Em meio a crise social, esquerda latina enfrenta desafios para se manter no poder

Pesquisa aponta que insatisfação com líderes de esquerda tem levado a população da América Latina a se tornar simpática a modelos econômicos mais favoráveis ao mercado

Encontro dos presidentes Gustavo Petro (Colômbia) e Gabriel Boric (Chile), de esquerda
Por Peter Millard - Manuela Tobías - Robert Jameson
21 de Outubro, 2024 | 07:24 PM

Bloomberg — O medo da criminalidade e o não cumprimento de promessas de reforma social começam a abalar alguns dos líderes de esquerda da América Latina, o que abre espaço para o retorno de governos mais amigáveis ao setor empresarial na região.

Na Colômbia, o primeiro presidente de esquerda do país, Gustavo Petro, comandou uma economia moribunda, com aumento na criminalidade violenta e um enorme êxodo de riqueza, tudo isso sem manter sua plataforma de reforma social.

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No Chile, o jovem presidente de esquerda Gabriel Boric tentou duas vezes e fracassou em reescrever a constituição. Em vez disso, ele tem colocado em prática o maior esforço do país até agora para impedir a disseminação do crime organizado.

Ambos foram catapultados à liderança como a resposta às ondas de protestos e agitação social na região mais desigual do mundo no início da década.

Teste das urnas

A esquerda enfrentará um teste crucial no ano que vem, quando os eleitores forem às urnas no Equador, na Bolívia e no Chile e, em 2026, quando Brasil, Colômbia e Peru realizarem suas eleições.

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Independentemente do desempenho de cada candidato, a nova pesquisa LatAm Pulse da AtlasIntel e da Bloomberg News mostra que os latino-americanos estão se tornando simpáticos a modelos econômicos mais favoráveis aos negócios — uma tendência que certamente se acelerará se a terapia de choque implementada pelo presidente libertário Javier Milei for bem-sucedida na Argentina.

“Você olha para a região e pergunta onde um governante de esquerda está caminhando para a reeleição?”, disse Will Freeman, um pesquisador de estudos da América Latina no Council on Foreign Relations. “Não consigo pensar em um único lugar.”

Pesquisa revela a popularidade de líderes de esquerda da América Latina

Com 40% e 39% respectivamente, Petro e Boric têm os menores índices de aprovação entre os líderes das maiores economias da América Latina, de acordo com a pesquisa.

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A notável exceção é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que conseguiu garantir o apoio de uma maioria apertada da população com quase dois anos de mandato. Claudia Sheinbaum, do México, que assumiu o cargo neste mês, aproveita uma lua de mel pós-eleitoral com os eleitores.

As condições econômicas são essenciais para entender a queda dos esquerdistas latino-americanos. Mais da metade dos entrevistados no Chile e na Colômbia consideram o estado de sua economia e mercado de trabalho ruins.

Em contraste, os brasileiros estão mais otimistas, pois o Produto Interno Bruto (PIB) cresce mais do que o esperado e a taxa de desemprego é a mais baixa em mais de dez anos.

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Corrupção, crime e narcotráfico estão entre as principais preocupações de todos os entrevistados.

O crime em particular se tornou um grande problema em toda a região - o que aumenta a xenofobia, pois muitos culpam os imigrantes pelo aumento da violência e da insegurança, e desempenha um papel crescente nas recentes eleições locais.

Líderes da região já imitam as táticas de combate ao crime do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que costumava se referir a si mesmo como o “ditador mais legal do mundo”.

Contra o populismo

Enquanto isso, um afastamento da intervenção estatal pode ajudar a região a atingir um maior grau de estabilidade econômica e oferecer às empresas mais confiança de que não verão os impostos subir ou terão contratos e regulamentações revisados quando a próxima administração assumir o cargo.

Isso também significa que qualquer vencedor nas próximas eleições achará politicamente difícil perseguir políticas populistas de expropriações e controles de preços que, desde então, dizimaram a economia da Venezuela, apesar das vastas reservas de petróleo, e lançaram a Bolívia em direção ao desastre econômico.

Leia mais: A Bolívia sonhou em se tornar a ‘Catar do gás’. Mas sofreu com erros estratégicos

A eleição altamente contestada na Venezuela colocou os aliados de longa data de Nicolás Maduro no Brasil e na Colômbia na defensiva e os expôs a ataques de que estão levando seus respectivos países na mesma direção. A economia venezuelana sofre há anos, com quase 80% de seus cidadãos vivendo na pobreza.

México lidera pares latino-americanos em liberalismo

“O liberalismo econômico se tornou muito mais arraigado e criou raízes na sociedade”, disse Andrei Roman, CEO da empresa de pesquisas AtlasIntel. “O cidadão latino-americano médio não é tão diferente do cidadão americano médio.”

Ainda assim, o conceito está longe de ser aceito. Embora mais de 40% dos entrevistados em cada um dos cinco países pesquisados — Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México — concordem fortemente com a ideia de que os governos deveriam cortar gastos em vez de aumentar impostos, não há consenso sobre privatizações, controles de preços ou intervenção estatal para proteger certos setores econômicos da concorrência.

Brasil x Argentina

O sucesso relativo de Lula em fortalecer a economia brasileira e sua popularidade preparam o cenário para o que se espera ser outra eleição acirrada em 2026.

Embora o Partido dos Trabalhadores (PT) tenha eleito mais prefeitos neste mês do que em 2020, os candidatos apoiados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro tiveram um desempenho ainda mais forte em detrimento dos partidos de centro que continuam a ruir em meio à polarização do país.

“No Brasil, um partido de esquerda está no comando, mas com muito mais problemas e menos poder do que Lula 1.0″, disse Isabela Kalil, antropóloga que estuda movimentos de direita.

O modelo econômico de Lula compete com o que está sendo implementado na Argentina, onde Milei fez campanha sobre a necessidade de cortar os gastos do Estado com uma motosserra.

Uma questão-chave para o libertário é se sua popularidade sobreviverá a uma recessão estrondosa em que mais da metade da população agora vive abaixo da linha da pobreza.

Mais notavelmente, Milei não recuou de seu compromisso com um superávit fiscal, mesmo quando se trata de áreas como educação superior e previdência social.

Milei vetou recentemente dois projetos de lei, aprovados por ampla margem no congresso, que teriam aumentado os gastos — um feito extraordinário na Argentina propensa a déficits e crises.

“Não há muitos presidentes libertários, então, basicamente, muitas coisas tiveram que dar errado para eu chegar aqui”, disse Milei em uma recente conferência de negócios em Buenos Aires.

Os argentinos registraram US$ 277 bilhões fora do sistema financeiro durante o primeiro trimestre, cerca de dez vezes mais do que os pesos em circulação, de acordo com estatísticas oficiais.

Como resultado do sucesso incipiente de Milei e da generosa anistia fiscal anunciada, os argentinos até agora trouxeram US$ 13 bilhões de volta ao sistema - quase o dobro de uma iniciativa semelhante do ex-presidente pró-negócios Mauricio Macri.

“Quando você olha para os depósitos em dólares, o que está acontecendo é chocante”, disse Milei no mesmo evento.

As reformas na indústria petrolífera da Argentina têm desencadeado uma onda de investimentos na anunciada formação de xisto de Vaca Muerta, onde, de acordo com a consultoria Rystad Energy AS, a produção pode ultrapassar um milhão de barris por dia durante o mandato de Milei.

Em contraste com a esquerda cada vez mais dividida, a direita - liderada por figuras como Milei e Bukele - tem se manifestado com a organização de conferências em todo o continente sob ramificações da Conferência de Ação Política Conservadora, ou CPAC, e se relacionado com o ex-presidente Donald Trump, apesar das principais diferenças em suas posições sobre tarifas e comércio.

“Temos muitas fraturas na esquerda. Enquanto isso, temos muitas diferenças entre Trump e Bolsonaro ou Bukele e Milei, mas acho que eles estão em uma fase de aceitação de suas diferenças”, disse Kalil. “Essas conferências são importantes porque ajudaram a conectar atores e representantes importantes da direita.”

Resistência da esquerda

Com certeza, por outro lado, a esquerda não está morta. Claudia Sheinbaum obteve uma vitória retumbante no México, mesmo depois que seu antecessor, Andrés Manuel López Obrador, corroeu a confiança empresarial na segunda maior economia da região.

No Equador, Daniel Noboa não conseguiu replicar o sucesso de Bukele em acabar com a violência de gangues e corre o risco de perder a reeleição para um candidato mais liberal como resultado.

Mesmo na Bolívia, onde o modelo econômico socialista está em colapso, a oposição política está tão desacreditada e detestada pela maioria indígena que nem mesmo tem um líder claro para tirar vantagem de uma divisão no partido governante.

No Chile, o próprio Boric não pode concorrer novamente, dado o limite de um mandato no país — mas o sucesso ou a derrota de seu partido depende tanto de seu próprio histórico quanto de quem será o candidato da oposição. Se o rival estiver muito à direita, isso pode dar ao seu partido uma abertura para permanecer no cargo.

“A realidade na América Latina, com poucas exceções, é que os atuais governantes estão perdendo”, disse Erika Mouynes, ex-ministra de Relações Exteriores do Panamá e bolsista da Universidade Harvard.

Ela destacou o quanto da região ainda não tem acesso nem mesmo a algumas das necessidades e serviços mais básicos, como acesso a água limpa.

“O pêndulo político oscila para frente e para trás enquanto a região busca soluções que atendam às suas necessidades”, acrescentou Mouynes. “Enfrentamos indicadores profundamente preocupantes de desigualdade que não estão melhorando.”

A pesquisa AtlasIntel/Bloomberg News foi realizada entre 10 e 15 de outubro e tem uma margem de erro de mais ou menos 2 pontos percentuais.

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