Novo chefe da economia dos EUA foi discípulo de Soros e é chamado de ‘falcão fiscal’

Donald Trump nomeou Scott Bessent, que comanda o fundo hedge Key Square, como próximo secretário do Tesouro dos EUA; ele é um nome que faz parte do establishment de Wall Street

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Bloomberg — O presidente eleito Donald Trump disse que escolheu Scott Bessent, que comanda o fundo hedge macro Key Square Group, como o próximo secretário do Tesouro dos Estados Unidos.

À frente da área econômica, Bessent desempenhará um papel importante para administrar a ampla agenda que o republicano prometeu implementar em um segundo mandato.

“Scott tem sido um forte defensor da agenda America First”, disse Trump em um comunicado na noite de sexta-feira (23).

“Às vésperas do 250º aniversário de nosso grande país [em 2026], ele me ajudará a dar início a uma nova Era de Ouro para os Estados Unidos, à medida que fortalecemos nossa posição como a principal economia do mundo.”

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Bessent, 62 anos, foi escolhido depois de uma longa busca por um chefe do Tesouro, que levou Trump a considerar vários candidatos - e executivos de Wall Street e líderes empresariais lutaram para influenciar a decisão do presidente eleito.

Os aliados acreditavam que Trump buscava um candidato que fosse favorecido tanto por Wall Street quanto por uma base eleitoral ansiosa para que ele implemente tarifas comerciais abrangentes, adote criptomoedas e reprima a imigração sem documentos.

Bessent superou outros concorrentes de destaque, incluindo o CEO da Apollo Global Management, Marc Rowan, o ex-diretor do Federal Reserve Kevin Warsh e um dos senadores pelo Tennessee, Bill Hagerty, bem como o co-presidente do comitê de transição de Trump, Howard Lutnick, que acabou sendo nomeado para liderar o Departamento de Comércio.

Se confirmado pelo Senado dos EUA, Bessent será o primeiro chefe do Tesouro abertamente gay e um dos mais ricos dos tempos modernos.

Bessent disse que sempre quis servir ao seu país, mas na década de 1980 sua orientação sexual o impediu de entrar para a Academia Naval dos EUA e, depois de se formar na Universidade de Yale, de entrar para o Departamento de Estado.

Ele se junta a uma equipe econômica que começa a tomar forma poucas semanas depois que Trump ganhou um segundo mandato presidencial.

Trump anunciou que seu ex-diretor de orçamento, Russ Vought, retornaria à mesma função em uma declaração em sua plataforma de mídia social na sexta-feira.

"Ele fez um excelente trabalho nessa função em meu primeiro mandato - cortamos quatro regulamentações para cada nova regulamentação, e foi um grande sucesso!" disse Trump.

Vought, um dos principais arquitetos do chamado Projeto 2025, o controverso documento de políticas da Heritage Foundation divulgado durante a campanha, trabalhará ao lado de Bessent para implementar a agenda econômica de Trump.

Proximidade com George Soros

Como o formulador de políticas econômicas de mais alto nível do país, Bessent terá que atravessar os “matagais” políticos em Washington, liderar a diplomacia econômica internacional e levar o know-how de Wall Street para situações de crise. Ele também será observado de perto por investidores e instituições financeiras, que buscam previsibilidade e estabilidade.

Ele tem sido um defensor do realinhamento da política monetária dos EUA, mas não chegou a apoiar uma estratégia explícita de desvalorização do dólar.

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Durante o primeiro mandato de Trump, o então presidente chamou a atenção para o fato de que a valorização do dólar era prejudicial para os fabricantes dos EUA - pois encarece as exportações do país - e até considerou uma intervenção governamental para administrar o valor do dólar.

Bessent reconheceu que, embora um dólar mais fraco fosse positivo para algumas partes da economia, algumas das propostas de Trump aumentariam seu valor - como impor tarifas mais altas a importados.

Ele criticou a administração do presidente Joe Biden por sua gestão do financiamento da dívida federal e falou sobre a expansão de sua política de “friendshoring” para criar um sistema escalonado entre os parceiros comerciais.

No Tesouro, espera-se que Bessent aconselhe Trump sobre os candidatos à presidência do Federal Reserve quando esse cargo estiver vago em maio de 2026.

No início deste ano, ele falou sobre a ideia de nomear um novo presidente do Fed bem antes do término do mandato do atual presidente, Jerome Powell.

Os mercados financeiros voltariam sua atenção para esse “presidente-sombra” do Fed em vez de Powell, disse Bessent.

Ele disse que o Fed foi muito lento para reagir ao aumento da inflação em 2021 e criticou o banco central dos EUA por seu grande corte - de 50 pontos base - nas taxas de juros em setembro deste ano.

Bessent passou parte de sua carreira administrando dinheiro para o bilionário George Soros.

Ele morava em Londres e fazia parte da equipe, sob o comando de Stan Druckenmiller, que ganhou US$ 1 bilhão em 1992 ao vender a libra esterlina a descoberto - uma aposta que ajudou a forçar a saída da moeda do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio e tornou Soros famoso como o homem que quebrou o Banco da Inglaterra.

Ele seria o segundo secretário do Tesouro, depois de Steven Mnuchin, que trabalhou para grupos com laços estreitos com Soros.

O family office de Soros obteve cerca de US$ 10 bilhões em lucros durante a gestão de Bessent como chefe de investimentos, ou cerca de 13% ao ano.

Desde então, ele dirige a Key Square, que começou com um investimento de US$ 2 bilhões de Soros - fundos que ele devolveu posteriormente com a entrada de outros investidores.

“Acho que ele será excelente”, disse Druckenmiller.

"Tendo trabalhado para mim e para George durante todos esses anos, ele teve contato com tudo o que um secretário do Tesouro precisa lidar. Ele tem um profundo conhecimento dos mercados e também é um intelectual que tem a capacidade de trabalhar com formuladores de políticas acadêmicas. É uma combinação rara".

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Bessent devolverá o capital de seus clientes de fundos hedge o mais rapidamente possível após 1º de dezembro, de acordo com uma pessoa familiarizada com seus planos.

As regras federais exigem que os membros do gabinete desenvolvam planos para eliminar seus possíveis conflitos de interesse e, em seguida, os cumpram, geralmente em um prazo de até 90 dias.

Veja a seguir algumas das principais áreas de responsabilidade para o cargo de Secretário do Tesouro:

Supervisão e impostos

Espera-se que Bessent desempenhe um papel fundamental na pressão para que o Congresso renove os cortes de impostos de Trump adotados em 2017, muitos dos quais estão previstos para expirar no final de 2025.

O chefe do Tesouro pode se encarregar de fazer a “ponte” com os republicanos no Congresso para expandir o escopo do projeto de lei tributária para incluir algumas das promessas tributárias da campanha de Trump, incluindo uma alíquota corporativa de 15% e a isenção da tributação dos salários por meio de gorjetas.

O Secretário do Tesouro também é encarregado de administrar o Conselho de Supervisão da Estabilidade Financeira (FSOC), um painel criado após a crise financeira.

Sob o comando da secretária do Tesouro que vai deixar o cargo, Janet Yellen, o FSOC analisou a questão da mudança climática, provocando críticas dos republicanos, que têm sido cautelosos em relação a qualquer exigência para que os bancos incorporem o clima em suas decisões de empréstimo ou capital.

O FSOC, sob o comando de Yellen, também recomendou uma supervisão mais forte de stablecoins, que o Fed comparou a depósitos bancários e a fundos do mercado monetário - e que estão sujeitos a muito mais regulamentação.

A defesa do espaço para criptoativos feita por Trump na campanha provavelmente colocará a posição do novo chefe do Tesouro sob os holofotes.

Diplomacia econômica

Durante o ano, há reuniões dos chefes de finanças do G7, do G20 e de outras organizações internacionais, das quais o secretário do Tesouro normalmente participa como o principal representante dos EUA.

O Departamento do Tesouro implementa as sanções dos EUA contra países, empresas e indivíduos estrangeiros, cujo número aumentou muito nos últimos anos. Yellen ajudou a liderar os esforços do G7 para isolar a Rússia após sua invasão em grande escala da Ucrânia há quase três anos e para aumentar a assistência financeira a Kiev.

A secretária também tem atuado com frequência como a pessoa mais importante no envolvimento com a China.

O chefe do Tesouro tende a ser uma voz cautelosa quando se trata de propostas voltadas para o maior rival estratégico dos Estados Unidos. Mnuchin, chefe do Tesouro de Trump em seu primeiro mandato, foi visto desempenhando esse papel quando as tensões aumentaram em 2018 e 2019.

Gestão da dívida pública

Bessent também terá que lidar com uma dívida cara e crescente.

O déficit orçamentário federal subiu para 6,4% do PIB no ano fiscal de 2024, um nível historicamente alto para um período de expansão econômica e pleno emprego. Um dos principais fatores tem sido o aumento dos custos de juros, na esteira dos aumentos das taxas do Fed em 2022 e 2023.

"Ninguém ficou mais apavorado com essa pilha de dívidas e com o refinanciamento que teremos de fazer", disse Bessent em um podcast recente com Stephen Bannon, conselheiro de longa data de Trump. O que pode "estabilizar o mercado de títulos" é um pacote fiscal que controle os gastos, disse ele.

Bessent também reclamou da estratégia de financiamento da dívida do Tesouro, alegando que Yellen estava tentando estimular a economia e ajudar seu chefe antes da eleição de novembro - uma acusação que ela rejeitou.

Os gestores de dívida talvez precisem ser ativos na administração da liquidez do Tesouro, pois o teto da dívida federal está programado para voltar a vigorar no início de janeiro de 2025.

Isso impede que o departamento emita novas dívidas e desencadeia uma sequência de manobras frequentemente utilizadas para evitar que o governo dos EUA fique sem dinheiro ou, pior ainda, não pague sua dívida - um evento que poderia ter repercussões catastróficas.

Glen Capelo, que passou mais de três décadas nas mesas de negociação de títulos de Wall Street e agora é diretor administrativo do Mischler Financial Group, chamou Bessent de “falcão fiscal” - “fiscal hawk”.

"Ele definitivamente será positivo de modo geral para a economia e os mercados. Ele quer controlar os gastos. Bessent quer que o Secretário do Tesouro volte a se alinhar com os mercados - porque ele acredita que Janet Yellen distorceu um pouco a emissão", disse Capelo.

- Com a colaboração de Maria Luiza Rabello, Liz Capo McCormick, Katherine Burton e Romy Varghese.

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