Eleições na Argentina: população busca saídas para enfrentar inflação de quase 140%

Com Javier Milei, Patricia Bullrich e Sergio Massa na disputa, argentinos vão às urnas no domingo (22) de olho em propostas para solucionar o desarranjo econômico

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Bloomberg — León Romero aposta em Javier Milei, o candidato à presidência argentina cujas propostas radicais para reativar a economia o tornaram o favorito nas eleições deste fim de semana.

“Quero apostar em algo novo”, disse recentemente Romero, um contador de 23 anos que trabalha em uma rede de padarias local, durante um comício de campanha.

Mas quando perguntado sobre os detalhes do plano de Milei para eliminar o peso e substituí-lo pelo dólar, Romero admite que não sabe exatamente como funcionaria: quanto receberia pelos pesos, quando seu salário seria convertido, como os preços mudariam ou se seria seguro guardar dinheiro no banco.

Esse é o problema para muitos argentinos, ansiosos para abraçar as promessas de Milei de reviver aquela que um dia foi uma das nações mais ricas do mundo, mas que não estão completamente seguros de como isso será realizado.

Segundo Milei, a dolarização forçaria o governo a frear seu desperdício, controlar a inflação e liberar cerca de US$ 250 bilhões em investimentos. No entanto, uma transformação tão arriscada na segunda maior economia da América do Sul seria um empreendimento incrivelmente complexo.

O fato de os argentinos considerarem seriamente a possibilidade de eliminar sua moeda nacional - uma medida extrema que poucos países tentaram - é um exemplo dos estragos causados pela inflação em todo o mundo após a pandemia.

Se a inflação anual subiu para 10% ou mais em grande parte do mundo desenvolvido, chocando as gerações mais jovens que nunca haviam experimentado uma espiral de preços, na Argentina ela disparou para mais de 130%, quebrando até mesmo uma nação que forjou suas táticas de sobrevivência financeira ao longo de décadas de crises.

“Não tenho medo de tentar algo novo. Tenho medo do que sei que não funciona, que é o que estamos vivendo há anos”, disse Romero, cujo salário mensal de 150.000 pesos foi corroído pela inflação desde seu último aumento há três meses. Em julho, seu salário equivalia a cerca de US$ 300 por mês; hoje é a metade. “Em dólares, meu salário estará protegido.”

Quem são os candidatos à presidência na Argentina

No domingo (22), os eleitores escolherão entre Milei, um deputado libertário que promete “queimar” o banco central; Patricia Bullrich, de uma coalizão pró-empresa; e o atual ministro da Economia, Sergio Massa.

Embora as pesquisas sejam altamente não confiáveis na Argentina, Milei venceu as primárias de agosto com cerca de 30% de apoio e seus oponentes estão a apenas alguns pontos percentuais de distância.

Se nenhum candidato obtiver o percentual necessário para vencer no domingo, os dois candidatos mais votados enfrentarão um segundo turno em 19 de novembro.

Embora não entendam completamente, os apoiadores de Milei dizem que seu plano de dolarização extrema - que envolve congelar a taxa de câmbio, levantar os controles de capital, permitir que pesos e dólares circulem livremente por um tempo e transferir a dívida do banco central para um fundo extraterritorial - é a melhor opção para normalizar a economia.

Eles acreditam que isso reduzirá a espiral de alta de preços, colocará um teto nas taxas de juros que ultrapassam 100% e acabará com a necessidade de carregar maços de dinheiro para pagar transações diárias.

Os opositores de Milei dizem que o plano é muito arriscado, e que, se for implementado, o país terá cedido o controle da política monetária ao Federal Reserve, pois não poderá ajustar as taxas de juros, desvalorizar a moeda ou imprimir dinheiro em resposta a impactos externos.

Naturalmente, Milei diz que esse é exatamente o objetivo: ele quer que essas decisões deixem de estar nas mãos dos políticos argentinos, que, segundo ele, têm um péssimo histórico de gestão econômica.

O que propõem os candidatos na Argentina

Os adversários políticos de Milei dizem que suas ideias vão longe demais. Patricia Bullrich propõe um conjunto de reformas ortodoxas que, segundo ela, apoiarão a economia sem a necessidade de dolarizá-la, enquanto Sergio Massa, membro do atual governo de esquerda, promete estabilizar a situação preservando a generosidade do governo.

O maior desafio ao substituir a moeda nacional é convencer os argentinos a transferirem os bilhões de dólares que têm em dinheiro para contas bancárias tradicionais, um componente necessário para realizar a mudança.

Qualquer contratempo, talvez causado pela tentativa de dolarizar a economia sem dólares suficientes, pode desencadear uma espiral hiperinflacionária, e até uma corrida bancária que lembra o colapso econômico de 2001, que levou milhões de argentinos a desconfiar do sistema financeiro.

Outros países da região se dolarizaram depois de enfrentar suas próprias crises. Desde que o Equador e El Salvador eliminaram suas moedas locais há cerca de 20 anos, ambas as nações tiveram uma inflação moderada e sistemas financeiros estáveis, e as decisões ainda são extremamente populares mesmo quando seus governos oscilaram entre líderes conservadores e progressistas.

No entanto, a mudança não foi uma panaceia para nenhum dos dois países, que continuam a sofrer um crescimento econômico lento. O Equador acumulou vários defaults (calote) em sua dívida nas últimas duas décadas, e El Salvador assustou os investidores de títulos ao adotar o bitcoin como moeda oficial de curso legal.

O momento mais próximo que a Argentina esteve de adotar o dólar foi quando fixou o peso na década de 1990 a uma taxa de câmbio de 1 a 1 e comprometeu-se a apoiar cada peso que imprimisse com um dólar em suas reservas. Isso controlou a inflação por um tempo, mas acabou desencadeando a crise de 2001.

Dado que os dólares dos argentinos estão em grande parte fora do sistema financeiro formal, estima-se que o banco central tenha mais dívida em dólares do que dólares para honrar os compromissos, pois seu balanço é composto principalmente por linhas de crédito de credores internacionais como a China e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

De acordo com economistas, o governo de Milei precisaria de cerca de US$ 40 bilhões para iniciar o processo de dolarização da economia. Não está claro de onde ele poderia obter essa quantia, uma vez que os mercados de capitais estão fechados para o país, à medida que os investidores incorporam o risco de default dos bônus estrangeiros em seus preços.

Por que os argentinos poupam em dólares

É uma grande ironia que, enquanto o governo carece de dólares, o país esteja inundado deles. O Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina estima que seus cidadãos mantêm cerca de US$ 250 bilhões em moeda fora do sistema bancário, “debaixo do colchão” e em cofres em todo o país.

Esse valor representa mais de 10% das notas em circulação no mundo. Os argentinos também possuem outros US$ 250 bilhões em ativos líquidos em contas no exterior, de acordo com o Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês).

Talvez ninguém tenha uma visão melhor dos dólares ocultos no país do que Juan Piantoni, fundador da INGOT, uma empresa que vende espaços para guardar os valores que os poupadores mantêm fora dos bancos.

Em um edifício sem graça de Buenos Aires, descendo quatro andares até um bunker subterrâneo, passando por um detector de metais, um scanner biométrico ocular e portas blindadas, Piantoni mostra uma sala cheia de cofres.

A maioria deles está cheia de dinheiro em espécie: o valor total guardado é de pelo menos US$ 225 milhões para os clientes das agências da INGOT na Argentina e no Uruguai.

“O dinheiro deveria estar no banco. A lógica é que ele esteja gerando juros em um país razoável”, afirma Piantoni. “Infelizmente, precisamos de muito tempo para sermos um país normal.”

Os níveis de pobreza na Argentina ultrapassam 40%, com um aumento de 5 pontos percentuais em quatro anos. Após anos de déficits orçamentários financiados pela impressão de dinheiro, a confiança no governo e no sistema bancário está em baixa. O peso perdeu mais de 92% de seu valor desde 2019.

A queda exata depende de qual taxa de câmbio é usada para medir o colapso. Embora o governo mantenha a taxa oficial em 350 pesos por dólar, os controles cambiais tornam quase impossível acessar essa taxa. Portanto, surgiram outros métodos para realizar transações, criando mais de uma dúzia de taxas de câmbio paralelas.

Algumas partes da vida cotidiana já funcionam em dólares. Imóveis, restaurantes de luxo e a maioria das importações já são cotados em moeda americana. Como as transações são feitas em dinheiro - os argentinos contam histórias de como andam pelas ruas com mochilas cheias de centenas de milhares de dólares - os ladrões estão de olho em quem pode estar carregando maços de dinheiro.

“Noventa por cento das transações são feitas exclusivamente em dinheiro”, diz Maximiliano Gotz, corretor imobiliário. “Eu me refiro literalmente a sacolas de dinheiro com símbolos de dólar.”

A queda do peso nos mercados paralelos acelerou desde a vitória de Milei nas primárias, e quanto mais baixa a diferença do câmbio, mais fácil será a dolarização, porque menos notas serão necessárias, uma dinâmica que Milei reconhece que é vantajosa para seu plano, embora prejudique os argentinos sem dólares.

Mas também existe o risco de que o peso caia acentuadamente, permaneça baixo e a dolarização nunca aconteça. Isso quase certamente levará à hiperinflação, definida como um aumento mensal de preços de pelo menos 50%. A taxa mais recente na Argentina foi de 12,7%.

A dolarização exige ação rápida, diz Claudio Porcel, fundador da corretora local Balanz Capital.

Evitar a hiperinflação “é como se você estivesse no meio do deserto africano e um leão estivesse vindo em sua direção, e você tivesse apenas uma bala”, diz Porcel. “É melhor você colocá-la entre os olhos dele, porque se não ele vai te comer”.

Noelia Zúñiga só quer dólares. Há anos, Zúñiga, uma imigrante peruana de 27 anos, converte em dólares quase todos os pesos que lhe sobram vendendo café nas ruas de Buenos Aires e os guarda em um esconderijo de seu pequeno apartamento sem janelas. Um dia, um ladrão roubou parte deles, o que a fez perder mais de um ano de economias para um pequeno sedã Fiat que finalmente comprou em julho do ano passado.

Então Zúñiga, assim como Romero, o contador, não fica preocupada quando ouve falar dos riscos associados à dolarização. Também é arriscado, além de ser uma dor de cabeça, não poder simplesmente colocar dinheiro em um banco e confiar que ele manterá seu valor.

Em um momento da conversa, Zúñiga começa a falar entusiasticamente sobre Lionel Messi e como ele levou a Argentina a ganhar sua primeira Copa do Mundo em três décadas no ano passado. Como muitas pessoas no país, ela é obcecada por futebol e Messi. Agora ela vê Milei (e seu plano econômico) da mesma forma: como o salvador que resolverá magicamente os problemas da Argentina.

“É a mesma coisa que Messi faz com a bola”, diz. “Eu sabia que isso ia acontecer”.

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