Fundador da empresa de submarino desaparecido considerava segurança ‘desperdício’

Submarino Titan, da empresa OceanGate, perdeu contato com o navio na superfície neste domingo (18) e pode ter ficado sem oxigênio; empresa não comenta

Submarino Titan estava a caminho dos destroços do Titanic, a 4.000 metros da superfície, quando perdeu contato com a sala de controle
Por Laura Nahmias - Guillermo Molero
22 de Junho, 2023 | 12:15 PM

Bloomberg — Stockton Rush, fundador da empresa detentora do submarino que desapareceu durante expedição ao Titanic, afirmou que segurança é “puro desperdício”.

“Quero dizer, se você quer apenas estar seguro, não saia da cama, não entre no carro, não faça nada”, disse Rush em um podcast de 2022 com o repórter da CBS, David Pogue. “Em algum momento, você terá que correr algum risco, e é realmente uma questão de risco e recompensa”.

Essa mentalidade está agora no centro das atenções enquanto as equipes de resgate tentam encontrar o submarino Titan, que levava Rush e quatro outros passageiros a bordo e provavelmente ficou sem oxigênio. Cientistas do oceano e pelo menos um ex-funcionário da empresa de Rush, a OceanGate, vêm alertando sobre seus procedimentos de segurança há pelo menos cinco anos.

Fundada em 2009, a OceanGate, sediada em Everett, Washington, tem conduzido expedições fretadas no Titan até os destroços do Titanic, a 4.000 metros abaixo do nível do mar, desde o verão de 2021, a um custo de US$ 250 mil por pessoa.

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A empresa não quis comentar quando contatada pela Bloomberg News.

Mas o submarino experimental Titan, projetado para explorar uma parte da Terra que poucas pessoas já visitaram, passou por pouca supervisão regulatória e deixou os passageiros explicitamente cientes dos riscos mortais que enfrentariam a bordo.

Os passageiros que planejavam embarcar no Titan assinaram termos de segurança que mencionavam repetidamente a possibilidade de morte. A embarcação – um tubo cilíndrico de fibra de carbono e titânio que opera com um controle rudimentar de videogame e não possui nem mesmo um sistema de GPS – está desaparecida desde domingo (18).

O aventureiro marítimo britânico Rob McCallum, que já visitou os destroços do Titanic, prestou consultoria para a OceanGate em seus primeiros anos, mas se separou da empresa por vários motivos, incluindo a preocupação de que o CEO Rush estivesse agindo rápido demais, informou a Bloomberg em 2017.

“Conheço bem Stockton e acredito que o mundo precisa de mais Stocktons preparados para correr riscos”, disse McCallum na época. “Mas ele é do tipo que avança a toda velocidade, e no setor de submersíveis, a profundidade extrema tem tudo a ver com precisão e controle. Nada pode ser deixado ao acaso.”

McCallum não quis comentar sobre a missão Titan na terça-feira (21).

Parceiros citados

Em uma alegação em seu site que ficou visível no mês passado, a OceanGate disse que a Boeing (BA), a Nasa e a Universidade de Washington haviam colaborado no projeto e na engenharia do Titan. A menção das três não está mais visível na página da empresa. Outra seção do site agradece a vários parceiros do setor, incluindo a Boeing e a Nasa, pela ajuda fornecida no projeto e na engenharia do Titan.

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Em um vídeo promocional no perfil da OceanGate no YouTube, a empresa descreve a segurança do Titan e explica que “firmou uma parceria com especialistas aeroespaciais da Universidade de Washington, da Nasa e da Boeing no projeto do casco”.

Um porta-voz da Boeing não quis comentar e sugeriu contato com a OceanGate para obter todas as informações.

Em um comunicado de 2020 publicado no site da empresa, a OceanGate disse que “o Marshall Space Flight Center da Nasa servirá como a instalação onde o desenvolvimento e a fabricação de um novo casco de nível aeroespacial serão concluídos” para seu mais recente submersível.

Em uma declaração na quarta-feira (21), a Nasa disse que prestou consultoria sobre os materiais e o processo de construção do Titan, mas não realizou testes nem usou sua força de trabalho ou instalações para a fabricação.

“Lamentamos saber que o submersível Titan está desaparecido e esperamos que a tripulação seja encontrada ilesa”, disse Lance Davis, do Marshall Space Flight Center da Nasa em Huntsville, Alabama.

Kevin Williams, porta-voz do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de Washington, disse à CNN que o laboratório não ajudou a projetar ou desenvolver a embarcação Titan.

Carta do setor

Em março de 2018, a Marine Technology Society, um grupo de tecnólogos e engenheiros oceânicos, enviou uma carta à OceanGate pedindo que a empresa adotasse padrões de segurança reconhecidos para o Titan, dizendo que a abordagem “experimental” da empresa poderia resultar em “resultados negativos (de pequenos a catastróficos)”.

Os submarinos, ao contrário de barcos e outras embarcações, não são regulamentados em sua maior parte, principalmente quando operam em águas internacionais, de acordo com o New York Times.

Um ex-funcionário da OceanGate, David Lochridge, levantou preocupações sobre as práticas de segurança da empresa, de acordo com documentos apresentados em um processo federal de 2018.

A OceanGate processou Lochridge por divulgar informações comerciais confidenciais sobre sua tecnologia, e os documentos do tribunal constatam que Lochridge argumentou em um pedido contraposto que havia sido demitido injustamente de seu cargo na OceanGate “porque trouxe preocupações críticas de segurança em relação ao projeto experimental e não testado do Titan da OceanGate”.

Em 2019, em uma publicação em um blog não assinada em seu site explicando por que o Titan não foi regulamentado, a OceanGate disse que as aprovações poderiam ser demoradas e não abordariam os riscos operacionais.

“Manter uma entidade externa a par de todas as inovações antes que elas sejam colocadas em testes no mundo real é um anátema para a inovação rápida”, disse a publicação.

Termos de responsabilidade

Desde o desaparecimento do Titan, vários passageiros que embarcaram no submarino disseram que assinaram um termo de responsabilidade antes de embarcar, o qual delineava claramente os riscos extremos.

“Antes mesmo de você entrar no barco, há um longo termo de responsabilidade que menciona a morte três vezes só na primeira página”, disse Mike Reiss, produtor do programa de televisão Os Simpsons, que fez uma viagem no Titan no verão passado para visitar os destroços do Titanic, ao New York Post.

E em uma transmissão da CBS exibida no verão passado sobre as viagens do Titan, Pogue leu em voz alta um termo de responsabilidade do passageiro que ele assinou antes de viajar na embarcação, que descrevia o Titan como uma “embarcação submersível experimental que não foi aprovada ou certificada por nenhum órgão regulador e que pode resultar em lesão física, incapacidade, trauma emocional ou morte”.

Alguns questionaram por que os representantes da OceanGate esperaram tanto tempo após perderem contato com o Titan para alertar a Guarda Costeira dos Estados Unidos sobre o desaparecimento da embarcação. O navio na superfície perdeu contato com o Titan uma hora e 45 minutos após o mergulho, às 10h45 de Brasília no domingo, mas a empresa esperou até as 18h40 para alertar a Guarda Costeira.

Uma possível explicação? Não foi a primeira vez que o Titan perdeu contato com a superfície em um longo mergulho no fundo do mar.

Pogue disse em um tweet esta semana que, durante sua viagem, o submersível perdeu contato com a superfície por cinco horas. Na ocasião, Pogue estava na sala de controle do navio de pesquisa que supervisionava a viagem.

Esse submersível não tem nenhum tipo de sinalizador como esse. Em minha expedição no verão passado, eles realmente se perderam por cerca de 5 horas, e foi discutida a adição de um sinalizador desse tipo...

O navio na superfície ainda conseguia enviar mensagens de texto curtas para o Titan durante a viagem, mas a tripulação não tinha certeza de onde o submarino estava, disse Pogue. A OceanGate chegou a desligar a conexão de internet do navio, o que, segundo ele, foi feito para manter todos os canais de comunicação abertos em caso de emergência. Não havia como confirmar se esse era o caso, disse ele.

Com a colaboração de Loren Grush e Alan Levin.

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