EUA vão desacelerar com políticas de Trump, diz economista-chefe do Barclays

Fundamentos da economia são sólidos, mas desaceleração deve ocorrer com incertezas diante de medidas como tarifas e restrição à imigração, diz Marc Giannoni em entrevista à Bloomberg Línea

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Bloomberg Línea — A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos gerou grande otimismo no mercado e impulsionou as bolsas do país no final de 2024. Desde a posse do republicano, em 20 de janeiro, no entanto, as suas primeiras medidas geraram um sentimento misto de otimismo e preocupação com a maior economia do mundo.

As políticas comerciais com imposição de tarifas, as restrições à imigração e a incerteza em relação ao Federal Reserve são fatores que podem impactar o crescimento econômico e a estabilidade do país. Apesar de parte do mercado continuar confiante, há sinais claros de que a atividade pode desacelerar nos próximos anos, segundo o economista-chefe do Barclays no país, Marc Giannoni.

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“A economia dos EUA está em uma boa posição até agora. Ela tem crescido de forma muito sólida nos últimos anos, se recuperando muito bem do ponto mais baixo após a pandemia, mas veremos uma desaceleração neste ano”, disse o economista em entrevista à Bloomberg Línea durante a segunda edição da Conferência Global do Mercado de Trabalho (GLMC) em Riade, na Arábia Saudita.

Segundo ele, não há indicação de que a economia esteja prestes a desacelerar de forma brusca, mas deve perder o ritmo de maneira bastante significativa em relação ao ritmo de 3% dos últimos anos.

“Nossa previsão de crescimento está provavelmente abaixo do consenso, em torno de 1,5% ao ano nos próximos anos. Estamos um pouco menos otimistas”, disse.

Ainda assim, segundo Giannoni, é preciso ressaltar que a situação não é totalmente negativa. “Os fundamentos são muito fortes. No geral, as famílias estão em uma situação financeira muito boa. O patrimônio líquido das famílias está muito elevado. Os fluxos de renda que vão para as famílias a cada mês, à medida que as empresas criam mais empregos, ainda são muito robustos”, disse.

Guerra comercial

Entre os principais fatores que explicam essa desaceleração estão as novas políticas comerciais e as restrições migratórias impostas pelo governo Trump. A estratégia comercial inclui a implementação de tarifas que, segundo especialistas, poderão impactar negativamente a economia dos EUA.

A previsão é que a aplicação de tarifas sobre os principais parceiros comerciais, incluindo China, Canadá e México, nos próximos meses dificulte a tomada de decisão de empresas e investidores.

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“No curto prazo, o debate em torno de tarifas vai criar incerteza sobre as política comercial. As empresas não gostam de incerteza, portanto isso vai potencialmente gerar algum impacto negativo. Vai ser difícil para as empresas tomarem decisões. Ou seja, a política comercial e a incerteza geralmente têm efeito adverso sobre a atividade”, disse o economista do Barclays.

Segundo ele, as tarifas devem gerar também um impacto inflacionário internamente, o que reduzirá o poder de compra das famílias e contribuirá para a desaceleração da atividade econômica geral

“As tarifas devem provocar um aumento no custo dos produtos importados, elevando a inflação interna e reduzindo o poder de compra das famílias. A combinação de inflação elevada com um crescimento econômico mais lento pode comprometer a capacidade do Federal Reserve de reduzir as taxas de juros, prolongando um cenário de custos elevados para consumidores e empresas”, disse.

Além do impacto direto na economia, a estratégia de tarifas do governo Trump tem levantado preocupações sobre retaliações comerciais.

Países como China, Canadá, México e nações latino-americanas já planejam formas de responder às tarifas impostas pelos EUA. Essa disputa levaria a uma guerra comercial, na qual as exportações norte-americanas se tornariam menos competitivas, afetando setores importantes da economia do país.

“Esperamos que as tarifas impostas na prática sejam aproximadamente metade do que foi falado na campanha, que era sobre colocar tarifas de 10% em todos os parceiros comerciais e tarifas de 50% na China. Não achamos que ele fará tudo isso. E esperamos que ele use as tarifas como ameaças para negociar algum acordo com os parceiros comerciais, o que vai levar a retaliações”, disse.

Imigração e mercado de trabalho

Outro ponto de atenção é a política migratória mais restritiva do governo Trump. Apesar da ocorrência de bloqueios à entrada de estrangeiros e da deportação de imigrantes, o economista explicou que, nos últimos anos, o fluxo migratório contribuiu para suprir a escassez de mão de obra nos EUA, o que ajudou a garantir um crescimento rápido da economia.

Com as novas restrições prometidas e algumas já anunciadas, a oferta de trabalhadores pode diminuir, o que dificultará a expansão de empresas e aumentará os custos da mão de obra.

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“A imigração tem sido claramente um tema político muito quente, e os eleitores têm votado amplamente com base nisso. É algo que coloca muitas pressões no sistema doméstico, nos recursos locais, nos recursos públicos e assim por diante”, disse.

“Mas, do ponto de vista da oferta macroeconômica de trabalho, ela preencheu uma lacuna importante e ajudou a fornecer trabalhadores quando mais o país precisava deles. Isso ajudou a economia a crescer rapidamente. Trouxe muitos efeitos benéficos”, completou o economista.

A produtividade também entra nessa equação. Ainda que o crescimento da produtividade tenha sido alto nos últimos anos, há dúvidas sobre se essa tendência continuará em ritmo forte o suficiente para compensar os efeitos da redução da força de trabalho.

A falta de mão de obra pode levar as empresas a encarar dificuldades para manter seus níveis de produção, o que teria o efeito de reduzir a capacidade de crescimento da economia como um todo.

Disputa monetária

Há por fim mais um ponto de atenção do governo Trump na economia, de acordo com Marc Giannoni: ele faz referência ao contexto de desaceleração que já tem criado tensão na nova administração, com críticas anteriores ao Fed e às taxas de juros do país, o que também pode criar incertezas.

Para o economista do Barclays, a combinação de aplicação de tarifas comerciais e de redução da imigração deve resultar em condições que impeçam o Fed de cortar as taxas de juros.

Segundo Giannoni, isso não significa que Trump terá influência sobre a política monetária do Fed. “Estou convencido de que o Fed trabalhará amplamente de forma independente. Sim, pode haver pressão do governo, mas a organização em si tem muitos mecanismos de controle e equilíbrio”, disse.

O economista ressaltou que o banco central americano não tem apenas uma pessoa que toma as decisões de política monetária e que seria mais difícil o governo pressionar todo o comitê de mercado aberto, o FOMC. “Os 12 membros não são nomeados politicamente, são nomeados de forma independente em seus próprios distritos e votam na decisão de política monetária”, ressaltou.

Por outro lado, Giannoni disse que o discurso do presidente sobre os rumos da política monetária adiciona incertezas aos mercados, o que potencialmente afeta os rendimentos de longo prazo, algo contraproducente para o que o governo gostaria de obter como resultado.

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