Bloomberg — O motor de exportação da China, vital para alcançar a meta de crescimento anual do país de cerca de 5%, está agora ameaçado por sinais de queda na demanda dos Estados Unidos, enquanto Pequim também luta para manter o consumo interno em expansão.
As vendas ao exterior têm sido um raro ponto positivo para a economia de US$ 17 trilhões da China nos últimos seis meses, ajudando-a a resistir ao enfraquecimento dos gastos domésticos e a uma prolongada crise no setor imobiliário.
Ainda assim, após três meses de aceleração, o crescimento das exportações em dólares desacelerou inesperadamente para 7% em julho em relação ao ano anterior, segundo dados divulgados na quarta-feira.
Em uma base ajustada sazonalmente, o crescimento mensal das exportações da China para os Estados Unidos caiu ligeiramente, de acordo com a Pantheon Macroeconomics. Mas um possível choque de demanda dos Estados Unidos poderia ser difícil de conter, já que o país continua sendo o maior destino das exportações chinesas, apesar de anos das disputas comerciais e das tarifas criadas para proteger as indústrias domésticas.
Há também o risco de que uma desaceleração dos Estados Unidos possa causar ondas de choque em todo o mundo, reduzindo a demanda global por produtos chineses.
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Uma desaceleração nos Estados Unidos alteraria as prioridades da China, que aproveitou o ressurgimento da economia americana após a pandemia para deixar o consumo doméstico em segundo plano e, em vez disso, apoiou-se fortemente na demanda externa.
Agora, uma perspectiva mais adversa para o comércio pode forçar Pequim a olhar para dentro de si em busca de catalisadores o crescimento futuro.
“Para os formuladores de políticas da China, o ponto principal é defender sua meta de crescimento”, disse Larry Hu, chefe de economia da China no Macquarie Group. “Se a China não puder mais contar com o crescimento das exportações, eles voltarão a se concentrar na demanda interna.”
O que diz a Bloomberg Economics ...
“A inesperada desaceleração das exportações da China em julho sugere que o comércio exterior - o principal suporte da recuperação no último trimestre - pode dar menos apoio ao PIB do terceiro trimestre. O resultado é particularmente preocupante, dada a perspectiva de enfraquecimento da economia dos Estados Unidos, destacada pelo recente salto no desemprego americano.”
- David Qu, Economista.
Enquanto isso, aumentaram as evidências de que a maior economia do mundo está se desacelerando, o que contribuiu para a queda do mercado acionário global nesta semana e gerou a preocupação de que o Federal Reserve possa ter mantido as taxas de juros muito altas por muito tempo.
O que acontecerá em seguida dependerá, em grande parte, do desempenho dos consumidores dos Estados Unidos, já que o mercado de trabalho está desacelerando e o sentimento continua fraco.
O pior ainda pode estar por vir. Um relatório de folha de pagamento mais fraco do que o esperado, o aumento do desemprego e uma contração cada vez maior no setor industrial apontam para um mercado de trabalho instável.
Os Estados Unidos agora absorvem uma proporção menor das exportações chinesas do que no início da presidência de Donald Trump em 2017. Sua participação de 13% foi superada no ano passado pela União Europeia, considerando o conjunto dos 27 países membros.
No entanto, um gasto mais lento por parte dos compradores americanos repercutiria em todo o mundo, reduzindo a demanda por produtos chineses, desde eletrônicos de consumo até vestuário e maquinário.
"Devido à desaceleração da economia dos Estados Unidos, às ameaças de tarifas adicionais e ao contínuo desacoplamento tecnológico, a estratégia de crescimento orientado para a exportação da China será mais difícil de ser alcançada este ano", disse Kelvin Lam, economista sênior da Pantheon Macroeconomics.
Os economistas do Goldman Sachs agora veem 25% de chance de os Estados Unidos entrarem em recessão, ante 15% na projeção anterior.
As consequências de uma retração do consumo nos Estados Unidos poderiam ser especialmente dolorosas para os mercados emergentes, onde a China vem fortalecendo sua posição. Essas repercussões correriam o risco de prejudicar a estratégia promovida pelo governo do presidente Xi Jinping para diversificar o comércio, enviando mais produtos para países como o Vietnã e a Arábia Saudita.
Efeito para os emergentes
“Quando os Estados Unidos espirram, os mercados emergentes pegam um resfriado, se não uma pneumonia”, disse Alicia Garcia Herrero, economista-chefe da Natixis para a região Ásia-Pacífico. “E a China, neste momento, está cada vez mais dependente dos mercados do mundo emergente.”
Cerca de 40% das exportações da China vão para economias emergentes e em desenvolvimento, em comparação com 33% em 2017, antes da guerra comercial com os Estados Unidos, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional analisados pela Bloomberg.
Outra fonte de risco é que a participação das exportações da China no setor manufatureiro global está aumentando e agora ultrapassa 30%, de acordo com Jing Sima, estrategista-chefe de investimentos na China da BCA Research.
“Isso deixa a China particularmente vulnerável a uma desaceleração do setor manufatureiro global devido à característica interconectada do comércio global”, disse ela.
Além disso, os grandes investimentos da China em manufatura, juntamente com a demanda interna moderada, pressionam os preços para baixo e resultando em excesso de capacidade em alguns setores.
Nessas condições, a demanda externa supre a carência interna. O superávit comercial da China atingiu um recorde em junho, aumentando o risco de seus parceiros intensificarem os esforços para proteger seus mercados da entrada de produtos chineses. Esse número diminuiu em julho.
Reconhecendo os riscos para a demanda externa, as autoridades chinesas têm destacado a necessidade de aumentar o consumo interno.
No mês passado, o Partido Comunista prometeu tornar os gastos dos consumidores uma prioridade. E, no sábado passado, o governo divulgou um plano de ação de 20 fases para estimular mais gastos com serviços, embora tenha oferecido poucos incentivos financeiros para estimular a demanda interna.
Os investidores observam atentamente. Se o governo for capaz de projetar mais gastos no mercado interno, a moeda local poderá receber um impulso, pois uma demanda mais forte no mercado interno geralmente faz com que os exportadores chineses convertam mais de seus lucros no exterior.
"Se observarmos uma demanda doméstica melhor, muito provavelmente veremos o renminbi se fortalecer e o rendimento dos títulos da China também aumentará", disse Hu, do Macquarie.
-- Com a colaboração de Jasmine Ng.
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