Bastidores ‘roubam’ o holofote no funeral do Papa Francisco com presença de Trump

Com mais de 50 chefes de Estado, cerimônia virou oportunidade para rara conversa presencial com líder americano, que teve o primeiro encontro desde fevereiro com Zelenskiy, da Ucrânia

Donald Trump e Emmanuel Macron, entre outros líderes mundiais, no funeral do Papa Francisco
Por Catherine Lucey - Flavia Rotondi
26 de Abril, 2025 | 12:15 PM

Bloomberg — A Praça de São Pedro, no Vaticano, se encheu em aplausos para o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy. Dentro da Basílica, ele e americano Donald Trump se reuniram com Emmanuel Macron, da França, e Keir Starmer, da Grã-Bretanha.

A ocasião era o funeral do Papa Francisco realizado neste sábado (26) - mas a ótica era toda voltada para a geopolítica do momento.

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Até mesmo a homilia, feita por uma das figuras mais importantes da Igreja Católica, fez alusão às tensões sobre a política de imigração dos Estados Unidos.

O Cardeal Giovanni Battista Re falou sobre a defesa do Papa em relação aos refugiados e sua viagem à fronteira entre os Estados Unidos e o México, ecoando as famosas palavras de Francisco sobre a necessidade de “construir pontes, não muros”.

O Papa usou a frase pela primeira vez em fevereiro de 2016, quando Trump ainda era candidato à presidência e começava a fazer a proposta de um muro na fronteira a pedra angular de sua campanha.

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Essa seria apenas a primeira de muitas repreensões ao longo dos anos por parte de um líder espiritual que frequentemente expressava opiniões fortes sobre a guerra na Ucrânia e o conflito em Gaza.

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Enquanto o cardel Re falava, uma câmera de TV deu um zoom para capturar a expressão de Trump, com a boca ligeiramente aberta.

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Em uma quebra à tradição, o presidente vestiu seu terno azul-marinho característico, destacando-se em um mar de roupas pretas.

Culpe o mapa de assentos, parcialmente ditado pelo alfabeto francês, mas ele estava sentado entre os líderes da Estônia e da Finlândia, dois fortes apoiadores da Ucrânia. De toda forma, o presidente dos EUA estava na primeira fila, em reconhecimento ao seu status.

A missa fúnebre começou às 10h de sábado, no horário local, e, de acordo com os desejos de Francisco, foi um evento relativamente simples para os padrões do Vaticano; uma mistura de reflexão sombria e celebração alegre, com a multidão aplaudindo o Papa, que havia pedido um caixão de madeira simples.

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No entanto, todo o evento foi muito mais do que um funeral.

Mesmo antes do início da cerimônia, um encontro não oficial entre Trump e Zelenskiy ganhou as manchetes. Foi o primeiro entre os dois desde a reunião explosiva no Salão Oval em fevereiro.

Trump quer intermediar um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia, e essas conversas estão em um ponto de inflexão.

Após o desastroso encontro em Washington, onde Zelenskiy foi repreendido ao vivo na televisão, foram Macron e Starmer que voaram para Washington para fazer uma diplomacia corretiva.

A dupla interveio novamente no sábado (26), desta vez dentro da Basílica de São Pedro, formando um círculo com Zelenskiy e Trump.

Dezenas de líderes de todo o mundo se reuniram para a ocasião, para prestar suas últimas homenagens a um papa que, durante sua vida, foi um divisor de águas - amado pelos progressistas, mas desaprovado por muitos conservadores.

Mas todos os olhos estavam voltados para Trump para ver quem ele cumprimentaria e quem ele poderia desprezar.

O ex-presidente dos Estados Unidos Joe Biden, um católico devoto, estava sentado com sua esposa Jill Biden quatro ou cinco fileiras atrás. Ele e Trump não pareciam ter se falado.

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A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que recentemente visitou Trump na Casa Branca, não parecia estar muito presente a julgar pelas câmeras, mas seu perfil discreto pode ter sido uma escolha pessoal, dada sua conexão pessoal com o Papa, que ela convidou para a cúpula do G7 no ano passado.

Meloni também tem um histórico de irritação com Macron por ele estar se tornando o centro das atenções. Seu gabinete fez questão de dizer que o presidente francês não conduziria reuniões diplomáticas no funeral - mas, na prática, foi exatamente isso que ele fez.

Em vez disso, a primeira-ministra italiana optou por almoçar após a missa com um líder que pensa da mesma forma, Javier Milei, que certa vez chamou o Papa de “esquerdista imundo”, mas que foi perdoado pelo colega argentino.

Francisco nunca retornou ao seu país natal depois de ter sido eleito papa no conclave de 2013.

É raro que tantos líderes se encontrem sob o mesmo teto - ou, nesse caso, cúpula. Dado o desdém de Trump pelo multilateralismo, e com sua própria presença na próxima reunião do G7 no Canadá ainda incerta, essa era uma chance de acesso que renderia sua cota de momentos improvisados.

Em uma manhã quente, com os participantes sentados sob a luz direta do sol, o presidente finlandês Alexander Stubb, em determinado momento, pareceu oferecer a Trump sua garrafa de água. Trump - um conhecido germofóbico - recusou.

O próprio Trump reconheceu os desafios de realizar negociações em um funeral. “Dizem que é um pouco desrespeitoso fazer reuniões quando você está no funeral de um papa”, disse Trump aos repórteres na sexta-feira (25) em seu voo para Roma. “Mas vou conversar com as pessoas, vou ver muita gente”.

Com a União Europeia envolvida na guerra comercial e sendo prejudicada pelas tarifas, era um bom momento para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tentar se encontrar com o presidente - e ela conseguiu.

Os dois ainda não haviam se encontrado desde que Trump voltou ao poder. As imagens da câmera mostraram ambos envolvidos em uma conversa educada. Foi um encontro breve, mas para Ursula von der Leyen foi um começo.

Posteriormente, foi divulgado que os dois concordaram durante sua breve conversa em realizar negociações formais no futuro, segundo um porta-voz da UE.

A janela de Trump era estreita, e rapidamente se fechou. Não houve tempo para um segundo encontro com Zelensky. As agendas estavam muito apertadas, explicou um porta-voz do presidente ucraniano.

O comboio presidencial dos Estados Unidos retornou rapidamente ao aeroporto logo após o evento, e Trump decolou na hora do almoço.

As conversas continuaram no local para Zelensky; ele se reuniu com Starmer e depois com Meloni.

Do alto, porém, Trump logo expressou suas opiniões sobre a Ucrânia no Truth Social, incluindo uma mensagem para o líder da Rússia.

“Não havia razão para Putin lançar mísseis em áreas civis, cidades e vilarejos nos últimos dias”, disse Trump, ao sugerir que Putin poderia estar enganando-o ao indicar intenção de parar a guerra, e que “sanções secundárias” poderiam ser necessárias.

-- Com a colaboração de Sonia Sirletti.

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