O chanceler alemão, Olaf Scholz, convocou uma eleição depois que as divisões sobre como reavivar a economia enfraquecida provocaram o rompimento de sua coalizão governista de três partidos.
A crise chegou ao ápice com a surpreendente demissão do ministro das Finanças de Scholz, Christian Lindner, na quarta-feira (6), dizendo que o presidente do partido pró-negócios FDP havia recusado uma proposta para suspender as regras que limitavam novos empréstimos do governo.
Scholz convocou uma eleição para um voto de confiança em janeiro de 2025, com o objetivo de antecipar as eleições federais do próximo ano de setembro para março.
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A turbulência vem na esteira da reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que levantou a perspectiva de uma nova guerra comercial e forçou uma reavaliação da relação de defesa da Europa com Washington.
A Alemanha também enfrenta uma economia estagnada que testemunha uma longa retração em seu setor industrial.
A medida altamente incomum de Scholz, que vem depois de semanas de brigas públicas, representa um grande risco para o social-democrata de 66 anos. Na última vez que seu partido tentou antecipar uma eleição, em 2005, isso levou à vitória de Angela Merkel e ao seu controle de 16 anos sobre a chancelaria.
“Com muita frequência, as concessões necessárias foram abafadas por disputas encenadas publicamente e demandas ideológicas ruidosas”, disse Scholz em comentários excepcionalmente incisivos, acrescentando que Lindner está focado na sobrevivência de curto prazo de seu próprio partido.
"Esse egoísmo é completamente incompreensível".
O euro caiu um pouco após o anúncio, mas a reação foi considerada pequena em comparação com as perdas anteriores devido à vitória de Trump. O índice DAX da Alemanha subia perto de 1,50% nesta quinta-feira no começo da tarde na Europa, acima dos ganhos do Euro Stoxx 600.
Desafio de negociar com Trump
“O colapso da coalizão do governo alemão não poderia vir em pior hora para a Europa”, disse Rajeev De Mello, diretor de investimentos da Gama Asset Management. “A Europa precisa ser capaz de negociar com Donald Trump com uma voz forte, o que estará em falta no início da nova administração dos EUA.”
A aliança conservadora CDU/CSU, sob o comando de Friedrich Merz, atualme liderando as pesquisas de opinião com mais de 30% dos votos e estaria em posição privilegiada para vencer uma votação antecipada, restaurando-a ao poder depois de ter perdido para o SPD de Scholz há três anos.
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Após a demissão de Lindner, o FDP retirou seus três outros ministros do governo - o ministro dos Transportes, Volker Wissing, o ministro da Justiça, Marco Buschmann, e a ministra da Educação, Bettina Stark-Watzinger. Espera-se que Scholz anuncie já nesta quinta-feira quem os substituirá até a eleição.
Scholz, que deve se reunir com seus colegas da União Europeia em uma cúpula informal em Budapeste na sexta-feira (8), argumentou que a Alemanha precisa de “mais espaço financeiro” para lidar com as dificuldades que enfrenta.
“A situação é grave. Há uma guerra na Europa, tensões crescentes no Oriente Médio, a economia está estagnada”, disse Scholz. “As empresas precisam de apoio agora.”
A economia da Alemanha não conseguiu se recuperar de forma sustentada da pandemia e da guerra na Ucrânia, e alguns economistas preveem que a produção de 2024 encolherá pelo segundo ano consecutivo.
O principal ponto fraco é seu importante setor industrial, que é prejudicado pela fraca demanda externa, pelos altos custos de empréstimos e por uma série de questões estruturais internas.
“Olaf Scholz há muito tempo deixou de estar interessado em um acordo aceitável para todos, mas, sim, em um rompimento calculado dessa coalizão”, disse Lindner em um comunicado. “Ao fazer isso, ele está levando a Alemanha a uma fase de incerteza.”
Os chanceleres alemães não têm o poder de convocar uma eleição antecipada, que cabe ao presidente federal, mas podem tentar desencadear uma ao perder deliberadamente um voto de confiança na Câmara Baixa do parlamento.
Se Scholz não conseguir obter a maioria na votação de 15 de janeiro, ele poderá pedir ao presidente Frank-Walter Steinmeier, ex-vice-chanceler social-democrata, que intervenha e dissolva o parlamento. A eleição teria então que ser realizada dentro de 60 dias.
Iniciativa incomum na história alemã
A iniciativa de Scholz é altamente incomum na política alemã desde a Segunda Guerra Mundial. A eleição nacional foi antecipada apenas duas vezes na Alemanha Ocidental, em 1972 e 1983, e apenas uma vez desde a reunificação em 1990.
O ex-chanceler Gerhard Schroeder, também social-democrata, provocou a antecipação das eleições em 2005, antes de perder para Merkel, que continuou a governar o país até Scholz assumir o cargo.
Scholz e seus ministros apresentaram uma imagem disfuncional nas últimas semanas, realizando reuniões rivais com grupos do setor e autoridades trabalhistas e publicando documentos de políticas conflitantes que se assemelham a manifestos de campanha.
Um ponto de discórdia em particular foi a insistência de Lindner em que a Alemanha se atenha rigidamente às regras que limitam novos empréstimos. Isso irritou o SPD de Scholz e os Verdes, que são a favor da expansão da dívida para financiar iniciativas como o combate às mudanças climáticas e o fortalecimento das forças armadas - e ajudar a Ucrânia a se defender da Rússia.
À medida que a UE procura forjar uma resposta unida ao retorno de Trump e à crescente assertividade da China, Scholz tem sido frequentemente apontado como o maior obstáculo, opondo-se aos esforços para alavancar a força financeira do bloco com empréstimos conjuntos e aumento dos gastos com defesa.
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Algumas autoridades europeias já haviam se conformado com o fato de que o bloco não seria capaz de avançar até depois das eleições alemãs, daqui a um ano, e a decisão de Scholz potencialmente antecipa isso em seis meses.
Atualmente, o FDP está com apenas 3% em pesquisas, abaixo dos 11,5% na votação nacional de 2021. Isso o coloca em risco de não atingir o limite de 5% para entrar no parlamento.
Embora seja provável que a diferença diminua, as últimas pesquisas de opinião sugerem que o apoio à CDU/CSU de Merz é mais de duas vezes maior do que o apoio ao partido de Scholz.
O SPD está com cerca de 16%, em terceiro lugar, atrás da Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, que está em segundo lugar, com cerca de 17%.
Os Verdes estão com cerca de 11%, em quarto lugar, enquanto um novo partido de extrema esquerda - a Aliança Sahra Wagenknecht - está em quinto lugar, com cerca de 8%.
“Agora abriremos rapidamente o caminho para novas eleições, de modo que na primavera a Alemanha terá que tomar uma nova decisão sobre a próxima constelação governamental”, disse a jornalistas o ministro da Economia dos Verdes, Robert Habeck, que também é vice-chanceler.
“Até lá, estamos no cargo e firmemente determinados a cumprir plenamente os deveres do cargo.”
-- Com a colaboração de Alexander Weber, George Lei, Angela Cullen, Karin Matussek, Carolynn Look, Christoph Rauwald e Isolde MacDonogh.
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