Plano da França de elevar impostos sobre fortunas reforça cerco aos mais ricos

Proposta do primeiro-ministro Michel Barnier prevê taxa mínima de 20% para quem ganha mais de 250 mil euros ao ano e pode levar à saída de empresários do país, dizem assessores financeiros

Torre Eiffel
Por Tara Patel
12 de Outubro, 2024 | 01:33 PM

Bloomberg — O plano do primeiro-ministro Michel Barnier de aumentar a tributação sobre os ricos pode levar alguns deles a sair da França e fazer com que outros desistam de se estabelecer no país, segundo consultores de finanças e impostos.

As propostas orçamentárias de 2025 de Barnier estabelecem uma taxa mínima de 20% para pessoas que ganham mais de 250 mil euros anuais ou casais que ganham o dobro disso.

PUBLICIDADE

A medida visa combater os efeitos dos paraísos fiscais de que eles poderiam se beneficiar.

O Ministério das Finanças disse que essa medida deve durar três anos e afetar cerca de 65.000 famílias, com arrecadação de 2 bilhões de euros.

Leia mais: Sucessores: mudanças tributárias demandam atenção crescente das famílias

PUBLICIDADE

A proposta pode ser modificada durante o debate na dividida Assembleia Nacional da França, em que o governo minoritário de Barnier pode ser facilmente derrubado, e tanto a oposição de esquerda quanto os partidos de extrema-direita pressionaram por políticas mais abrangentes de tributação aos ricos.

“Os ricos estão sendo cada vez mais estigmatizados na França”, disse Xenia Legendre, managing partner em Paris do escritório de advocacia Hogan Lovells e especialista em impostos, que tem recebido consultas de clientes.

“Algumas pessoas acabarão saindo do país. Estão cansadas de insegurança e instabilidade, vão simplesmente embora.”

PUBLICIDADE

O movimento da França para aumentar os impostos sobre os ricos é o ápice de meses de retórica política que começou durante a campanha eleitoral antecipada de junho, quando a oposição atacou as políticas fiscais do presidente Emmanuel Macron para atrair mais investidores, algo que incluiu banqueiros que se mudaram para Paris após o Brexit em Londres.

Macron restringiu o escopo da taxação sobre a riqueza do país para a propriedade e impôs um imposto fixo sobre o capital, o que foi elogiado pela comunidade empresarial e criticado por detratores que o apelidaram de “presidente dos ricos”.

Um relatório do governo concluiu que os efeitos das políticas de Macron são difíceis de quantificar, dizendo que a reforma do imposto sobre a riqueza custou ao estado cerca de 4,5 bilhões de euros em receitas fiscais em 2022. Ainda assim, as medidas parecem ter contido as saídas líquidas dos ricos para outros países nos anos desde que foram implementadas.

PUBLICIDADE

Agora, Barnier decidiu aumentar os impostos sobre os ricos como parte de sua estratégia para reduzir o déficit fiscal, um plano que também está sendo considerado pelo governo do primeiro-ministro britânico Keir Starmer e pela Itália, que recentemente dobrou um imposto fixo sobre a renda estrangeira para novos residentes ricos.

Leia mais: Família dona da Chanel recebe US$ 12,4 bilhões em dividendos e eleva fortuna em 19%

Barnier disse que focar nos ricos e nas grandes empresas multinacionais é uma maneira de evitar aumentos mais amplos para trabalhadores e classes médias.

A França é lar de algumas das maiores fortunas do mundo, incluindo a de Bernard Arnault, fundador do gigante de luxo LVMH, que ocupa a quarta posição no Índice de Bilionários da Bloomberg, e Françoise Bettencourt Meyers, herdeira da gigante de cosméticos L’Oreal.

Também abriga algumas das famílias mais ricas do mundo, como o clã por trás da Hermès International, os herdeiros Wertheimer, da Chanel, e a dinastia da indústria de defesa Dassault.

“Podemos estar atingindo o ponto de inflexão com este orçamento”, disse Evelyne Brugere, vice-presidente da Associação Francesa de Family Office, cujos membros ajudam a gerenciar o capital pessoal dos mais ricos.

“Ninguém quer ser esmagado por impostos. As pessoas podem estar apegadas à França, mas chega uma hora em que elas irão embora.”

O clima político nos últimos meses tem focado a atenção nos indivíduos ricos na França, alguns dos quais começaram a explorar planos de saída durante a campanha eleitoral, principalmente devido à promessa da coalizão de esquerda Novo Front Popular de aumentos de impostos mais significativos.

Agora, segundo Brugere, há uma certa tolerância, mas apenas se os aumentos de impostos anunciados por Barnier forem verdadeiramente temporários e acompanhados por um esforço concentrado para reduzir o gasto público considerado excessivo e inútil.

“As pessoas podem estar prontas para ir embora, mas elas continuam aqui”, disse ela. “É uma questão de esperar para ver.”

Leia mais: Governo Lula recruta guru tributário para defender taxação de ultrarricos

Quando questionado sobre se está preocupado com a saída dos ricos da França, o ministro dos Assuntos Europeus, Benjamin Haddad, deu sua resposta à Bloomberg TV em uma entrevista na sexta-feira (11).

“Estou preocupado com o impacto que a alta dívida e o déficit terão sobre a soberania do nosso país, sobre a riqueza das futuras gerações, e acho que isso é compartilhado pelos franceses em geral, incluindo os mais ricos e os empreendedores.”

Uma família francesa que sentirá especialmente os efeitos do orçamento é a dinastia de transporte marítimo Saade, baseada em Marselha.

A linha de contêineres CMA CGM — a terceira maior do mundo — será atingida com um imposto extra de 500 milhões de euros no próximo ano e de 300 milhões de euros em 2026.

Os Saades possuem um patrimônio de US$ 34 bilhões, segundo o índice da Bloomberg, uma fortuna que disparou durante a pandemia, quando a empresa registrou lucros recordes.

Em declaração à rádio France Inter no início deste mês, o magnata da tecnologia Xavier Niel chamou o estado francês de “ineficiente” e disse que a relativa estabilidade fiscal dos últimos anos manteve os empreendedores ricos investindo e permanecendo no país.

Apesar dos aumentos esperados no próximo ano, ele disse: “Eu serei o último a sair, amo este país.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Accor: combinar lazer e trabalho é tendência em viagens, diz CEO global

Pátria amplia portfólio e chega a US$ 1,2 bi de capex em rodovias na Colômbia

Para a 3M, Brasil pode passar de polo regional a hub global de exportações