Os interesses de Brasil e Arábia Saudita ao estreitar as relações nos negócios

Exportações do Brasil para o reino atingiram em 2023 o maior patamar em uma década e relação mais próxima envolve empresas brasileiras em busca de acesso a novos mercados

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Bloomberg — Um é um reino desértico que tem se livrado dos combustíveis fósseis. O outro é uma potência agrícola exuberante, repleta de minerais. A Arábia Saudita e o Brasil estão a milhares de quilômetros de distância, mas o destino tem aproximado os dois países mais do que nunca.

Seu relacionamento começou com as exportações de frango na década de 1970. E agora o vínculo está se tornando uma maneira de os pesos pesados do Sul Global diversificarem seus laços comerciais e protegerem suas economias do risco geopolítico.

Embora a China e os Estados Unidos sejam parceiros muito maiores para cada um, o comércio bilateral entre o reino e o gigante latino-americano totalizou cerca de US$ 7 bilhões no ano passado.

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O Gulf Research Center, uma organização saudita sem fins lucrativos, prevê um aumento para US$ 10 bilhões até 2030, à medida que o relacionamento se aprofunde, com o Brasil demonstrando consistentemente que está disposto a ceder algo em troca ao seu pretendente árabe.

A BRF, uma das maiores fornecedoras de frangos do mundo, planeja anunciar uma nova fábrica na Arábia Saudita que provavelmente produzirá localmente pela primeira vez, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto que falaram à Bloomberg News. E a Embraer acertou uma parceria com o reino para ajudá-lo a desenvolver sua indústria aeroespacial.

Nesta semana, no Rio de Janeiro, um instituto sem fins lucrativos apoiado pelo Fundo de Investimento Público (PIF), fundo soberano do reino, que tem quase US$ 1 trilhão em ativos, realiza sua primeira conferência de investimentos com foco na América Latina.

O evento reuniu mais cedo o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com autoridades sauditas, incluindo o governador do PIF, Yasir Al-Rumayyan.

O bilionário Marcelo Claure também está presente, juntamente com os principais executivos de empresas como a Vale (VALE3), a JBS (JBSS3) e o Nubank (NU).

Tudo isso faz parte do esforço do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman para gastar trilhões de dólares em sua transformação econômica, que visa transformar a nação rica em petróleo em um centro para tudo, desde turismo até manufatura, veículos elétricos e esportes.

O fortalecimento dos laços com o Brasil “nasce de um desejo de aumentar a relevância do Sul Global e posicioná-lo como um contrapeso ao domínio tradicional dos EUA e do Ocidente”, disse Farouk Soussa, economista do Goldman Sachs (GS), por telefone à Bloomberg News.

O reino busca cerca de US$ 100 bilhões em investimentos anuais do exterior para ajudar a realizar seu sonho econômico, cerca de três vezes mais do que já conseguiu.

Com esse dinheiro se materializando mais lentamente do que o esperado, a Arábia Saudita faz um esforço conjunto para obter dinheiro estrangeiro. Isso inclui a alocação de cerca de 60% das ações na recente oferta de ações de US$ 11,2 bilhões da Saudi Aramco para investidores estrangeiros.

Nas últimas seis semanas, “exércitos” de autoridades sauditas cruzaram continentes, da Ásia à América do Norte, para mostrar o reino como um destino atraente para investimentos. Eles passaram um tempo em Nova York, Japão e Hong Kong e também receberam um grupo de delegados britânicos em Riad.

Com a conferência do Rio de Janeiro, seu foco se volta para a América Latina - e sua maior economia. “O Brasil tem muitos setores complementares aos da Arábia Saudita”, disse Soussa. “O país pode ser um aliado importante na segurança alimentar e nos metais.”

A mineração é uma área de interesse particular, já que o reino diz ter mais de US$ 1,3 trilhão em metais enterrados dentro de suas fronteiras. A Manara Minerals Investment, com sede na Arábia Saudita, fechou recentemente a compra de uma participação de 10% na unidade de metais básicos da Vale, no valor de cerca de US$ 2,5 bilhões.

Isso marcou a primeira grande incursão do reino no mercado global de metais e é provável que seja seguida por outras aquisições, já que a Manara procura ativamente obter mais ativos.

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Para Lula, que tenta impulsionar o crescimento econômico no Brasil por meio de uma política industrial, a perspectiva de aumento dos fluxos de investimento sauditas é igualmente atraente.

Ele visitou o reino em novembro passado, conversando com MBS - como é conhecido o príncipe herdeiro - e dizendo a uma plateia de empresários que, em uma década, “o Brasil será conhecido como a Arábia Saudita da energia verde”.

Os alimentos, no entanto, são a espinha dorsal do relacionamento. As exportações do Brasil para a Arábia Saudita atingiram em 2023 um recorde em dez anos, com os alimentos representando cerca de 90% do total de US$ 3,2 bilhões. O reino escolheu o Brasil como seu parceiro estratégico no setor, principalmente por meio da PIF e de sua afiliada, a Saudi Agricultural and Livestock Investment.

A Salic comprou uma participação de mais de 10% na BRF no ano passado. A gigante de alimentos vê potencial para usar sua posição no reino como um hub para o Oriente Médio em geral, disseram as pessoas, falando sob condição de anonimato para discutir negociações privadas.

Embora a produção local de frangos seja mais cara para a BRF (BRFS3) devido aos custos de importação de milho para ração e ao ar condicionado necessário para mitigar o clima desértico, os preços mais altos pagos pela carne de origem doméstica e as condições privilegiadas de financiamento fariam com que esse investimento valesse a pena, disse uma das pessoas.

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Os planos futuros para produtos de valor agregado também podem aumentar os lucros da BRF.

O Brasil é o principal fornecedor de alimentos para os países da Organização de Cooperação Islâmica, tendo enviado US$ 23,4 bilhões em produtos no ano passado, superando concorrentes como os EUA, a Indonésia e a Turquia.

Para garantir que esse fluxo continue, Salic também se tornou o maior acionista da produtora de carne Minerva (BEEF3), com uma participação de 30% e um contrato de fornecimento segundo o qual a empresa saudita poderia comprar até 25.000 toneladas métricas por ano.

Há ainda o interesse em fertilizantes. A Petrobras decidiu entrar novamente nesse mercado, potencialmente com um parceiro asiático ou do Oriente Médio - com o presidente Lula flutuando a ideia de uma parceria saudita durante sua visita no ano passado.

A gigante do petróleo confirmou as negociações em estágio inicial sem dar mais detalhes, mas acelerar os projetos no setor está entre as exigências de Lula à nova CEO da estatal, Magda Chambriard, que também participa da conferência do Rio de Janeiro.

No setor aeroespacial, o Brasil e a Arábia Saudita assinaram um acordo de cooperação de defesa de cinco anos que inclui transferência de tecnologia e financiamento de sistemas militares.

A Embraer, por sua vez, tem uma tentativa de acordo com o Centro Nacional de Desenvolvimento Industrial para a adoção de suas aeronaves no reino. A empresa também trabalha para fechar um acordo de venda de 33 aeronaves para a Arábia Saudita e avalia a possibilidade de um novo centro de produção na região, segundo noticiou o jornal Folha de S. Paulo neste mês.

O plano de transformação do príncipe herdeiro - conhecido como Visão 2030 - significa que, além de ajudar na segurança alimentar, na indústria aeroespacial e na mineração, o reino está interessado em atrair tecnologia, capital e mão-de-obra brasileiros para suprir déficits em infraestrutura, hospitalidade, habitação, entretenimento e outros, de acordo com o BTG Pactual, que abriu um escritório em Riad.

"É um país de 36 milhões de pessoas com problemas reais a serem resolvidos", disse Adriano Borges, sócio do banco responsável pela estratégia de investimentos no Oriente Médio.

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Há também um impulso de investimento mais amplo.

A eB Capital, que tem Claure, ex-COO do SoftBank, como sócio, está em negociações com investidores sauditas para lançar um fundo de US$ 600 milhões, visando os setores de clima e energia do Brasil.

E o Patria Investimentos, uma das maiores gestoras de ativos alternativos da América Latina, trabalha com as empresas de seu portfólio para aumentar o investimento no reino também.

“Não somos apenas nós que recebemos capital como Brasil, ou o Patria como gestor de ativos, mas há uma troca de capital”, disse o CEO do Patria, Alexandre Saigh, na segunda-feira (10), em uma entrevista por telefone à Bloomberg News.

Por enquanto, a Arábia Saudita tem investido mais no Brasil do que o contrário. O gigante latino-americano recebeu US$ 1 bilhão do reino em 2022, enquanto investiu US$ 300 milhões no país, de acordo com dados da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira.

“No longo prazo, poderemos ver mais IED [Investimento Estrangeiro Direto] do Brasil indo para o reino”, disse Hannan Alghamdi, especialista em relações regionais com a América Latina no Gulf Research Center. “Há interesse e potencial, mas não acho que isso vá acontecer nos próximos anos.”

- Com a colaboração de Rachel Gamarski, Matthew Martin e Samy Adghirni.

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