Como Putin e Xi aproveitam o interesse pelos Brics como contraponto aos EUA na Ásia

Países como Tailândia e Vietnã se aproximam do bloco de emergentes que conta com o Brasil em busca de alternativa ao peso dos EUA e do Ocidente, tanto na geopolítica como em termos financeiros

Russian President Vladimir Putin (L) and Chinese President Xi Jinping pose during their meeting in Beijing, on February 4, 2022. Photographer: Alexei Druzhinin/Sputnik/AFP/Getty Images
Por Philip Heijmans
21 de Junho, 2024 | 01:01 PM

Bloomberg — Enquanto o presidente russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro chinês, Li Qiang, encerravam reuniões separadas no Sudeste Asiático nesta semana, os dois parceiros do bloco econômico Brics se depararam com uma região interessada em se juntar a um grupo visto como uma proteção contra as instituições lideradas pelo Ocidente.

Durante uma entrevista com a mídia chinesa antes da visita de Li à Malásia, o primeiro-ministro Anwar Ibrahim declarou sua intenção de se candidatar ao bloco depois que ele dobrou de tamanho neste ano, atraindo as nações do chamado Sul Global - em parte com a oferta de acesso a financiamento mas também com uma atuação menos dependente da influência de Washington.

PUBLICIDADE

A Tailândia - um aliado do tratado dos Estados Unidos - anunciou no mês passado a própria candidatura para participar dos Brics, que leva o nome dos membros Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

O bloco “representa uma estrutura de cooperação sul-sul da qual a Tailândia há muito tempo deseja fazer parte”, disse o ministro das Relações Exteriores, Maris Sangiampongsa, a jornalistas na semana passada.

Leia mais: Como a Rússia se tornou um dos principais destinos de automóveis da China

PUBLICIDADE

Para os países que buscam mitigar os riscos econômicos da intensificação da competição entre os EUA e a China, a adesão aos Brics é uma tentativa de superar algumas dessas tensões. No Sudeste Asiático, muitas nações dependem economicamente do comércio com a China e, ao mesmo tempo, acolhem a presença de segurança e os investimentos que Washington oferece.

Mas a participação nos Brics também é uma forma de sinalizar a crescente frustração com a ordem internacional liderada pelos EUA e com as principais instituições que permanecem firmemente no controle das potências ocidentais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Alguns de nós, inclusive pessoas como eu, acham que precisamos encontrar soluções para a injusta arquitetura financeira e econômica internacional”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores da Malásia Saifuddin Abdullah em uma entrevista. “Portanto, os Brics provavelmente seriam uma das maneiras de equilibrar algumas coisas.”

PUBLICIDADE

Cúpula da Ucrânia

Para Putin e para o líder chinês Xi Jinping, o interesse nos Brics também mostra o sucesso em repelir as tentativas dos EUA e de seus aliados de isolá-los de forma mais ampla por causa da guerra na Ucrânia e das ameaças militares a Taiwan, Filipinas, Coreia do Sul e Japão.

O líder ucraniano Volodymyr Zelenskiy lutou para convencer as nações asiáticas a apoiar sua cúpula de paz na Suíça no início deste mês, e Putin assinou nesta semana um pacto de defesa com a Coreia do Norte, enquanto advertia que tinha o direito de armar os adversários dos EUA em todo o mundo.

Leia mais: Em guerra tech com EUA, China cria fundo de US$ 48 bi para apoiar setor de chips

PUBLICIDADE

Um “clube que, durante anos, era composto por apenas cinco membros, expandiu-se com a inclusão do Irã, dos Emirados Árabes Unidos, da Etiópia e do Egito em janeiro deste ano. Esse foi um impulso impulsionado em grande parte pela China, que tenta aumentar sua influência no cenário global.

Outra nação do sudeste asiático, a Indonésia, foi considerada uma das primeiras favoritas para entrar no ano passado, antes que o presidente Joko Widodo indicasse que não teria pressa em tomar a decisão.

Ainda assim, o ímpeto para adicionar novos membros continuou.

Apesar dos esforços dos EUA e da Europa para impedir que os países negociem com Moscou, representantes de 12 nações não membros compareceram a um Diálogo dos Bics na Rússia neste mês. Entre eles estavam inimigos de longa data dos EUA, como Cuba e Venezuela, mas também nações como Turquia, Laos, Bangladesh, Sri Lanka e Cazaquistão.

Também estava presente o Vietnã, que no ano passado melhorou os laços com Washington em um movimento visto como uma resistência à crescente influência de Pequim na região. Hanói tem acompanhado o progresso do grupo com “grande interesse”, como disse a emissora estatal Voice of Vietnam no mês passado.

"O Vietnã está sempre pronto para participar e contribuir ativamente com os mecanismos multilaterais globais e regionais", disse na época o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Pham Thu Hang.

O Vietnã deu as boas-vindas ao líder russo nesta semana, apesar das fortes objeções dos EUA, alegando que "nenhum país deve dar a Putin uma plataforma para promover sua guerra de agressão" na Ucrânia. O Vietnã e a Rússia têm laços que remontam à Guerra Fria e à era soviética.

Leia mais: Entrada da Arábia Saudita reforça poder dos Brics, diz ‘idealizador’ do bloco

Em sua declaração conjunta emitida na conclusão de suas conversas, a Rússia saudou a participação do Vietnã no diálogo no início deste mês e disse que eles iriam “continuar a fortalecer os laços entre os países dos Brics e os países em desenvolvimento, incluindo o Vietnã”.

Não ficou claro o quanto os Brics fizeram parte das conversas a portas fechadas de Putin no Vietnã, embora as duas nações tenham se comprometido a aumentar a cooperação em defesa e energia. Li, da China, aproveitou sua viagem à Malásia para aprofundar os laços comerciais e econômicos e avançar na construção de grandes projetos.

Grupo com peso crescente

Após a expansão deste ano, os Brics planejam convidar países não membros para participar de sua próxima cúpula na cidade russa de Kazan, em outubro.

O simples fato de sediar o evento na cidade proporciona ao governo russo a chance de mostrar ao mundo que não está totalmente isolada pela oposição ocidental à guerra na Ucrânia.

“Não é segredo que Washington não gosta dos Brics, principalmente com a adesão do Irã e da Rússia”, disse Scot Marciel, ex-embaixador dos EUA na Indonésia, em Mianmar e na Associação das Nações do Sudeste Asiático, conhecido como Asean.

Ao mesmo tempo, quanto maior for o bloco, menor será a probabilidade de chegada a um consenso sobre as principais questões, disse ele. “Minha impressão é que Washington provavelmente não está aplaudindo a iniciativa da Tailândia e da Malásia de se juntarem ao bloco, mas não acho que isso vá causar uma grande azia.”

As autoridades do Departamento de Estado dos EUA não responderam imediatamente a um pedido de comentário da Bloomberg News.

Os possíveis benefícios da adesão aos Brics vão além da geopolítica.

Alternativa de crédito com US$ 33 bi

Os membros do bloco concordaram em reunir US$ 100 bilhões em reservas de moeda estrangeira, que podem ser emprestados uns aos outros em casos de emergência.

O grupo também fundou o Novo Banco de Desenvolvimento - uma instituição com modelagem do Banco Mundial que aprovou quase US$ 33 bilhões em empréstimos, principalmente para ativos como água, transporte e outros projetos de infraestrutura, desde que começou a operar em 2015. A ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff comanda a instituição.

Esse pool de investimentos seria útil para os países do Sudeste Asiático, região em que o financiamento oficial para o desenvolvimento diminuiu para um patamar mínimo de US$ 26 bilhões em 2022, de acordo com um relatório deste mês do Lowy Institute, com sede em Sydney.

Outro atrativo para a filiação, disse Saifuddin, da Malásia, é o sentimento negativo residual em relação a instituições como o FMI, que promoveu medidas de austeridade às vezes responsabilizadas na região por agravar as dificuldades econômicas causadas pela crise financeira asiática no final da década de 1990.

Washington não está parado.

A Casa Branca aprofundou os vínculos de segurança na região em questões como o combate ao terrorismo e com países como o Vietnã e as Filipinas, que estão cada vez mais preocupados com suas disputas com Pequim no Mar do Sul da China.

Mas, à medida que a competição entre as grandes potências se intensifica em todos os setores, há também um reconhecimento de que a região precisa proteger suas apostas.

“Há cada vez menos espaço de manobra para os países menores”, disse Ong Keng Yong, ex-secretário geral da Asean, em entrevista. “Ao ingressar em organizações como os Brics, os países estão sinalizando que querem ser amigáveis com todos os lados, não apenas com os EUA e seus aliados.”

- Com a colaboração de Thomas Kutty Abraham.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Os interesses de Brasil e Arábia Saudita ao estreitar as relações nos negócios

Crise imobiliária persiste na China e dados mostram que economia ainda ‘patina’