Milei ganha holofote fora da Argentina, mas sucesso depende de volta do crescimento

Outsider libertário que assumiu o país há um ano conseguiu reduzir a inflação e eliminar o déficit fiscal com plano de austeridade que agradou investidores, mas pobreza e recessão são desafios

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Bloomberg — Em um baile de gala em Mar-a-Lago, na última quinta-feira (14), o presidente argentino Javier Milei não conseguiu se conter. A reunião havia sido organizada para comemorar a eleição de seu inspirador, Donald Trump, e ninguém iria superar Milei.

Na manhã seguinte, quando foi chamado para fazer um discurso, ele subiu ao palco. Durante 15 minutos, ele se deleitou com a derrota da classe dominante socialista que classifica como “lacradora” antes de baixar a voz para encerrar com seu grito característico: “viva a liberdade”.

Há quase um ano no cargo, para o choque de muitos especialistas argentinos, Milei vive um bom momento. Ele não apenas terá em breve um aliado na Casa Branca – algo crucial para um líder cujo país precisa desesperadamente de ajuda externa – mas, na frente econômica, acumula vitórias.

A inflação está em queda, exatamente como ele prometeu, de um pico de quase 300% ao ano; um déficit orçamentário de longa data se transformou em um superávit; os títulos do governo, antes considerados quase certamente encaminhados à inadimplência, estão se recuperando; e a economia, há muito tempo moribunda, finalmente começou a se recuperar - embora deve encerrar 2024 com retração.

Nada mal para um outsider com uma agenda tão radical que as pessoas especulavam abertamente há um ano sobre quantos meses ele duraria antes de ter que entregar o poder.

“Naquela época”, disse Miguel Kiguel, economista e ex-subsecretário de finanças da Argentina, “este era um cenário de sonho. Era impensável”.

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A questão agora é se Milei pode transformar essas vitórias nas duas coisas de que ele mais precisa para proporcionar ganhos econômicos verdadeiros e duradouros ao seu povo: um novo programa de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e uma onda de investimentos em “tudo”, desde fábricas de automóveis até plataformas de gás de xisto.

Até o momento, os argentinos têm sido pacientes com Milei, embora pesquisas recentes indiquem que o cansaço com seu impulso de austeridade fiscal e a dor financeira que o acompanha estejam começando a se instalar.

Dentro da equipe de Milei, a esperança é que o retorno de Trump abra caminho para um acordo com o FMI que renovaria, e talvez até expandiria, o atual programa de empréstimo de US$ 44 bilhões.

Sem isso, Milei terá dificuldades para suspender as rígidas restrições no mercado de câmbio – o peso está mais estável neste ano, mas continua frágil – que atuam como um importante impedimento para as multinacionais que consideram investir no país.

A economia pode apresentar “uma leve recuperação”, disse Eduardo Levy Yeyati, consultor econômico chefe da Adcap Grupo Financiero e membro sênior da Brookings, “mas o crescimento real não acontecerá até que os investidores decidam colocar seu dinheiro na Argentina. E ainda não chegamos lá”.

Primeiro superávit fiscal desde 2008

Milei encontrou mais espaço para cortar gastos do que qualquer um imaginava ser possível na Argentina, que agora está no caminho certo para registrar seu primeiro superávit orçamentário anual desde 2008.

Ele interrompeu as obras públicas, cortou o orçamento do ensino superior, reduziu a folha de pagamento pública e permitiu que os salários e as pensões do setor público ficassem abaixo da inflação.

Depois de eliminar metade dos ministérios do país, Milei criou um dedicado a reduzir a burocracia – o que, segundo ele, inspirou Trump a criar seu Departamento de Eficiência Governamental, que será dirigido por Elon Musk e outro empresário.

No entanto, a mesma iniciativa de austeridade mergulhou a Argentina na recessão e mais da metade de sua população na pobreza.

E, embora tenham surgido os primeiros sinais de recuperação – a atividade econômica voltou aos níveis pré-eleitorais em agosto –, os gastos dos consumidores e a produção industrial ainda estão em baixa em comparação com um ano atrás.

“Milei conquistou, acima de tudo, a paciência do povo”, disse Mariel Fornoni, diretor da empresa de pesquisas Management and Fit, que aponta seu índice de aprovação em pouco menos de 50%. “Hoje, seu governo depende fundamentalmente da opinião pública.”

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O que diz a Bloomberg Economics

“Milei se tornou o garoto-propaganda de um modelo econômico de estado pequeno, livre comércio e preços livres, do qual várias economias se afastaram nas últimas décadas – embora ele ainda não tenha implementado totalmente as ideias que defende.

A face mais brilhante de sua agenda é o esforço bem-sucedido para reequilibrar um orçamento público que estava no vermelho há décadas, o que ajudou a evitar uma hiperinflação.

Porém seu plano de desinflação também se baseia em um peso supervalorizado e administrado e em controles cambiais – uma estratégia com a qual os governos argentinos anteriores, tanto de esquerda quanto de direita, muitas vezes se entregaram.

Somente quando esses controles forem suspensos – e o que se seguirá em termos de fluxos, endividamento e inflação – é que o modelo de Milei poderá ser avaliado como um exemplo a ser seguido – ou evitado – por outros mercados emergentes.”

— Adriana Dupita, economista para Brasil e Argentina.

Campanha contra a inflação

Grande parte da popularidade de Milei é sustentada pelo sucesso inicial de sua campanha contra a inflação: os preços ao consumidor aumentaram 2,7% em outubro em relação a setembro, o ritmo mensal mais lento em quase três anos.

Isso ainda significa, no entanto, uma inflação anual de quase 200%, que Milei precisa desesperadamente derrotar antes que os argentinos percam a paciência com suas políticas.

E essa é a razão pela qual o economista libertário que se tornou presidente adiou algumas de suas principais promessas de campanha, ou seja, a remoção dos controles de capital e de moeda que permitiriam que o peso flutuasse livremente, possivelmente desencadeando um novo choque inflacionário que poderia prejudicar sua popularidade antes das eleições cruciais de meio de mandato do próximo ano.

Em vez disso, Milei adotou uma paridade cambial que limita a desvalorização do peso a apenas 2% ao mês, e tem falado em reduzir ainda mais a desvalorização para apenas 1% ao mês.

Manter esses controles custou à Argentina suas preciosas reservas estrangeiras e também impediu investimentos de longo prazo de que o país tanto necessita para uma recuperação econômica sustentável.

A política cambial de Milei também é o ponto de atrito nas negociações com o FMI, que não quer ver seus recursos usados novamente para sustentar o peso.

“O teste decisivo é saber se isso é sustentável sem controles cambiais, e ainda não sabemos”, disse Kiguel.

Milei gosta de se gabar de que o tempo está do seu lado, mesmo quando a maioria dos economistas e pesquisadores de opinião adverte que ele está correndo contra ele.

Tendo provado até agora que seus detratores estão errados, ele chegou com autoconfiança renovada à cúpula do Grupo dos 20, organizada por seu colega brasileiro e arquirrival Luiz Inácio Lula da Silva.

Antes mesmo de aterrissar no Rio de Janeiro há uma semana, ele já tentava bloquear o consenso em torno do comunicado final do grupo – agindo como um sabotador para alguns, ou como líder do que ele considera uma nova ordem global que derrotará os socialistas e suas agendas “lacradoras”.

O principal assessor econômico de Milei, Luis Caputo, talvez tenha capturado melhor o clima de euforia dentro dos corredores do governo quando fez uma aparição na bolsa de valores de Buenos Aires na semana retrasada.

Caputo disse à pequena multidão de economistas e empresários reunidos no pregão da bolsa que o presidente é uma das duas ou três pessoas mais respeitadas do mundo atualmente. Em seguida, ele se corrigiu. Milei é realmente o número 1, “mas fico um pouco constrangido” em dizer isso.

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