Milei adia planos de elevar impostos e tarifas para evitar aumento da inflação

Com maior pressão dos preços, presidente da Argentina optou por priorizar o controle da inflação em seu programa para estabilizar a economia; governo planejava reduzir subsídios

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Bloomberg — O presidente Javier Milei desacelerou a implementação de algumas medidas do seu plano econômico para tentar manter o apoio popular, apesar da difícil realidade econômica da Argentina, mesmo que isso cause distúrbios nos mercados.

Neste mês, o líder libertário adiou o plano de aumentar impostos sobre combustíveis e nas tarifas de serviços de utilidade pública que, juntos, teriam acrescentado 1,2 ponto percentual à inflação mensal, de acordo com o JPMorgan Chase. As tarifas de trem, que são altamente subsidiadas, estão congeladas desde maio, e o preço das passagens de ônibus não teve reajustes desde abril.

O adiamento revela as dificuldades pela frente, enquanto Milei tenta consertar a economia sem aumentar a inflação, já altíssima. O Índice de Preços ao Consumidor registrou alta de 4,6% em junho, ante um avanço de 4,2%, de acordo com dados divulgados nesta sexta-feira (12). O resultado marca a primeira aceleração dos preços ao consumidor depois de cinco meses com quedas consecutivas.

O aumento, no entanto, ficou abaixo do esperado. Economistas consultados em uma pesquisa da Bloomberg projetavam avanço de 5,1% em junho. No acumulado em 12 meses, a inflação caiu para 271,5%, ante 276,4% em maio.

“O governo passou a se concentrar tanto em conseguir uma desaceleração sustentada da inflação que começou a deixar de lado outros objetivos”, disse Nicolas Gadano, economista-chefe da empresa de consultoria Empiria, de Buenos Aires. “Adiar mais ajustes de preços significa que essas vitórias sobre a inflação são um alívio no curto prazo, mas um problema no futuro.”

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A moeda argentina também exemplifica essa tensão. Desde a desvalorização de 54% em dezembro, o governo rejeitou os pedidos para acelerar a depreciação mensal de 2% da taxa de câmbio oficial do peso, conhecida como “crawling peg” - ou eliminar completamente os controles de capital -, porque teme que uma aceleração maior apenas aumentaria os preços. Como resultado, os exportadores passaram a reter as vendas de soja e o aumento das reservas do Banco Central foi interrompido.

“As tarifas de energia são um equilíbrio difícil entre a redução dos subsídios e a inflação”, disse o ministro da Economia Luis Caputo na quinta-feira (11) em uma entrevista a uma rádio, reiterando que a Argentina não desvalorizaria o peso novamente. “A prioridade é reduzir a inflação”.

Caputo defende a eliminação completa dos controles de capital a portas fechadas, apesar das crescentes pressões para desvalorizar a moeda. Qualquer movimento cambial prejudicaria a popularidade de Milei entre a classe média, a espinha dorsal de seu programa, de acordo com várias pessoas que se reuniram com a equipe econômica nas últimas semanas.

Embora os investidores e economistas elogiem o trabalho de Milei até o momento - a inflação mensal diminuiu para 4,6% em junho, ante 25,5% em dezembro, e o governo tem obtido um superávit fiscal pela primeira vez desde 2008 -, eles alertam que o projeto tem uma espécie de calcanhar de Aquiles.

“A situação macroeconômica da Argentina não está em uma trajetória estável, portanto, se continuarmos assim sem nenhuma mudança, algo vai explodir”, disse Ernesto Revilla, economista-chefe para a América Latina do Citigroup. “Você não pode deixar que a taxa de câmbio se deprecie a uma taxa tão significativamente menor do que a inflação por mais de algum tempo, porque isso começa a gerar pressões que precisam ser resolvidas.”

Na última sexta-feira de junho, exultante após a aprovação de seu projeto de reforma no Congresso, Milei declarou em uma entrevista na televisão que a Argentina estava entrando na próxima fase de seu plano monetário.

Horas mais tarde, após o fechamento dos mercados, Caputo e o presidente do Banco Central, Santiago Bausili, sentaram-se diante dos repórteres em uma coletiva de imprensa para delinear um exercício técnico de balanço patrimonial, esquivando-se das perguntas sobre o peso. Os títulos soberanos de referência com vencimento em 2035 caíram cerca de 1,1 centavos de dólar na segunda-feira seguinte.

“Os mercados tinham uma pergunta diferente e eles não a responderam”, disse Juan Manuel Truffa, diretor da consultoria econômica Outlier.

Com um ritmo lento e uma taxa de câmbio paralela enfraquecida, a diferença cambial tem aumentado. Consequentemente, um peso artificialmente forte desacelerou os esforços do governo para elevar as reservas estrangeiras, levando alguns em Wall Street a lamentar a falta de vontade de Milei, por enquanto, de ajustar sua política cambial.

Até o momento, neste mês, os títulos soberanos da Argentina estão entre os de pior desempenho entre seus pares de mercados emergentes, de acordo com um índice da Bloomberg. Ainda assim, eles proporcionaram aos investidores retornos de 39% desde que Milei assumiu o cargo no final do ano passado.

As compras mensais de dólares, uma métrica importante para os investidores de renda fixa, ultrapassaram US$ 2 bilhões em maio, mas o Banco Central reverteu e vendeu US$ 84 milhões até 28 de junho. Este mês, no entanto, houve uma retomada, com as autoridades comprando cerca de US$ 120 milhões até quarta-feira, de acordo com dados do governo.

“Na verdade, há apenas um motivo pelo qual nos preocupamos com a reconstrução das reservas da Argentina: para que ela possa pagar o serviço de sua dívida externa. Há muita dívida pendente também”, disse David Austerweil, vice-gerente de portfólio de mercados emergentes da Van Eck Associates.

Enquanto isso, as chances de novos recursos de um possível novo programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) parecem tão pequenas quanto quando a ideia foi lançada no início deste ano como uma forma de ajudar a suspender os controles cambiais. E em 2025, Milei enfrentará eleições de meio de mandato, nas quais precisará obter apoio legislativo.

Caputo, na coletiva de imprensa de 28 de junho, sinalizou que o governo congelaria as tarifas de eletricidade e gás - contradizendo um funcionário sênior do setor de energia que havia delineado aumentos mensais de preços apenas três semanas antes. Apesar disso, as contas de energia para a classe média mais do que dobraram em junho.

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-- Atualizada para incluir os dados de inflação de junho.

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