Bloomberg — O Canal do Panamá, a obra de engenharia centenária que revolucionou o comércio global, começa a ser afetado pela seca e a obrigar transportadoras do mundo todo a fazer uma escolha difícil.
Neste contexto, empresas podem esperar na fila por dias ou semanas, pois os baixos níveis de água limitam o número de navios que passam pela hidrovia de 80 quilômetros por onde são transportados carros, bens de consumo, frutas e combustível.
Outra alternativa é pagar milhões de dólares para avançar na fila se um navio com reserva desistir. Ou então, podem navegar um continente inteiro para desviar da rota, enviando seus navios para contornar as pontas meridionais da África e da América do Sul, ou por meio do movimentado Canal de Suez.
Cada escolha acrescenta custos em uma época na qual governos ao redor do mundo tentam controlar a inflação. E o gargalo só irá piorar nos próximos meses à medida que o Panamá entrar em sua estação de seca anual, que normalmente começa em dezembro e dura até abril ou maio.
“Enfrentamos menos capacidade, mais viagens, custos mais elevados e uma cadeia de abastecimento menos eficiente”, disse Paul Snell, CEO da British American Shipping, cuja empresa movimenta cerca de 20 mil a 40 mil contêineres por ano. “Todo mundo terá que ser criativo e decidir o que vai fazer.”
O Lago Gatún, que forma um trecho importante do sistema de canais e fornece água doce para as suas eclusas, recebeu pouca chuva este ano, pois o El Niño desencadeou uma seca devastadora.
Com isso, a Autoridade do Canal do Panamá reduziu o número de navios autorizados a passar de uma média de 36 a 38 por dia no passado, para 18 esperados em fevereiro, metade do volume normal.
A autoridade também diminuiu os níveis de calado – a altura em que um navio pode permanecer na água – o que significa que alguns navios devem transportar menos carga. Mesmo que as chuvas voltem a tempo no ano que vem, o congestionamento e as restrições às correntes de ar permanecerão por muito tempo ao longo de 2024.
Peso na inflação
Empresas de navegação buscam repassar os custos extras aos clientes. A Hapag-Lloyd, a Mediterranean Shipping e a Maersk anunciaram novas sobretaxas relacionadas ao Panamá nos últimos meses.
A economista Inga Fechner, da ING Research, disse que o efeito sobre os preços das commodities e ao consumidor foi atenuado pela fraca demanda global. Mas os custos de envio mais elevados terão um efeito cascata a longo prazo, atingindo consumidores na ponta final.
“Está ficando mais caro, e procurar rotas alternativas aumentará os custos e talvez também pesará nos preços finais”, afirmou.
Embarcações de petróleo e gás, navios porta-contêineres que levam todo tipo de carga e transportadoras de grãos dominam o tráfego através do canal. Os Estados Unidos são um dos grandes exportadores de cereais – soja, milho, trigo – para a Ásia, muitos dos quais normalmente saem da Costa do Golfo e viajam por meio do Panamá.
Mas os baixos níveis de água no rio Mississipi já levaram alguns produtores americanos a colocarem seus cereais em trens para o noroeste do Pacífico e de lá enviá-los para a Ásia.
Enrico Paglia, gerente de pesquisa da empresa de serviços de transporte marítimo Banchero Costa, disse que as exportações totais de grãos dos EUA para a Ásia caíram 26% neste ano em comparação com 2022, e os fluxos de grãos através do canal diminuíram 37%.
Se o gargalo do canal piorar, é provável que outros grandes exportadores de cereais, como o Brasil, a Ucrânia e a Rússia, busquem preencher a lacuna de produtos dos EUA na Ásia, disse Paglia. Os grãos brasileiros já têm sido comercializados de forma mais ativa devido às crescentes restrições do canal, explicou.
“Portanto, potencialmente, exportadores de grãos dos EUA serão os mais atingidos pela disrupção dos fluxos comerciais”, destacou Paglia.
“Considerando que vamos atingir o pico da temporada no auge do problema no canal, isso nos afeta de forma significativa”, disse.
-- Com a colaboração de Kyle Kim, Anna Shiryaevskaya, Elizabeth Low e Brendan Murray.
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