Miami vira novo destino para mexicanos ricos que buscam imóveis de luxo no exterior

Cidade é há muito tempo um refúgio para os ricos da América Latina em tempos de turbulência; isso a transformou em uma capital cultural e financeira latina

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Bloomberg — Em uma manhã recente, mais de uma dúzia de possíveis investidores se reuniram no hotel Presidente InterContinental, no elegante bairro de Polanco, na Cidade do México.

Eles estavam lá para ouvir uma palestra sobre imóveis em Miami, muitos deles atraídos por um anúncio de jornal de duas páginas que anunciava comodidades de luxo em condomínios a partir de US$ 500.000.

O interesse em guardar dinheiro em propriedades no exterior aumentou entre os mexicanos ricos desde a vitória da presidente eleita Claudia Sheinbaum e seu partido Morena nas eleições do mês passado.

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Eles estão buscando uma fuga à medida que se especula que o próximo governo minará o estado de direito e aumentará os impostos sobre os ricos.

No hotel Polanco, uma série de corretores da Brickell Realty conversava com os clientes, enquanto outros levavam possíveis compradores para salas de reuni]ao de vidro para discutir financiamento e como obter vistos dos Estados Unidos.

Uma participante disse que a preocupação com os vínculos populistas de Sheinbaum a levou a considerar a possibilidade de gastar até US$ 1 milhão em uma propriedade, mas que primeiro ela precisava se desfazer de alguns imóveis no México. Isso, segundo ela, provou ser um desafio nos últimos meses.

Os ricos do México estão correndo para encontrar “portos seguros” para seus ativos, e o sul da Flórida é o principal alvo.

As buscas no Google no México por “imóveis em Miami” e “imóveis na Flórida” tiveram um pico em meados de junho, coincidindo com uma forte queda do peso após a votação.

Segundo um diretor de vendas da Cipriani Residences Miami, uma torre de luxo com 397 unidades que está sendo construída com financiamento do bilionário mexicano Carlos Slim, houve um aumento de pedidos de compradores mexicanos desde a eleição de 2 de junho.

No Corcoran Group, um anúncio em um jornal mexicano gerou cerca de 40 possíveis clientes nas semanas após a eleição, em comparação com apenas um ou dois um mês antes da votação

“Houve um grande aumento na atividade”, disse Mick Duchon, um corretor da Corcoran. “O ambiente político mudou.”

Miami é há muito tempo um refúgio para os ricos da América Latina em tempos de turbulência, desde o influxo de cubanos que fugiam da revolução de Fidel Castro em 1959, seguido por ondas de colombianos, venezuelanos e argentinos quando as crises explodiram nesses países.

Isso transformou a cidade em uma capital cultural e financeira latina, na qual o espanhol é falado quase tão comumente quanto o inglês. Mais recentemente, o sul da Flórida tem visto um influxo de profissionais da área financeira desde o início da pandemia, com as empresas em busca de impostos mais baixos e sol.

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Agora, os mexicanos, que tradicionalmente migram para outros lugares nos EUA que não Miami, podem estar seguindo o exemplo.

Faltam dados concretos devido a atrasos nos relatórios de transações imobiliárias, mas entrevistas com corretores imobiliários e especialistas em wealth esclarecem a tendência.

Espera-se que Sheinbaum seja uma “presidente muito progressista e muitos mexicanos ricos têm medo disso”, disse Mauricio Umansky, que nasceu na Cidade do México e agora lidera a empresa imobiliária The Agency, com escritórios em Miami e no México.

“É por isso que eles estão comprando imóveis nos EUA – é a melhor forma de proteger sua riqueza.”

A vitória de Sheinbaum já era esperada, e havia alguns sinais de que os mexicanos ricos estavam enviando capital para fora do país no início do ano.

Mas o interesse no setor imobiliário de Miami decolou depois que o partido Morena conquistou uma parcela maior do que a esperada de assentos no Congresso, ampliando temores de que o partido seria capaz de promover mudanças com mais facilidade.

As preocupações também recaem sobre os planos de permitir a eleição direta de juízes, o que, segundo os críticos, ameaça o controle e o equilíbrio.

Dito isso, pode ser difícil identificar exatamente com o que a elite mexicana pode estar preocupada.

Há poucas propostas específicas para aumentar os impostos, confiscar a riqueza ou refazer radicalmente a economia, e Sheinbaum tentou garantir aos céticos que os investidores não têm motivos para se preocupar. Nas últimas semanas, o peso apagou algumas de suas perdas pós-eleição.

Há também o fato de que, sob o atual governo Morena, liderado pelo presidente Andres Manuel Lopez Obrador (AMLO), mentor de Sheinbaum, as pessoas mais ricas do México ficaram mais ricas do que nunca.

Isso se deve, em parte, à valorização do peso durante o mandato de AMLO e às políticas que favoreceram os oligopólios que estão na base da riqueza de muitas famílias mexicanas.

Incertezas ampliam movimento

Este também não é o primeiro movimento rumo à Flórida: no início da presidência de AMLO, os temores em relação à repressão à evasão fiscal e à corrupção também levaram uma safra de mexicanos ricos para Miami.

Agora, parece que uma nova onda de beneficiários desses ganhos está procurando transferir os lucros para o exterior. No primeiro trimestre do ano, empresas e indivíduos mexicanos retiraram capital no maior ritmo em dois anos, de acordo com o Institute of International Finance.

"Isso reflete o aumento da incerteza antes da eleição", disse Martin Castellano, que supervisiona a pesquisa sobre a América Latina no IIF.

As famílias ricas estarão atentas para ver como Sheinbaum governará depois que assumir o cargo em 1º de outubro, com foco especial em como ela planeja lidar com um déficit cada vez maior, em meio a especulações de que estará sob pressão dos aliados para aumentar os gastos sociais.

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“Fala-se muito em grandes mudanças nos impostos sobre o patrimônio”, disse Jorge Suarez-Velez, que lidera a divisão latino-americana da consultoria de investimentos Americana Partners, com foco nas famílias ricas do México.

“Muito é dito sobre a possibilidade de aumentar as alíquotas marginais para empresas e pessoas físicas em termos de imposto de renda.”

Sheinbaum tem dito repetidamente que não pretende aprovar grandes mudanças tributárias no início de seu mandato. Sua assessoria de imprensa não retornou as ligações pedindo comentários adicionais.

Os mexicanos têm sido sub-representados no sul da Flórida, constituindo apenas 5% da comunidade hispânica na área metropolitana de Miami em 2022, praticamente inalterada em relação às duas décadas anteriores, de acordo com dados do censo dos EUA analisados pelo Pew Research Center.

Mas isso começou a mudar nos últimos anos, somando-se a um frenesi imobiliário da era da pandemia em Miami que diminuiu um pouco, mas ainda deixou o mercado imobiliário local em uma posição muito melhor do que a maior parte dos EUA.

“Os mexicanos em Miami são algo novo, uma tendência mais lenta, porém constante”, disse Danny Hertzberg, sócio fundador do Jills Zeder Group, um dos maiores corretores de imóveis de alto padrão de Miami. “Os mexicanos geralmente iam para a Califórnia, Texas ou Colorado, mas começaram a vir cada vez mais para Miami.”

Nos últimos dois anos, mais de 80 unidades do Cipriani Residences Miami foram para compradores mexicanos, de acordo com Ana Gomez, diretora de vendas da propriedade.

Ela disse que o último aumento pegou o grupo de surpresa. Atualmente, os compradores do México ocupam o sexto lugar entre os principais compradores estrangeiros da Miami Association of Realtors.

Miltiadis Kastanis, um corretor da Douglas Elliman Real Estate que trabalha principalmente com novos empreendimentos em Miami, disse que houve uma onda de vendas recentes para mexicanos.

Ele diz que os negócios em que trabalhou estão na faixa de US$ 10 milhões a US$ 20 milhões. Como os projetos ainda estão em construção, contudo, as transações não deverão aparecer nos bancos de dados locais por mais dois a quatro anos.

Não é apenas a política que contribui para a decisão de comprar propriedades no exterior – às vezes é apenas para fins de investimento.

Os proprietários de imóveis no Condado de Miami-Dade obtiveram, em média, US$ 533.955 em ganhos de patrimônio líquido nos últimos 15 anos, pouco menos que o dobro da média nacional, de acordo com uma análise divulgada no mês passado pela Miami Association of Realtors.

O número de vendas de casas por US$ 1 milhão ou mais aumentou 9,5% em maio em relação ao ano anterior, impulsionado em parte por um influxo de compradores à vista e pela migração de pessoas com renda mais alta do nordeste dos EUA.

Agentes imobiliários de outros lugares dizem que a área de Miami não é a única região que está recebendo um fluxo de compradores mexicanos.

Austin parece ser popular entre os compradores que preferem o Texas, e as propriedades nas montanhas do Colorado atraíram os entusiastas da vida ao ar livre.

“Essas famílias estão começando a se sentir mais confortáveis com investimentos significativos em lugares que estão longe de onde fizeram sua fortuna”, disse Suarez-Velez.

-- Com a colaboração de Paulina Cachero e Felipe Marques.

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