Milei completa um ano na Argentina com redução da inflação e aumento da pobreza

O programa adotado para estabilizar uma economia que estava em sua oitava recessão em 30 anos trouxe resultados animadores, mas ainda há desafios na área social

Cadena nacional
11 de Dezembro, 2024 | 02:54 PM

Bloomberg Línea — O programa econômico do governo de Javier Milei comemorou seu primeiro aniversário nesta terça-feira (10).

O plano foi concebido pelo ministro Luis Caputo e pelo presidente do Banco Central da Argentina, Santiago Bausili para estabilizar uma economia que estava se afundando em sua oitava recessão em 30 anos.

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onstruído sobre três âncoras – monetária, fiscal e cambial – ele já começou a oferecer alguns marcos que levaram o governo a esperar que a Argentina se torne “o país que mais crescerá no mundo nos próximos 30 anos”, como o próprio Caputo garantiu na semana passada.

O mercado e grande parte da sociedade também estão otimistas quanto aos rumos da economia. A última pesquisa de satisfação política e opinião pública realizada pela Universidade de San Andrés revelou que, pela primeira vez, a economia estava no topo da lista de satisfação com as políticas públicas, com 48% de aprovação.

Isso não significa, porém, que a batalha esteja ganha: ainda há desafios importantes pela frente para que o país deixe para trás décadas de estagnação e um legado econômico que o governo descreveu como “o pior da história”.

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“Embora Milei tenha conseguido começar a dar uma guinada na economia argentina em muitas áreas importantes, ele ainda enfrenta sérios desafios”, resumiu Bruno Gennari, estrategista de mercados emergentes da KNG Securities, em um relatório recente enviado aos clientes.

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Otimismo do mercado

Por trás dessa melhora no sentimento estão vários indicadores que Milei e Caputo frequentemente destacam em suas aparições públicas. Entre eles, a queda da inflação para seu nível mais baixo em três anos, o déficit zero e a queda nos gastos públicos, ou a queda na diferença da taxa de câmbio e no risco-país para seus níveis mais baixos desde 2019.

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Depois de acelerar para níveis de quase 290% ao ano em maio e marcar um pico de 25,5% ao mês em dezembro, a inflação na Argentina começou a diminuir e, em outubro, ficou em 2,7%, o menor registro em três anos.

“A queda da inflação de 25,5% em dezembro para cerca de 2,7% nesses meses é provavelmente a maior conquista do governo, pelo menos quando se olha para as pesquisas de opinião”, disse a Econviews em seu último relatório semanal.

O consenso, acrescentou, é que o equilíbrio fiscal foi fundamental para o processo de desinflação, embora tenha acrescentado que “igualmente ou mais importante foi a política de desvalorização mensal de 2%”.

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Santiago Bausili, presidente del Banco Central, y Luis Caputo, ministro de Economía

“A taxa de câmbio oficial foi a âncora nominal que conseguiu coordenar as expectativas e dar credibilidade ao programa anti-inflacionário, que tem funcionado muito bem”, disseram os economistas da empresa.

Outro reflexo do sucesso do programa de desinflação pode ser visto na pesquisa da Universidade de San Andrés, que revelou que este ano a inflação deixou de ser o principal problema do país para os argentinos. Depois de estar no topo da lista das principais preocupações por mais de três anos, ela vem perdendo terreno desde meados do ano, caindo para o sexto lugar.

Âncora fiscal

Para a Econviews, a base ou âncora do programa tem sido o equilíbrio fiscal. “Ele foi fundamental para dar credibilidade à política econômica”, analisou, antes de acrescentar que “sem o equilíbrio fiscal, teria sido impossível reduzir a inflação e também que o risco-país caís caísse mais de 1.200 pontos-base em um ano”.

“Antes da eleição de Milei, a última vez que a Argentina teve um superávit fiscal por três meses consecutivos foi em 2008″, lembrou Gennari, da KNG Securities.

O governo, que fez da motosserra um símbolo de sua gestão, acumulou um superávit primário de 1,8% do PIB e um superávit financeiro de 0,5%. Isso foi alcançado graças ao fato de que a queda nos gastos públicos mais do que compensou a queda na atividade e na receita.

De acordo com uma projeção de Nadín Argañaraz, do Instituto Argentino de Análise Fiscal (IARAF), os gastos cairiam de 40,6% do PIB em 2023 para 33,5% em 2024.

No futuro, entretanto, ainda há desafios nessa dinâmica. O objetivo do governo, estabelecido em um dos pontos centrais do Pacto de Maio, é levar os gastos públicos a 25% do PIB, semelhante aos níveis de 2004.

A melhor percepção dos argentinos sobre o rumo econômico provavelmente também é influenciada pela calma da taxa de câmbio. Com o câmbio paralelo chegando a 1.050 pesos argentinos por dólar, a diferença da taxa de câmbio caiu para níveis de 1% ou 2%, os mais baixos desde o restabelecimento dos controles cambiais em setembro de 2019.

O risco-país da Argentina também caiu para um novo mínimo de cinco anos nas últimas semanas, passando de 1.923 pontos-base quando Javier Milei assumiu a Casa Rosada para 737 unidades um ano depois.

A queda nessas variáveis também pode ser explicada, em grande parte, pela restrição da emissão monetária e pela recomposição de reservas do BCRA.

Com relação à emissão, a equipe econômica não apenas desligou a “maquininha” de pesos que eram emitidos para financiar direta ou indiretamente o déficit do Tesouro mas também a criação de pesos endógenos para pagar os juros da dívida remunerada do BCRA, que, como Milei reiterou, exigia a emissão de 10 pontos do PIB em 2023.

Essa bola de Leliqs, que era então um repasse, migrou no meio do ano para a dívida do Tesouro, cujos juros são absorvidos com parte do superávit acumulado.

Leia mais: Primeira privatização de Milei esbarra em dívida de US$ 536 mi, segundo fonte

Desafios remanescentes

A pesquisa da Universidad de San Andrés também oferece algumas pistas sobre os desafios pendentes que o governo enfrenta em questões econômicas. No topo da lista de preocupações dos argentinos estão a pobreza e os salários.

De acordo com a última medição do Observatório da Dívida Social da UCA, a pobreza atingiu 49,9% da população no terceiro trimestre do ano, abaixo dos 51% registrados pelo Indec no segundo trimestre, mas ainda acima dos níveis deixados pelo governo de Alberto Fernández (45,2%).

Com relação aos salários, a Remuneração Média Tributável dos Trabalhadores Estáveis (RIPTE) – um indicador baseado nas contribuições para o Sistema Integrado de Pensões da Argentina - mostra que, nos primeiros dez meses do governo de Milei (de dezembro a setembro inclusive), os salários formais acumularam um aumento nominal que foi sete pontos percentuais menor do que o generalizado dos preços.

Apesar disso, nos últimos meses essa dinâmica vem se recuperando, e a RIPTE superou a inflação em seis dos últimos sete meses.

Bloomberg

Com o objetivo de melhorar o poder de compra dos salários, uma das apostas do governo para o futuro é promover a reforma tributária, o que também melhoraria a competitividade sem a necessidade de validar um novo salto de desvalorização. De fato, aqueles que negam que a Argentina esteja atrasada em sua taxa de câmbio tendem a apontar que o país “não é caro em dólares”, mas que “é caro em impostos”.

Meses atrás, o partido governista anunciou que um dos objetivos do governo era terminar esta administração eliminando 90% dos impostos. Nessa linha, espera-se que Milei se refira nesta terça-feira, em rede nacional de televisão, à simplificação tributária que pretende promover, uma vez que, de acordo com o IARAF, dos 155 impostos existentes na Argentina, apenas 10 respondem por 92% da arrecadação.

Outro desafio para Milei em 2025 será o de pôr fim a uma década de estagnação na criação de empregos. De acordo com dados da Secretaria Nacional do Trabalho, atualizados até julho deste ano, o mercado de trabalho privado registrado era composto por cerca de 6,2 milhões de pessoas, 2,6% a menos do que no mesmo mês de 2023 e praticamente o mesmo número de julho de 2015.

No entanto, o que aumentou bastante nesse período foi o número de monotributistas – pequenos contribuintes e empresários que optam pelo regime simplificado do monotributo – de 1,4 milhão em 2015 para 2,1 milhões atualmente.

Ou seja, um crescimento de 47,5%, ou 690.000 trabalhadores a mais. O número de funcionários públicos também aumentou na última década, de pouco mais de 3 milhões em 2015 para 3,4 milhões em 2024, um aumento de 12,5%.

Controle cambial

Por fim, talvez o maior desafio para Milei seja a eliminação da armadilha da taxa de câmbio. Embora seu governo tenha progredido na remoção de algumas restrições, o mercado ainda aguarda uma abertura total da taxa de câmbio, algo que poderia vir junto com um novo programa com o FMI.

“Um ponto fraco do programa tem sido a lentidão na retirada dos controles cambiais”, disseram os economistas da Econviews, que lembraram que, embora a remoção dos controles estivesse inicialmente prevista para junho, eles agora esperam que isso aconteça após as eleições de outubro do próximo ano.

“O que parece predominar é o temor de que, se o controle for suspenso, poderá haver uma fuga dos pesos que estão presos, levando a um salto do dólar e gerando um ressurgimento da inflação”, explicaram.

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Um segundo ponto fraco, acrescentaram, tem sido a recomposição das reservas internacionais. Apesar de o BCRA ter comprado mais de US$ 20 bilhões no mercado de câmbio, os economistas da consultoria apontaram que “até agora só conseguiu torná-las menos negativas”, passando da zona negativa de US$ 11 bilhões em dezembro de 2023 para cerca de US$ 5 bilhões negativos atualmente.

“Embora esses números representem uma melhora, está longe de ser um retorno aos valores positivos. Essa situação de baixas reservas também levou ao fracasso do governo em desmantelar a armadilha da taxa de câmbio”, observaram.

“É verdade que nos últimos meses o Banco Central voltou a acumular dólares, embora grande parte se deva à dívida do setor privado e não a um superávit na conta corrente, que é mais sustentável”, acrescentaram.

Gennari, da KNG Securities, disse concordar. No relatório mencionado acima, ele disse que a taxa de câmbio real perdeu quase toda a competitividade obtida com a desvalorização do ano passado, tornando o governo particularmente dependente dos fluxos financeiros externos para manter a paridade de sua moeda.

Essa valorização, disse ele, possibilitou a desaceleração da inflação, mas acrescentou que “a contrapartida dessa valorização foi um acúmulo menor de reservas internacionais, que é o ponto fraco do plano do governo”.

Nessa linha, ele também alertou sobre as “indenizações legais concedidas a empresas e investidores estrangeiros pelos erros da administração anterior”, o que, em sua opinião, “pode se tornar uma dor de cabeça para o governo”.

“As ações judiciais contra a Argentina apresentadas nas últimas duas décadas estão finalmente chegando ao fim. O maior e mais famoso desses processos é o relacionado à expropriação da YPF, que resultou em uma indenização de US$ 16 bilhões para os demandantes.

Outro prêmio famoso é aquele em favor dos detentores de EUR Warrants, que foram condenados pelos tribunais britânicos a pagar à Argentina 1,6 bilhão de euros”, disse ele.

Perspectiva positiva

Mesmo assim, a perspectiva dos analistas continua positiva. O relatório da Econviews concluiu que “olhando para o futuro, há motivos para otimismo”.

Entre esses motivos, eles listaram o déficit zero, a redução dos gastos públicos, a queda da inflação, as reformas estruturais, a perspectiva de poder voltar ao mercado financeiro internacional, o crescimento incipiente, a melhoria dos salários reais e as boas perspectivas para setores como petróleo e gás e mineração.

Tudo isso, explicaram eles, “são alguns dos indicadores que mostram que podemos estar diante de um ponto de inflexão no crescimento de longo prazo”.

E, embora reconheçam que “sempre há riscos”, entre os quais destacam que “há uma história amarga na Argentina e na região de planos anti-inflacionários baseados na taxa de câmbio, que quase inexoravelmente terminaram em turbulência”, nesta ocasião eles consideram que “o fato de a macro estar mais sólida minimiza as chances de uma crise”.

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Tomás Carrió

Tomás Carrió, jornalista especializado em economia e finanças. Trabalhou para os jornais El Cronista e La Nación e é colunista de economia da Radio Milenium. Licenciado em Comunicação Social (Universidad Austral) e Mestre em Jornalismo (Universidade Torcuato Di Tella).