Os interesses de Brasil e Arábia Saudita ao estreitar as relações nos negócios

Exportações do Brasil para o reino atingiram em 2023 o maior patamar em uma década e relação mais próxima envolve empresas brasileiras em busca de acesso a novos mercados

Attendees listen up as Princess Reema bint Bandar al-Saud, Saudi Arabia's ambassador to the US, speaks remotely during the Future Investment Initiative (FFI) Institute Priority conference in Rio de Janeiro, Brazil, on Wednesday, June 12, 2024. The FFI, which is backed by Saudi Arabia's nearly $1 trillion sovereign Public Investment Fund, will host its first Latin America-focused investment conference. Photographer: Dado Galdieri/Bloomberg
Por Clarice Couto - Mariana Durão - Christine Burke
12 de Junho, 2024 | 04:37 PM

Bloomberg — Um é um reino desértico que tem se livrado dos combustíveis fósseis. O outro é uma potência agrícola exuberante, repleta de minerais. A Arábia Saudita e o Brasil estão a milhares de quilômetros de distância, mas o destino tem aproximado os dois países mais do que nunca.

Seu relacionamento começou com as exportações de frango na década de 1970. E agora o vínculo está se tornando uma maneira de os pesos pesados do Sul Global diversificarem seus laços comerciais e protegerem suas economias do risco geopolítico.

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Embora a China e os Estados Unidos sejam parceiros muito maiores para cada um, o comércio bilateral entre o reino e o gigante latino-americano totalizou cerca de US$ 7 bilhões no ano passado.

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O Gulf Research Center, uma organização saudita sem fins lucrativos, prevê um aumento para US$ 10 bilhões até 2030, à medida que o relacionamento se aprofunde, com o Brasil demonstrando consistentemente que está disposto a ceder algo em troca ao seu pretendente árabe.

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A BRF, uma das maiores fornecedoras de frangos do mundo, planeja anunciar uma nova fábrica na Arábia Saudita que provavelmente produzirá localmente pela primeira vez, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto que falaram à Bloomberg News. E a Embraer acertou uma parceria com o reino para ajudá-lo a desenvolver sua indústria aeroespacial.

Exportações do Brasil para a Arábia Saudita atingiram maior patamar em uma década em 2023

Nesta semana, no Rio de Janeiro, um instituto sem fins lucrativos apoiado pelo Fundo de Investimento Público (PIF), fundo soberano do reino, que tem quase US$ 1 trilhão em ativos, realiza sua primeira conferência de investimentos com foco na América Latina.

O evento reuniu mais cedo o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com autoridades sauditas, incluindo o governador do PIF, Yasir Al-Rumayyan.

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O bilionário Marcelo Claure também está presente, juntamente com os principais executivos de empresas como a Vale (VALE3), a JBS (JBSS3) e o Nubank (NU).

Tudo isso faz parte do esforço do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para gastar trilhões de dólares em sua transformação econômica, que visa transformar a nação rica em petróleo em um centro para tudo, desde turismo até manufatura, veículos elétricos e esportes.

O fortalecimento dos laços com o Brasil “nasce de um desejo de aumentar a relevância do Sul Global e posicioná-lo como um contrapeso ao domínio tradicional dos EUA e do Ocidente”, disse Farouk Soussa, economista do Goldman Sachs (GS), por telefone à Bloomberg News.

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O príncipe Mohammed bin Salman, da Arábia Saudita: interesse em estreitar relações com o chamado Sul Global, segundo especialistas

O reino busca cerca de US$ 100 bilhões em investimentos anuais do exterior para ajudar a realizar seu sonho econômico, cerca de três vezes mais do que já conseguiu.

Com esse dinheiro se materializando mais lentamente do que o esperado, a Arábia Saudita faz um esforço conjunto para obter dinheiro estrangeiro. Isso inclui a alocação de cerca de 60% das ações na recente oferta de ações de US$ 11,2 bilhões da Saudi Aramco para investidores estrangeiros.

Nas últimas seis semanas, “exércitos” de autoridades sauditas cruzaram continentes, da Ásia à América do Norte, para mostrar o reino como um destino atraente para investimentos. Eles passaram um tempo em Nova York, Japão e Hong Kong e também receberam um grupo de delegados britânicos em Riad.

Com a conferência do Rio de Janeiro, seu foco se volta para a América Latina - e sua maior economia. “O Brasil tem muitos setores complementares aos da Arábia Saudita”, disse Soussa. “O país pode ser um aliado importante na segurança alimentar e nos metais.”

A mineração é uma área de interesse particular, já que o reino diz ter mais de US$ 1,3 trilhão em metais enterrados dentro de suas fronteiras. A Manara Minerals Investment, com sede na Arábia Saudita, fechou recentemente a compra de uma participação de 10% na unidade de metais básicos da Vale, no valor de cerca de US$ 2,5 bilhões.

Isso marcou a primeira grande incursão do reino no mercado global de metais e é provável que seja seguida por outras aquisições, já que a Manara procura ativamente obter mais ativos.

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Para Lula, que tenta impulsionar o crescimento econômico no Brasil por meio de uma política industrial, a perspectiva de aumento dos fluxos de investimento sauditas é igualmente atraente.

Ele visitou o reino em novembro passado, conversando com MBS - como é conhecido o príncipe herdeiro - e dizendo a uma plateia de empresários que, em uma década, “o Brasil será conhecido como a Arábia Saudita da energia verde”.

Os alimentos, no entanto, são a espinha dorsal do relacionamento. As exportações do Brasil para a Arábia Saudita atingiram em 2023 um recorde em dez anos, com os alimentos representando cerca de 90% do total de US$ 3,2 bilhões. O reino escolheu o Brasil como seu parceiro estratégico no setor, principalmente por meio da PIF e de sua afiliada, a Saudi Agricultural and Livestock Investment.

A Salic comprou uma participação de mais de 10% na BRF no ano passado. A gigante de alimentos vê potencial para usar sua posição no reino como um hub para o Oriente Médio em geral, disseram as pessoas, falando sob condição de anonimato para discutir negociações privadas.

Embora a produção local de frangos seja mais cara para a BRF (BRFS3) devido aos custos de importação de milho para ração e ao ar condicionado necessário para mitigar o clima desértico, os preços mais altos pagos pela carne de origem doméstica e as condições privilegiadas de financiamento fariam com que esse investimento valesse a pena, disse uma das pessoas.

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Os planos futuros para produtos de valor agregado também podem aumentar os lucros da BRF.

O Brasil é o principal fornecedor de alimentos para os países da Organização de Cooperação Islâmica, tendo enviado US$ 23,4 bilhões em produtos no ano passado, superando concorrentes como os EUA, a Indonésia e a Turquia.

Para garantir que esse fluxo continue, Salic também se tornou o maior acionista da produtora de carne Minerva (BEEF3), com uma participação de 30% e um contrato de fornecimento segundo o qual a empresa saudita poderia comprar até 25.000 toneladas métricas por ano.

Há ainda o interesse em fertilizantes. A Petrobras decidiu entrar novamente nesse mercado, potencialmente com um parceiro asiático ou do Oriente Médio - com o presidente Lula flutuando a ideia de uma parceria saudita durante sua visita no ano passado.

A gigante do petróleo confirmou as negociações em estágio inicial sem dar mais detalhes, mas acelerar os projetos no setor está entre as exigências de Lula à nova CEO da estatal, Magda Chambriard, que também participa da conferência do Rio de Janeiro.

No setor aeroespacial, o Brasil e a Arábia Saudita assinaram um acordo de cooperação de defesa de cinco anos que inclui transferência de tecnologia e financiamento de sistemas militares.

A Embraer, por sua vez, tem uma tentativa de acordo com o Centro Nacional de Desenvolvimento Industrial para a adoção de suas aeronaves no reino. A empresa também trabalha para fechar um acordo de venda de 33 aeronaves para a Arábia Saudita e avalia a possibilidade de um novo centro de produção na região, segundo noticiou o jornal Folha de S. Paulo neste mês.

O plano de transformação do príncipe herdeiro - conhecido como Visão 2030 - significa que, além de ajudar na segurança alimentar, na indústria aeroespacial e na mineração, o reino está interessado em atrair tecnologia, capital e mão-de-obra brasileiros para suprir déficits em infraestrutura, hospitalidade, habitação, entretenimento e outros, de acordo com o BTG Pactual, que abriu um escritório em Riad.

"É um país de 36 milhões de pessoas com problemas reais a serem resolvidos", disse Adriano Borges, sócio do banco responsável pela estratégia de investimentos no Oriente Médio.

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Há também um impulso de investimento mais amplo.

A eB Capital, que tem Claure, ex-COO do SoftBank, como sócio, está em negociações com investidores sauditas para lançar um fundo de US$ 600 milhões, visando os setores de clima e energia do Brasil.

E o Patria Investimentos, uma das maiores gestoras de ativos alternativos da América Latina, trabalha com as empresas de seu portfólio para aumentar o investimento no reino também.

“Não somos apenas nós que recebemos capital como Brasil, ou o Patria como gestor de ativos, mas há uma troca de capital”, disse o CEO do Patria, Alexandre Saigh, na segunda-feira (10), em uma entrevista por telefone à Bloomberg News.

Por enquanto, a Arábia Saudita tem investido mais no Brasil do que o contrário. O gigante latino-americano recebeu US$ 1 bilhão do reino em 2022, enquanto investiu US$ 300 milhões no país, de acordo com dados da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira.

“No longo prazo, poderemos ver mais IED [Investimento Estrangeiro Direto] do Brasil indo para o reino”, disse Hannan Alghamdi, especialista em relações regionais com a América Latina no Gulf Research Center. “Há interesse e potencial, mas não acho que isso vá acontecer nos próximos anos.”

- Com a colaboração de Rachel Gamarski, Matthew Martin e Samy Adghirni.

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