Como o economista escolhido por Javier Milei pretende dolarizar a Argentina

Emilio Ocampo, que trabalhou em Wall Street por mais de 20 anos na Salomon Brothers, escreveu um livro sobre dolarização. Em entrevista à Bloomberg News, ele detalha seu plano

plano audacioso se encaixa com a persona de Milei - uma estrela do rock que promete limpar o sistema político, e os eleitores parecem gostar principalmente porque ele não faz parte do establishment
Por Ignacio Olivera Doll
17 de Agosto, 2023 | 03:37 PM

Bloomberg — Javier Milei quer transformar a Argentina no maior experimento de dolarização do mundo. Outsider político que varreu os votos das primárias de domingo e agora é visto como o favorito para vencer as eleições presidenciais de outubro, Milei apresentou o plano de abandonar o peso para combater a inflação que está em 113% ao ano e sufoca a economia do país, de 600 bilhões de dólares.

O plano audacioso se encaixa com a persona de Milei - uma estrela do rock que promete limpar o sistema político, e os eleitores parecem gostar principalmente porque ele não faz parte do establishment. Enquanto os argentinos lidam com a inflação de três dígitos, eles também viram o valor de sua moeda despencar frente ao dólar, pois o banco central queima reservas para tentar evitar um declínio ainda pior.

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Mas o arquiteto por trás da ideia de dolarização é uma figura muito diferente: Emilio Ocampo, que trabalhou em Wall Street por mais de 20 anos antes de se mudar para o interior da Argentina em 2005.

Ocampo, que trabalhou como banqueiro de investimentos na Salomon Brothers, escreveu um livro sobre dolarização que esgotou nas livrarias de Buenos Aires no ano passado e desde então se tornou um conselheiro de Milei sobre o assunto.

Embora a adoção do dólar seja uma solução extrema, a Argentina é um caso extremo, argumenta Ocampo.

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É verdade que, ao adotar o dólar, o próprio governo de Milei perderia uma boa parte de sua capacidade de determinar os termos comerciais e ditar a política monetária - sem mencionar o fato de que isso acontece em um momento em que muitos outros países estão tentando se tornar menos dependentes dos EUA.

Mas os investidores, diz Ocampo, não acreditam mais na moeda local e os preços locais estão tão distorcidos que é impossível para a economia funcionar.

A inflação descontrolada impede o país de realizar quaisquer reformas estruturais, e a dolarização seria “um meio de alcançar objetivos econômicos e políticos”, disse ele em uma entrevista nesta semana, após a forte performance de Milei no domingo que agitou os mercados.

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Substituir os pesos por dólares deve ser feito no primeiro ano do governo e “colapsaria completamente a inflação” em um pouco mais de um ano, segundo ele.

Embora Milei mesmo não tenha falado muito sobre a dolarização, ela é uma parte fundamental de suas propostas para a nação sul-americana, que está a caminho de sua sexta recessão em 10 anos. Economias menores como a do Equador tiveram algum sucesso relativo ao adotar o dólar, mas é um processo complexo.

Aqui estão os principais pontos do plano de Ocampo:

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Voluntário ou obrigatório?

A Argentina replicaria o modelo usado pelo presidente Nayib Bukele em El Salvador, que foi “voluntário” - as pessoas poderiam usar ambas as moedas, com “liberdade absoluta” para movimentar capital.

Qual seria a taxa de câmbio?

A base monetária - 6,4 trilhões de pesos, de acordo com o banco central - seria fixada em uma “taxa de câmbio de equilíbrio” próxima à taxa pela qual o peso está sendo negociado nos mercados paralelos que os argentinos usam para contornar os controles oficiais. Em seguida, seria congelada nesse nível, com o banco central proibido de imprimir dinheiro e o sistema financeiro mantendo dólares.

Atualmente, um dólar compra cerca de 780 pesos nesse mercado, e a base monetária total nesse nível seria cerca de 9,3 bilhões de dólares.

O que acontecerá com as restrições cambiais?

A dolarização só pode ser implementada em uma economia sem restrições cambiais - o que significaria eliminar a barreira de câmbio.

Qualquer plano de estabilização implicaria depreciação e ajuste de preços de serviços públicos mantidos artificialmente baixos pelo governo, e isso tem custos dada a situação social extremamente complicada na Argentina, diz Ocampo. Cerca de 40% dos argentinos vivem abaixo da linha de pobreza, de acordo com dados do governo.

O que acontece com o banco central?

No plano de Ocampo, o banco central não seria mais o guardião das reservas. Um veículo de propósito especial chamado Fundo de Estabilização Monetária seria criado no exterior - com base em uma jurisdição estrangeira como Suíça, Irlanda ou Luxemburgo, e teria um mandato estatutário, disse Ocampo.

Esse fundo emitiria papel comercial lastreado em ativos para pagar os 26 bilhões de dólares em instrumentos de dívida detidos por bancos comerciais. Seus principais ativos seriam as dívidas atualmente devidas pelo governo ao banco central e fundos de pensão do Anses.

“Os títulos do Tesouro mantidos pelo banco central têm um valor de mercado muito baixo, é verdade. Mas pelo menos eles têm um valor de mercado”, diz Ocampo.

Enquanto notas do tesouro não transferíveis ou “adiantamentos transitórios” não têm um valor de mercado, elas representam um “fluxo de caixa” de fundos para o banco central, porque o Tesouro tem que fazer pagamentos nessas notas, o que significa que elas também podem ser avaliadas, segundo ele.

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