Crescimento de fintechs muda o mercado na Argentina e reduz o uso de dinheiro vivo

Consumidores no país, onde as notas são utilizadas com frequência, têm dado mais preferência para cartões e transferências digitais até mesmo para pagar gorjetas em restaurantes

Uso de cédulas de peso argentino está em declínio, com pagamentos em dinheiro representando apenas 17% das compras nos supermercados (Foto: Patrick Gillespie/Bloomberg)
Por Patrick Gillespie
24 de Agosto, 2024 | 01:10 PM

Bloomberg — Buenos Aires parece atemporal, com sua arquitetura parisiense no centro da cidade, ruas de paralelepípedos e um mar de cafés lotados. Seu charme de cartão postal, no entanto, sempre teve uma contrapartida arcaica: o dinheiro físico.

Um dos bastiões mais resistentes do uso de dinheiro vivo na Argentina tem sido as gorjetas em restaurantes e bares. Pagar a gorjeta em um cartão de débito é permitido por lei em até 15%, mas, na prática, essa opção raramente é oferecida.

Como resultado, os clientes, especialmente os turistas, levam maços de notas para o jantar, acumulando pilhas de pesos apenas para a gorjeta, já que a maior cédula do país era, até recentemente, de 2.000 pesos (cerca de US$ 1,50).

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Mas as gorjetas finalmente se tornaram digitais na Argentina graças a um boom na tecnologia financeira e a uma nota de rodapé no plano de “terapia de choque” do presidente Javier Milei para reformar a economia.

A unidade de pagamentos do Mercado Livre (MELI), o Mercado Pago, criou uma nova função em seu aplicativo especificamente para dar gorjetas. A mudança reflete como as fintechs foram integradas à Argentina, que tem um grande volume de dinheiro vivo, com 312 empresas no setor no ano passado, ante 72 em 2017, de acordo com um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

A última atualização do aplicativo – disponível apenas para residentes argentinos – baseia-se em uma tendência crescente, embora desigual, de alguns garçons darem aos clientes seu nome de usuário do Mercado Pago para gorjetas, da mesma forma que os americanos usam Venmo ou Zelle ou que os brasileiros fazem com o Pix.

"A disseminação dos pagamentos digitais e o declínio do uso de dinheiro vivo começaram a afetar negativamente o valor das gorjetas recebidas pelos garçons", disse Agustin Onagoity, diretor sênior do Mercado Pago Argentina, em um comunicado. "Nossos usuários e trabalhadores da gastronomia realmente exigiram uma solução para as gorjetas."

Milei, por sua vez, pretender propor uma lei para formalizar a gorjeta em cartões de crédito e débito, enquanto seu governo prepara o caminho para que os passageiros paguem pelo transporte público com QR Codes ou um cartão, como em Nova York ou Londres.

Atualmente ainda é necessário ter dinheiro vivo para recarregar um cartão de transporte público nos quiosques das estações de metrô de Buenos Aires, embora também existam opções de recarga digital.

Para deixar claro, outro tipo de dinheiro físico – dólares – ainda floresce na Argentina, um dos principais receptores de cédulas americanas em todo o mundo, de acordo com pesquisa do Federal Reserve. Os argentinos possuem bilhões em dinheiro americano fora do sistema bancário formal, estimam os economistas.

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Dólares à parte, todos os sinais tangíveis sugerem que o reinado das cédulas de peso está no fim. Em maio, os pagamentos em dinheiro nos supermercados representaram apenas 17% do total de compras, ante 36% no início de 2020.

Os pagamentos com cartão de crédito aumentaram à medida que os argentinos aproveitam as parcelas de pagamento sem juros para aumentar seu poder de compra em um país onde a inflação anual de 270% corrói o crescimento salarial.

(Fonte: Bloomberg via INDEC)

Pedro Filippini, barista de 23 anos do Zuka Cafe, em Buenos Aires, permite que os clientes enviem gorjetas para sua conta do Mercado Pago, embora a cafeteria tenha um pote de dinheiro tradicional ao lado do caixa.

Filippini diz que as gratificações tendem a ser mais generosas no Mercado Pago, em torno de 1.000 pesos, enquanto as gorjetas em dinheiro se resumem às notas que o cliente tem em mãos.

Embora Filippini prefira pagamentos digitais, ele ainda vê utilidade em usar o dinheiro em espécie em um país onde metade da população luta para sobreviver.

Ultimamente, com o aumento dos preços dos serviços de telefonia celular, ele fica sem dados antes do fim do mês e depende do Wi-Fi para acessar sua conta do Mercado Pago.

“Se estiver na rua sem dados de celular, não posso contar com o Mercado Pago”, disse ele. “O dinheiro sempre será indispensável, mas o Mercado Pago teve muito sucesso porque realmente oferece muitas vantagens.”

-- Com a colaboração de Daniel Cancel.

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