Pânico, filas e suspeitas de ciberataque: os bastidores do apagão que parou a Espanha

Autoridades investigam se o apagão foi causado por ciberataque ou problema técnico na rede elétrica; em Madri, moradores esgotaram itens essenciais em mercados enquanto aguardavam por notícias

Um cliente examina itens em um supermercado usando a lanterna de um smartphone, em Tremp, na Espanha, em 28 de abril.
29 de Abril, 2025 | 08:59 AM

Bloomberg Línea — Funcionários de uma padaria, vestidos com trajes brancos e com os tradicionais gorros de padeiro, tentavam com dificuldade baixar a porta de metal do estabelecimento no centro de Madri, enquanto eram cercados por vizinhos que tentavam ajudá-los.

De repente, dois policiais se aproximaram, mas seu apoio foi infrutífero. Eram 21h20 e a noite começava a cair na Espanha, em um dia sem precedentes, marcado por incertezas e angústia diante de um apagão massivo que já durava nove horas.

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“Estou completamente sem sinal no celular, é impressionante”, dizia um cliente em um supermercado de Madri, em meio à confusão.

Outro comentava ter ouvido que o apagão poderia durar até três dias, enquanto mais uma pessoa perguntava se era mesmo um ciberataque. Enquanto isso, todos corriam para abrir as persianas que ainda mantinham refrigerados os produtos.

As informações oficiais eram escassas desde as 13h, meia hora após a queda generalizada do fornecimento elétrico na região peninsular, também relatada em parte de Portugal, sul da França e Andorra.

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Naquele momento, as pessoas ainda contavam com os últimos vestígios de sinal de dados móveis em seus celulares.

Água, prateleiras de velas e lanternas, assim como os estandes de pilhas e baterias, já haviam sido esvaziados no fim do dia nos principais estabelecimentos. Nos comércios chineses, conhecidos pela venda de produtos para o lar, longas filas mostravam que eram das poucas ainda abastecidas com esses itens, a preços acessíveis. Era exatamente o que os clientes buscavam com urgência, temendo que a situação se estendesse até o dia seguinte.

Muitos recorreram aos carros como fonte de energia para carregar seus celulares. Mas quem tinha pouco combustível ou gás disponível, podia manter o carro ligado por pouco tempo. Abastecer era praticamente impossível, em meio ao fechamento dos postos de gasolina.

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As autoridades haviam recomendado que as pessoas permanecessem em casa ou em local seguro, enquanto seguiam as investigações sobre o ocorrido e os esforços para restabelecer o serviço.

Diante da escassez de informações e de recursos básicos, muitos se lembraram de que, há apenas um mês, a União Europeia havia recomendado aos cidadãos preparar um “kit de emergência” para possíveis situações de crise energética ou ciberataques.

O alerta incluía o armazenamento de água, alimentos não perecíveis, lanternas, baterias, rádios de mão e outros itens básicos para enfrentar cortes prolongados de serviços. A recomendação, vista à época como preventiva, ganhou relevância após o apagão.

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Famílias em estado de alerta

Famílias com crianças lotaram os parques. Na paisagem, semáforos apagados e dezenas de comércios com portas completamente fechadas. Outros, em seus veículos, congestionaram as principais vias da cidade, como a M-30, onde todos os túneis foram interditados.

(Foto: Brais Lorenzo/Bloomberg)

O caos se espalhou também por outras ruas importantes da capital espanhola, como a popular Gran Vía. Enquanto isso, a presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, pedia ao governo espanhol a ativação do plano 3 de Emergência.

“Tenho 68 anos e nunca vi nada parecido”, disse Conchi Sánchez, moradora de Nueva Numancia, enquanto passeava com seus animais de estimação, à Bloomberg Línea.

Assim como ela, milhões de espanhóis ficaram atônitos com a situação e aguardavam o pronunciamento do presidente do governo, Pedro Sánchez, que, cinco horas após o incidente, disse que as causas ainda eram desconhecidas.

“Não há informações conclusivas sobre os motivos deste corte. Não descartamos nenhuma hipótese”, afirmou Sánchez em entrevista coletiva, pedindo também que se evitassem especulações.

Até a noite daquela segunda-feira, o governo espanhol seguia trabalhando com a Red Eléctrica e órgãos de segurança para determinar a origem exata do apagão — sem descartar nenhuma possibilidade, incluindo ciberataques ou falhas técnicas na infraestrutura de transmissão.

O Ministério do Interior elevou o nível de vigilância sobre infraestruturas críticas, enquanto fontes do governo apontavam para uma possível “anomalia técnica severa” com origem fora do país.

Em paralelo, três comunidades autônomas — Extremadura, Madri e Andaluzia — solicitaram o nível de crise de proteção civil. “Concederemos a todas as que pedirem”, afirmou Sánchez.

Pouco depois das 22h, aplausos vindos das varandas — cena que remete à pandemia de 2020 — confirmaram que o fornecimento de energia começava a ser restabelecido no centro da Espanha.

Grande parte do sul do país já havia tido o serviço retomado minutos antes. As Ilhas Canárias não foram afetadas.

“Me senti como em casa, como se nunca tivesse saído da Venezuela”, disse Josué Hinojosa, um migrante venezuelano, à Bloomberg Línea. “Mas sinceramente, não esperava reviver isso na Espanha — e espero que a origem não seja pior do que imaginamos.”

O sistema elétrico espanhol

A Espanha conta com mais de 10 sistemas elétricos. O sistema peninsular é o maior, com mais de 200 GWh por ano, além de sistemas isolados como os de La Palma, Tenerife, Gran Canária, Ceuta e Melilla.

O sistema peninsular está interconectado com França, Portugal, Andorra e Marrocos, e responde por cerca de 94% da demanda elétrica da Espanha, segundo a Red Eléctrica.

A matriz energética do país é composta por energia eólica (22,5%), gás natural (22,5%), nuclear (19,9%), solar fotovoltaica (15,1%), hidrelétrica (10,9%) e os 9% restantes vêm de fontes como petróleo, carvão, solar térmica e biocombustíveis, de acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês).

Os cortes no fornecimento podem ter diversas origens — desde falhas em usinas por falta de combustível ou variações climáticas (no caso de fontes renováveis intermitentes), até oscilações atípicas de frequência na transmissão, altamente sensíveis a mudanças bruscas.

Também podem ter ocorrido falhas na distribuição final, como problemas em postes de energia — embora, até o momento, as autoridades europeias ainda não tenham conseguido determinar a causa do apagão.

Apesar de apagões acontecerem em questão de segundos, o restabelecimento da energia pode levar horas, ou até dias, devido ao tempo necessário para reativar usinas e ajustar as redes de transmissão aos níveis ideais de operação.

Com colaboração de Arturo Solís, repórter da Cidade do México.

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Raylí Luján

Jornalista venezuelano. Coordenei a edição impressa de El Nuevo País e escrevi para o jornal El Nacional. Colaborei para meios digitais como Prodavinci e ganhei o prémio Roche 2021 pelo trabalho colaborativo #HuirMigrarParir, juntamente com La Vida de Nos.