Bloomberg — Pelo menos centenas de venezuelanos saíram às ruas nesta segunda-feira (29) para protestar contra o que dizem ser uma vitória fraudulenta nas eleições deste domingo (28) do presidente Nicolás Maduro, o líder socialista de longa data cujo mandato tem sido marcado pelo colapso econômico do país.
A capital Caracas ficou quieta durante a maior parte da manhã, mas as manifestações começaram a se intensificar com a chegada da tarde.
Centenas de pessoas marcharam em direção ao centro da cidade a partir de Petare, um dos maiores bairros de baixa renda da cidade, batendo em panelas e frigideiras e incentivando os que estavam na calçada a participar. Alguns estavam em motocicletas, outros, a pé.
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Alguns pareciam estar armados com revólveres.
Os funcionários de restaurantes e lojas próximos correram para se juntar à multidão. Enquanto isso, homens vestidos com equipamento anti-motim usavam gás lacrimogêneo para tentar dispersar a multidão.
Venezuelanos cantavam e gritavam “liberdade, liberdade!”. Outros atacavam mais diretamente a administração de Maduro, dizendo: “Esse governo vai cair” e “as favelas vão tirar o senhor daqui, Maduro”.
Elba Rosa, uma estudante de engenharia de 22 anos, estava entre a multidão. "Este é o único governo que conheci e não o quero mais", disse ela. "Foi meu primeiro voto presidencial e foi uma fraude."
Por volta das 16h30, centenas de outras pessoas chegaram ao aeroporto internacional de Caracas, entoando o mesmo grito de “liberdade”.
Em meio a buzinas, a multidão cantava “esse governo vai cair”, enquanto agitava bandeiras e levantava os punhos. Outros estados, como Sucre, no leste da Venezuela, perto de Trinidad, ou Tachira, na fronteira com a Colômbia, estavam tão calmos quanto no domingo, com trânsito lento e pessoas em casa.
As manifestações se seguiram a uma entrevista coletiva de imprensa na manhã de segunda, na qual o regime alegou que a líder da oposição, María Corina Machado, estaria envolvida em um complô para alterar os resultados das urnas enviados dos locais de votação para a sede da autoridade eleitoral - sem apresentar provas.
Pouco tempo depois, Maduro foi certificado como presidente eleito da Venezuela. Os movimentos aumentaram as tensões em uma votação já contenciosa que foi a maior ameaça ao governo do atual presidente.
O clamor popular não é exatamente uma surpresa.
Machado e seu candidato substituto, Edmundo González, criaram um movimento cidadão enérgico com a premissa de reformar a economia e reunir as famílias separadas pela diáspora de 7,7 milhões de venezuelanos durante o mandato de Maduro - que já se estende por onze anos.
Uma pesquisa realizada no início de julho pela empresa Delphos, sediada em Caracas, revelou que quase 40% dos venezuelanos acreditavam que, se houvesse fraude, eles deveriam protestar até que o governo reconhecesse os resultados reais da eleição.
O movimento popular, ainda que em menor grau, poderia se assemelhar às manifestações em massa contra o ídolo e mentor de Maduro, o falecido Hugo Chávez - que derrubou o establishment político -, em seus primeiros anos de governo, disse o diretor da Delphos, Félix Seijas, em meados de julho.
Isso também marcaria a terceira onda de protestos contra Maduro desde que ele chegou ao poder em 2013. Seu governo reprimiu brutalmente os manifestantes nos dois surtos anteriores, com mortes, ferimentos ou prisões de dezenas de pessoas.
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O partido de oposição afirmou que González é o legítimo vencedor da eleição.
Uma pesquisa de boca de urna realizada pela empresa norte-americana Edison Research apontou a vitória de González por mais de 30 pontos percentuais - um forte contraste com a contagem do Conselho Nacional Eleitoral, que disse que Maduro obteve 51,2% dos votos, em comparação com 44,2% para González.
Em uma entrevista coletiva nas primeiras horas da manhã de segunda-feira, Machado pediu às testemunhas e aos membros da mesa que não se afastassem das seções eleitorais e solicitou que mais venezuelanos se juntassem a eles.
"Ninguém está pedindo que as pessoas protestem, que se envolvam em violência", disse González. "Estamos fazendo um apelo à reconciliação, à paz."
Pressão internacional
Enquanto isso, a pressão internacional tem aumentado sobre Maduro para que ele dê transparência à apuração das eleições. O Brasil está em negociações com o México e a Colômbia para publicar uma declaração conjunta para exigir que a Venezuela conte todos os votos e divulgue os registros das cédulas de cada seção eleitoral, de acordo com duas autoridades do governo brasileiro familiarizadas com o assunto.
O Panamá chegou ao ponto de anunciar uma suspensão temporária dos laços com o regime de Caracas, e funcionários do governo Biden disseram na segunda-feira que os EUA determinariam futuras sanções ao país com base no fato de o governo divulgar ou não os dados da votação.
O governo de Maduro já expulsou o pessoal diplomático das missões de Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai em território venezuelano, de acordo com uma declaração publicada no X (ex-Twitter) pelo ministro das Relações Exteriores, Yvan Gil.
É do interesse de Maduro legitimar seu voto não apenas para os venezuelanos mas para o mundo. Sem o reconhecimento de sua presidência, é improvável que obtenha o tão necessário alívio das sanções, o que significa que a Venezuela está diante de um caminho difícil para a recuperação econômica.
Os distúrbios também podem interromper os projetos recém-assinados pela empresa estatal de petróleo e o aumento da produção das grandes petrolíferas internacionais, incluindo a Chevron, que responde por mais de 95% da receita externa da Venezuela.
Outro êxodo também é esperado.
Em maio, uma pesquisa revelou que, se Maduro conseguisse um terceiro mandato, 41% dos 28,8 milhões de cidadãos restantes do país disseram que considerariam a possibilidade de deixar o país.
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