Bloomberg — A tentativa do presidente da França, Emmanuel Macron, de bloquear o caminho de Marine Le Pen para o poder por meio da convocação de eleições legislativas antecipadas abalou a confiança de investidores, levantando mais dúvidas sobre as finanças públicas já pressionadas e o futuro da agenda pró-negócios do líder francês.
Os ativos do país tiveram uma onda de venda acentuada nesta segunda-feira (10). A diferença entre os rendimentos de títulos franceses em relação aos alemães atingiu o nível mais alto desde dezembro.
O euro caiu para seu patamar mais fraco em um mês, enquanto o índice de ações CAC 40, da Bolsa de Paris, recuou 2,4%. As ações dos principais bancos franceses tiveram perdas de até 9%.
A eleição convocada pelo presidente corre o risco de se tornar o confronto definitivo sobre as políticas econômicas que são a marca registrada de Macron, que tranquilizaram os investidores e as empresas desde que ele assumiu o cargo em 2017. Fechar os “buracos” no orçamento público se tornará ainda mais desafiador se ele perder o controle sobre o Legislativo.
No mês passado, a S&P Global Ratings rebaixou a nota de crédito do país, dizendo que o déficit permanecerá acima de 3% do Produto Interno Bruto até 2027. O órgão de fiscalização fiscal da França afirma que a estratégia do governo para lidar com o déficit carece de coerência e credibilidade, enquanto o Fundo Monetário Internacional exigiu esforços adicionais “substanciais”.
“Macron está se arriscando com a política interna, o que pode sair pela culatra, levando à paralisação dos esforços de realizar reformas”, disse David Chappell, gestor sênior de fundos da Columbia Threadneedle Investments, que tem US$ 652 bilhões em ativos sob gestão.
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Embora o governo de Macron tenha gasto grandes somas de valores para proteger financeiramente as famílias e as empresas da pandemia de covid-19 e da transição energética, o presidente manteve o foco no longo prazo, buscando promover reformas favoráveis ao crescimento para lidar com as leis trabalhistas e o sistema previdenciário.
O desemprego diminuiu acentuadamente durante o mandato de Macron e o crescimento econômico se mostrou mais resistente às crises do que em outros países europeus.
Sua abordagem tem enfrentado uma resistência crescente, tanto no parlamento quanto em protestos de rua. Depois de perder sua maioria absoluta na Assembleia Nacional em 2022, Macron já lutava para ter a aprovação de leis no parlamento sem recorrer a uma ferramenta constitucional para contornar as votações.
Uma derrota esmagadora nas eleições para o Parlamento Europeu no domingo foi a última advertência.
No entanto, é improvável que novas eleições no final do mês proporcionem uma maioria clara para o governo retomar o caminho - a menos que ocorra um momento excepcional de união entre grupos políticos. Mais desafiador ainda, isso dá a Le Pen a oportunidade de conquistar uma maioria que acabaria definitivamente com a política econômica de Macron.
“Uma maioria de direita no Legislativo dificultaria qualquer plano de reforma”, disse Mohit Kumar, economista-chefe para a Europa da Jefferies International, que mantém sua posição de baixa em relação aos títulos da França. “O quadro do déficit na França já é frágil.”
A taxa de rendimento dos títulos públicos de 10 anos da França subiu 13 pontos-base, para 3,23%, nesta segunda-feira, o que ampliou o spread para títulos alemães com mesmo vencimento - os mais seguros da região - para 55 pontos-base.
A turbulência política também atingiu o euro, que caiu 0,6%, para US$ 1,0733, na segunda-feira, seu nível mais fraco em um mês. O movimento reduziu uma alta de quase 2% desde meados de abril, quando os investidores aumentaram as apostas de cortes na taxa de juros do Banco Central Europeu.
Embora a equipe econômica de Macron tenha avançado em realizar cortes de gastos de 20 bilhões de euros (US$ 21,5 bilhões) para combater a deterioração das métricas fiscais causada pelo crescimento mais fraco da economia no final do ano passado, as medidas foram insuficientes para evitar a revisão dos planos de longo prazo para reduzir o peso da dívida pública. A S&P Global Ratings disse que o déficit orçamentário permanecerá acima de 3% do Produto Interno Bruto até 2027.
“O recente rebaixamento da classificação soberana da França pode levar os investidores a questionar a capacidade dos governos europeus de apoiar a recuperação econômica”, disse Theophile Legrand, estrategista de taxas da Natixis.
Le Pen descreveu a gestão das finanças públicas de Macron como "catastrófica", mas não está claro que tipo de abordagem ela adotaria em relação a impostos e gastos. No passado, seu partido propôs medidas que incluíam o corte de impostos sobre vendas e a redução de impostos sobre combustíveis.
Os Républicains, de centro-direita, que poderiam ser um aliado do partido de Macron, também criticaram sua política fiscal e já estavam ameaçando usar um voto de desconfiança para derrubar o governo.
Enquanto isso, os partidos de esquerda pediram impostos mais altos para as empresas multinacionais e para os mais ricos a fim de reduzir a dívida pública - uma medida que o governo de Macron tem descartado repetidamente.
“Tivemos avanços em relação a emprego, indústria e atratividade do país. Não quero que eles sejam jogados fora por causa do mau humor ou do descontentamento daqui a três semanas”, disse o ministro das Finanças Bruno Le Maire em entrevista à rádio RTL nesta segunda-feira.
-- Com a colaboração de James Hirai, Greg Ritchie e Sujata Rao.
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