Flutuação do peso é um avanço para a Argentina, mas envolve riscos à inflação

Comerciantes já repassam o aumento do dólar oficial depois que o governo liberou a flutuação da moeda dentro de uma faixa; consultorias preveem impacto sobre os preços

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Bloomberg — Todas as manhãs, Carlos Abons e seus seis funcionários visitam lojas de materiais de construção em Buenos Aires, entregando suprimentos elétricos e incentivando os clientes a fazerem novos pedidos com sua empresa familiar. Mas a última segunda-feira foi diferente para eles.

O presidente Javier Milei estava prestes a apresentar seu plano para desmantelar a maioria dos controles cambiais em vigor nos últimos cinco anos, um pilar fundamental do novo programa de US$ 20 bilhões da Argentina com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nas ruas de Buenos Aires, Abons ordenou que sua equipe aguardasse.

“Decidimos não pressionar para vender”, disse o vendedor de 73 anos da Dalessandri, uma distribuidora de materiais elétricos. “Nossas vendas foram zero.”

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Seus temores de que a nova flutuação da moeda pudesse levá-lo a vender produtos por menos do que custaria para substituí-los foram imediatamente confirmados pelos operadores na manhã de segunda-feira.

O peso desvalorizou-se 10% na abertura dos mercados oficiais, caindo para 1.195 por dólar, ante 1.076 no fechamento de sexta-feira.

A decisão de Milei de flexibilizar os controles cambiais está impactando a economia real.

Varejistas e importadores estão ajustando seus preços com cautela à medida que o peso enfraquece.

Alguns temem que isso possa desencadear a inflação, um grande problema que Milei conseguiu conter em grande parte durante seu primeiro ano de governo. A questão é se desta vez será diferente.

Consultorias privadas elevaram suas previsões de inflação para 2025, mesmo expressando otimismo em relação às novas políticas econômicas de Milei.

O presidente decidiu adotar um regime flutuante administrado antes das importantes eleições legislativas de meio de mandato em outubro, mas depois de alcançar superávits fiscais e comerciais durante seu primeiro ano no cargo.

Metade do efeito da desvalorização do peso será concentrada nos próximos três meses, segundo Juan Pablo Ronderos, sócio responsável por economia e mercados da consultoria argentina MAP.

Ronderos elevou a previsão da MAP para a inflação anual em 10 pontos percentuais, para 33%. “Estamos preocupados com o ritmo da inflação subjacente em março, e a isso se somará um repasse da desvalorização”, afirmou Ronderos.

Outras empresas que elevaram suas projeções incluem a consultoria FMyA, que agora prevê uma inflação de 32% este ano, em vez dos 25% previstos na semana passada.

Muitos comerciantes de produtos importados decidiram repassar imediatamente o aumento de 10% na taxa de câmbio para seus clientes.

O motivo é simples: muitos produtos são faturados em dólares, mas expressos em pesos à taxa de câmbio oficial do dia. Alguns preços de produtos nacionais, muitos dos quais têm insumos importados, também estão subindo.

“Estamos considerando um aumento de 10% para produtos nacionais”, disse Abons. “Eles certamente aumentarão e, quando eu for repor, provavelmente perderei dinheiro.”

Economistas e empresas veem dois motivos pelos quais a inflação não deve sair do controle por enquanto, em comparação com outras desvalorizações abruptas da moeda na Argentina nos últimos anos.

Um deles é a confiança generalizada no programa econômico de Milei, e muitas pessoas acreditam que o peso não continuará a cair agressivamente.

O outro é que a demanda está tão deprimida que as empresas simplesmente não podem se dar ao luxo de aumentar os preços drasticamente.

Os varejistas estão em uma posição delicada. Por um lado, os produtos importados ficaram mais caros da noite para o dia. Por outro, há pouco apetite no mercado para absorver preços mais altos.

“Repassar um aumento direto de 10% ao consumidor de uma só vez é arriscado com uma demanda tão baixa”, disse Manuel Loitegui, gerente de produtos da rede de pet shops Puppis, que importa quase tudo da China.

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