Bloomberg — O Papa Francisco, que incentivou os católicos a adotarem uma visão com mais compaixão em muitas questões, morreu aos 88 anos.
Francisco faleceu às 7h35 desta segunda-feira (21) em Roma, informou o Vaticano em um comunicado.
Ele havia sido hospitalizado na capital italiana em meados de fevereiro com bronquite, que evoluiu para pneumonia em ambos os pulmões - o último de uma série de desafios respiratórios e outros médicos que ele enfrentou.
No domingo (20), ele se reuniu com o vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance.
Líder espiritual de 1,4 bilhão de católicos do mundo desde março de 2013, Jorge Mario Bergoglio é natural da Argentina, o que faz dele o primeiro papa das Américas e da América Latina, bem como o primeiro jesuíta a ocupar o cargo.
Ele se tornou pontífice após a abdicação de Bento XVI e, quase que imediatamente, revigorou o catolicismo com seu comportamento de temperamento fácil e amistoso, que contrastava com o de seu antecessor.
Enquanto Bento era visto como um guardião da doutrina ortodoxa, mais à vontade com livros do que com multidões, Francisco chegou como um papa humilde e frequentemente radiante, com uma mensagem expansiva.
Ele cativou muitos não católicos liberais com seu foco na pobreza e no sofrimento humano e chamou a mudança climática de uma questão moral que deve ser abordada.
Rejeitou as regalias e os privilégios de sua posição e evitou os apartamentos papais palacianos em favor da casa de hóspedes do Vaticano.

Um sinal inicial de como Francisco abordaria o papado veio em 2013, quando ele lavou os pés de uma dúzia de prisioneiros, incluindo mulheres jovens, em um centro de detenção juvenil em Roma. Isso quebrou a tradição papal de longa data de lavar apenas os pés dos padres.
E durante sua primeira entrevista coletiva como papa, quando questionado sobre homens gays servindo como padres - algo a que seu antecessor se opunha estritamente -, Francisco respondeu: “Se alguém é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?”
Mas, diante de um clero polarizado e de uma burocracia vaticana que se esconde, Francisco enfrentou dificuldades para atender às expectativas iniciais de que lidaria plenamente com o legado do abuso infantil generalizado por membros do clero.
Ele aboliu o mais alto nível de sigilo usado há muito tempo para proteger os pedófilos dentro da igreja, mas não conseguiu satisfazer as demandas das vítimas por responsabilidade.
E, em meio a uma nova onda de alegações de abuso sexual por padres em 2018, Francisco enfrentou acusações de que havia ignorado avisos de 2013 sobre supostos abusos cometidos pelo cardeal norte-americano Theodore McCarrick.

Ele travou uma batalha difícil para trazer mais transparência às finanças do Vaticano e pressionou a Cúria, a administração do Vaticano, a ouvir com mais atenção as ideias dos bispos distantes.
Outro legado de Francisco é um Colégio de Cardeais reconfigurado, o órgão que seleciona o próximo papa. Suas mudanças tornam mais provável que um candidato da Ásia ou da África possa ser selecionado.
O processo secreto de escolha de um novo papa foi explorado no filme O Conclave, de 2024, no qual um cardeal interpretado por Ralph Fiennes supervisiona uma eleição no Vaticano em meio a um confronto entre candidatos liberais e conservadores.
Filho de contador
O Papa Francisco nasceu Jorge Mario Bergoglio em 17 de dezembro de 1936, em um bairro da classe trabalhadora de Buenos Aires, um dos cinco filhos de imigrantes da Itália. Seu pai, Mario, trabalhava como contador, e sua mãe, a ex-Regina Sivori, era dona de casa.
Em sua biografia oficial, ele disse que foi influenciado por sua avó materna, que havia defendido a igreja contra a ascensão do fascismo e contava a ele e a seus irmãos com histórias sobre a vida dos santos. Ela o alertou sobre os excessos do capitalismo, ensinando-lhe que “mortalhas de enterro não têm bolsos”.
Bergoglio começou a trabalhar em uma fábrica de meias, em que seu pai cuidava da contabilidade, e se formou como técnico químico.
Quando tinha 21 anos, metade de seu pulmão direito teve que ser removido por causa de uma infecção. Após a recuperação, ele entrou em um seminário e ingressou na ordem dos jesuítas, que trabalha dentro da Igreja Católica em prol dos pobres e da justiça social.
“Não sei o que aconteceu”, disse ele a uma estação de rádio argentina em 2012. “Mas eu sabia que tinha que me tornar padre.”
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Em 1963, ele se formou em filosofia no Seminário São José, em San Miguel, Argentina, onde passou a estudar teologia para uma segunda graduação.
Após sua ordenação em 1969 e uma breve missão na Espanha, Bergoglio retornou a Buenos Aires como chefe de todos os jesuítas na Argentina e no vizinho Uruguai.
Seu mandato coincidiu com um dos capítulos mais tumultuados da história argentina - as “Guerras Sujas” da década de 1970, quando a ditadura militar empreendeu uma campanha brutal contra os oponentes políticos de esquerda.
Os jesuítas também estavam divididos, e Bergoglio irritou ativistas tanto da esquerda quanto da direita com o que mais tarde ele chamou de sua “maneira autoritária e rápida de tomar decisões”.
Em 1990, a liderança jesuíta em Roma efetivamente o baniu para Córdoba, uma cidade a cerca de 650 quilômetros da capital, onde ele viveu com simplicidade e interagiu regularmente com pessoas de todas as esferas da vida.
Foi "um período de grande crise interior", disse ele, e saiu de seu exílio com uma abordagem mais humilde em relação à liderança.
Bergoglio foi nomeado bispo em 1992 e líder da maior arquidiocese da Argentina no final daquela década. Em 2001, o Papa João Paulo II o nomeou cardeal.
Ciente de que os argentinos estavam arrecadando fundos para viajar a Roma para comemorar sua nomeação, Bergoglio pediu que, em vez disso, doassem esse dinheiro aos pobres.
Homenagem a São Francisco de Assis
Ele fez um pedido semelhante em março de 2013 quando, aos 76 anos, foi eleito como o 266º papa depois que Bento XVI se tornou o primeiro pontífice a renunciar em quase seis séculos.
Como os jesuítas são desencorajados a se tornarem bispos - e muito menos papas -, Francisco não acreditava que seria eleito e levou apenas uma pequena mala com ele a Roma para o conclave.
Sua escolha, na quinta rodada de votação, foi vista como um desejo de que um “estranho no ninho” reformasse a burocracia papal.
Historicamente, os papas têm usado a escolha de um nome para indicar seus valores definidores. O seu foi uma homenagem a São Francisco de Assis, o frade do século XIII que abandonou a riqueza da família para abraçar a pobreza.
"Como eu adoraria uma igreja que fosse pobre e para os pobres", disse ele após sua eleição.
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Em uma viagem aos EUA em 2015, ele desafiou os legisladores a vencer a pobreza por meio de uma distribuição mais justa da riqueza e, na Assembleia Geral das Nações Unidas, denunciou uma economia global "guiada apenas pela ambição de riqueza e poder".
Depois de abrir uma conta no Instagram em 2016, Francisco ganhou 1 milhão de seguidores em menos de 12 horas.
Foi eleito três vezes entre as 500 Pessoas Mais Influentes da América Latina pela Bloomberg Línea.
Em uma visita surpresa em 2020 a uma conferência no Vaticano, ele admoestou o chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e vários ministros das finanças a ajudar a aliviar o fardo da dívida dos países em dificuldades e pediu uma “nova arquitetura financeira” para garantir a justiça social.
Em 2021, o papa se tornou o primeiro líder da Igreja Católica Romana a visitar o Iraque. Levando uma mensagem de diálogo inter-religioso, ele visitou igrejas que haviam sido destruídas pelos extremistas do Estado Islâmico e realizou um sonho do Papa João Paulo II ao rezar em Ur - a cidade que, segundo a tradição, foi o local de nascimento de Abraão, o patriarca do judaísmo, do cristianismo e do islamismo.
Discursos de improviso
A prática de Francisco de falar de improviso, que lhe rendeu legiões de fãs que lotavam a Praça de São Pedro durante as audiências, colocou-o em maus lençóis duas vezes em 2024.
Em uma ocasião, ele pediu à Ucrânia que mostrasse “a coragem da bandeira branca” e entrasse em negociações com seu invasor, a Rússia. Ele foi rápido em esclarecer suas observações, observando que condenava todas as guerras.
Meses depois, Francisco se desculpou após supostamente ter usado um termo ofensivo para se referir a homens gays que desejavam se tornar padres. O incidente destacou a contínua relação tensa entre a Igreja e a comunidade LGBTQ, mesmo sob seu papado.
Na Páscoa de 2024, o papa se recuperou de meses de problemas respiratórios para presidir a missa na Praça de São Pedro, oferecendo uma oração pela paz. Ele fez uma menção especial à situação dos civis em Gaza, além de mencionar a Síria, a minoria étnica Rohingya em Mianmar, os migrantes e as vítimas do tráfico humano.
"Não vamos nos render à lógica das armas e do rearmamento", disse ele. "A paz nunca é feita com armas, mas com mãos estendidas e corações abertos."
-- Com a colaboração de Donato Paolo Mancini, Flavia Rotondi e Ben Sills.
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