No Uruguai, refúgio de ricos latinos, reforma da previdência divide o país

Proposta prevê reduzir a idade de aposentadoria, aumentar o valor mínimo pago aos pensionistas em 20% e acabar com a gestão privada; opositores veem risco à estabilidade fiscal

País de 3,4 milhões de habitantes é uma ilha de serenidade na América Latina, graças, em parte, a uma governança estável
Por Ken Parks
20 de Outubro, 2024 | 07:15 AM

Bloomberg — No refúgio dos ricos da América Latina, os uruguaios estão prestes a decidir se vão reformular seu sistema de Previdência Social em uma proposta controversa de US$ 23 bilhões que tem ofuscado a eleição presidencial.

Os eleitores também escolherão novos legisladores quando forem às urnas em 27 de outubro, mas é a possibilidade de grandes mudanças previdenciárias na Constituição que chamou a atenção dos cidadãos comuns e dos mercados internacionais.

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Se aprovada pela maioria, a medida aumentaria os pagamentos mínimos das pensões, reduziria a idade de aposentadoria e transferiria as economias gerenciadas pelo setor privado para um fundo administrado pelo governo.

Os defensores do plano veem-no como uma maneira de distribuir os recursos do Uruguai de forma mais igualitária e justa. Os opositores, incluindo o atual presidente Luis Lacalle Pou e ambos os principais candidatos à sua sucessão, alertam sobre as consequências fiscais.

O nervosismo do mercado em relação à votação provocou uma venda de alguns dos títulos internacionais do país no mês passado, enquanto o peso uruguaio registrou seu pior desempenho em um ano, com uma queda de 3% em relação ao dólar americano.

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O país de 3,4 milhões de habitantes é conhecido como uma ilha de serenidade na tumultuada América Latina, graças, em parte, a uma governança estável.

O Google escolheu o Uruguai este ano para sediar um enorme data center e bilionários estrangeiros mantêm segundas residências em Montevidéu e Punta del Este.

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Mas, embora a proposta beneficie imediatamente as pessoas mais velhas que têm aposentadorias baixas atualmente, ela está atraindo os eleitores jovens em um país que costuma superar seus vizinhos em termos de igualdade de renda.

“Como pode não ser uma causa justa aumentar um pouco as aposentadorias daqueles que construíram o país com seu trabalho?”, disse Mauricio Vario, de 33 anos, que trabalha na banca de frutas e produtos agrícolas de sua família em Montevidéu.

Ele apoia a medida porque concorda que nenhuma pensão deve ser menor que o salário mínimo, que atualmente é de 22.268 pesos (US$ 537) por mês.

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Proposta tem atraído o apoio de jovens

A iniciativa, que passará por um plebiscito e é apoiada por uma poderosa confederação trabalhista e organizações sociais, busca desmantelar o sistema criado em 1995, no qual a poupança para aposentadoria administrada por fundos de pensão complementa os pagamentos da Previdência Social.

A proposta aumentaria uma pensão mensal mínima, atualmente em 18.840 pesos, em quase 20%.

"É perigoso e prejudicial. Os impostos terão que ser aumentados e importantes benefícios estatais também terão que ser cortados" se a proposta for aprovada, disse Lacalle Pou em um discurso televisionado em 1º de outubro.

Se aprovado, os fundos de pensão uruguaios, conhecidos como Afaps, que administram as poupanças de aposentadoria em nome de 1,6 milhão de trabalhadores, teriam dois anos para encerrar suas operações.

Sua eliminação provavelmente teria um efeito inibidor nos mercados de capitais locais, onde eles são os principais compradores de dívidas governamentais e corporativas.

O setor de construção alertou que um voto favorável poderia comprometer o financiamento da infraestrutura.

A Republica Afap e o grupo comercial que representa os outros três fundos - Afap Itau, Afap Sura e Integracion Afap - não quiseram comentar.

A maioria das pesquisas indica que a medida não atinge a maioria absoluta de votos necessária para ser aprovada, embora até 30% dos eleitores permaneçam indecisos. O apoio ao plebiscito caiu de 51% para 47% em uma pesquisa publicada na terça-feira pelo instituto de pesquisa Factum.

Mas a líder sindical Karina Sosa apresenta o plebiscito como um ato de justiça social e autodefesa contra futuras tentativas de aumentar a idade de aposentadoria. Os sindicatos planejam distribuir 3,5 milhões de cédulas e mobilizar até 3.500 voluntários para distribuí-las perto das seções de votação no dia da eleição, disse ela.

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"O plebiscito é a resposta indignada do povo a um sistema que só funciona para os mais poderosos", disse Sosa. "O que queremos alcançar? Uma sociedade mais igualitária em que a seguridade social é um mecanismo de redistribuição de riqueza."

Os defensores da proposta têm aproveitado o descontentamento com a reforma previdenciária de Lacalle Pou, que aumenta gradualmente a idade de aposentadoria de 60 para 65 anos e concede um papel maior à previdência privada.

O principal candidato à presidência, Yamandu Orsi, da Frente Ampla de esquerda, opõe-se à proposta de mudança previdenciária, embora seu partido tenha se abstido de adotar uma posição formal. Seu principal rival, Alvaro Delgado, da atual coalizão de centro-direita, alertou sobre o “colapso econômico” caso a medida seja aprovada.

O voto nas eleições gerais é obrigatório, mas o plebiscito é voluntário. Os uruguaios votarão em listas de candidatos à Presidência e ao Congresso, enquanto os apoiadores do plebiscito devem votar “sim” em separado.

Os partidos da coalizão governista e a maior parte da Frente Ampla não estão incluindo a cédula com as listas que distribuem antes da votação, o que significa que muitas pessoas terão que pegar uma cédula proativamente em sua seção eleitoral, disse Rafael Porzecanski, diretor da empresa de pesquisas Opcion Consultores.

"Isso reduz as chances de o plebiscito ser aprovado", disse ele. A confederação trabalhista "pode mobilizar as pessoas, mas nem todos os plebiscitos que ela apoiou conseguiram ser aprovados".

Principais candidatos não indicaram apoio à proposta

No entanto o Uruguai poderia se juntar a outros países da América Latina que abandonaram ou reduziram os sistemas de aposentadoria baseados em contas de poupança individuais.

A Argentina nacionalizou suas empresas de previdência em 2008, enquanto o Chile e o Peru permitiram que os poupadores retirassem bilhões de dólares em poupanças de aposentadoria.

Claudia Calich, que administra cerca de US$ 5,5 bilhões como chefe de dívida de mercados emergentes da M&G Investments, acredita que a volatilidade do mercado financeiro decorrente da votação sobre a aposentadoria seria administrável. A empresa tem uma classificação “overweight” (equivalente a compra) para os títulos internacionais em moeda local do Uruguai.

"O plebiscito, se aprovado, seria um revés fiscal para o país. Mas provavelmente seriam necessários vários outros erros de política para ver a história do Uruguai se desfazer", disse Calich em referência à reputação do país como um tomador de empréstimos estável.

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