Ucrânia. Os EUA designaram o grupo como uma organização criminosa transnacional no início deste ano, e Wagner sofreu sanções de Austrália, Canadá, Japão, Reino Unido e União Europeia. O grupo opera há anos em campos de batalha no Oriente Médio, na África e na América Latina, onde é acusado de cometer abusos generalizados dos direitos humanos.
Wagner tem status legal obscuro e os mercenários são tecnicamente ilegais na Rússia. O grupo opera de forma independente das forças armadas oficiais do país e recentemente rejeitou as exigências de Moscou para que seus recrutas assinassem contratos formais com os militares.
Quem é Prigozhin e qual é a relação dele com Putin?
Yevgeny Prigozhin, 62 anos, é um empresário russo e ex-presidiário que foi chamado de “chef de Putin” devido aos contratos de suas empresas de catering com o Kremlin e aos laços de longa data com o presidente. Autoridades americanas disseram que ele controlava uma empresa de trolls conhecida como Internet Research Agency para interferir nas eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos. Em 2022, Prigozhin confirmou que criou Wagner após anos negando qualquer ligação com o grupo.
Há muito tempo considerado um dos braços-direitos de Putin, Prigozhin tornou-se cada vez mais amargo em relação à liderança militar do presidente russo em meio às crescentes mortes de recrutas de Wagner. Durante meses, Prigozhin acusou o Ministério da Defesa de não apoiar adequadamente suas forças, muitas vezes em vídeos provocativos publicados nas redes sociais. Em maio, ele ameaçou retirar suas tropas da operação se não conseguissem suprimentos - principalmente munição -, mas depois recuou.
Por que Wagner está envolvido na invasão da Ucrânia?
Putin agradeceu a ajuda de Wagner. Ainda neste mês, o presidente reconheceu que as forças russas que lutam na Ucrânia carecem de armas avançadas suficientes, apesar de ter triplicado a produção. A Rússia sofreu pesadas perdas de pessoal, muitos dos quais mal treinados e muitas vezes mal armados, embora os números exatos de baixas nos últimos 16 meses não sejam claros. As forças de Wagner foram fundamentais na ofensiva terrestre da Rússia; o grupo assumiu em maio o controle da cidade de Bakhmut, no leste da Ucrânia, após mais de 220 dias de combates.
Como a rebelião começou?
No final do dia na sexta-feira, Prigozhin acusou o Ministério da Defesa da Rússia de um ataque com mísseis a um acampamento do grupo de Wagner. Em uma mensagem de áudio postada posteriormente, Prigozhin disse que 25.000 de seus homens estavam prontos para “acabar com essa bagunça” e lutar com o exército se eles enfrentassem resistência. O chefe mercenário disse que ele e seus combatentes entraram em Rostov-on-Don, uma cidade no sul da Rússia perto da fronteira com a Ucrânia e uma base estratégica de comando militar. Os relatórios não foram verificados de forma independente.
Neste sábado, Prigozhin conduziu suas tropas rumo a Moscou e chegou a cerca de 200 km da capital.
Como a Rússia respondeu?
O Ministério da Defesa russo negou que suas forças tenham atacado as de Wagner. Promotores abriram rapidamente uma investigação criminal sobre o chefe mercenário sob as leis que proíbem o “motim armado”, e o Serviço de Segurança Federal disse que estava tentando detê-lo, enquanto apelava para suas tropas não obedecerem a “ordens criminais”.
Mais tarde, o Kremlin disse que vai desistir de todas as ações criminais contra Yevgeny Prigozhin como parte do acordo para que ele não tentasse invadir Moscou. E que o deixará ir para Belarus.
Qual é a resposta do exterior?
Até agora, observação e espera. Um porta-voz da União Europeia disse que o assunto é “uma questão interna da Rússia” que está sendo cuidadosamente monitorada. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi informado sobre a situação, enquanto os dois principais membros da Inteligência do Senado disseram: “estamos monitorando de perto o que parece ser um conflito interno significativo entre as forças russas”. O presidente da Ucrânia não comentou até agora.
O que a crise significa para Putin?
A disputa é extremamente prejudicial politicamente para o regime de Putin, disse Matthew Sussex, professor associado adjunto da Griffith University, na Austrália. É provável que isso tenha um impacto negativo no esforço de guerra, que se baseou na propaganda para aumentar o apoio à invasão.
“Será paralisante para o moral das forças armadas russas e será paralisante para o moral de Wagner”, disse o professor, acrescentando que se Prigozhin falhar em qualquer marcha potencial sobre Moscou [ele acabou recuando], “haverá enormes expurgos nas forças armadas russas contra aqueles que são suspeitos de serem simpáticos [ao movimento]”. O Ministério da Defesa do Reino Unido disse que a crise em rápida evolução “representa o desafio mais significativo para o Estado russo nos últimos tempos”.
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