Como Xi Jinping escapou das tarifas iniciais de Trump e ganhou tempo para a China

Rival asiático e alvo preferencial do republicano na campanha não só foi poupado de medidas no início do governo como recebeu prazo extra de 75 dias para encontrar um comprador para o TikTok

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Bloomberg — Para o presidente Xi Jinping, o cenário estava preparado para um início explosivo da presidência de Donald Trump, depois que ele fez campanha com a promessa de punir a China com tarifas. Em vez disso, o primeiro dia do líder americano no cargo deu a Pequim um espaço inesperado para respirar.

Durante a campanha, Trump sugeriu tarifas sobre a China em torno de 60% e prometeu impor uma taxa de 10% pelo suposto fracasso de Pequim em impedir a “entrada” de drogas nos EUA.

Mas, em uma entrevista coletiva de imprensa improvisada no Salão Oval na segunda-feira (20) em Washington, o líder republicano evitou se comprometer com um plano para as tarifas chinesas, enquanto assinava uma série de ordens executivas diante das câmeras.

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“Vamos ter reuniões e telefonemas com o presidente Xi”, disse Trump, acrescentando que havia sido convidado para viajar à China - sem confirmar se planejava fazer essa viagem.

O líder dos EUA assinou uma ordem para que seu governo lide com práticas comerciais injustas em todo o mundo e investigue a conformidade da China com um acordo firmado durante seu primeiro mandato.

Em contraste com essa abordagem mais paciente em relação à China, Trump, poucas horas depois de assumir o cargo, declarou que pretendia decretar tarifas de até 25% sobre o México e o Canadá, ameaçadas anteriormente, até 1º de fevereiro, citando lapsos de controle nas fronteiras.

"Trump é uma bola de demolição e é impossível prever em que direção ele irá se movimentar", disse Dominic Meagher, vice-diretor e economista-chefe do think tank australiano John Curtin Research Centre. "Ele ainda não se inclinou na direção da China, o que significa que eles ainda têm tempo para influenciá-lo."

As ações chinesas avançaram quando o presidente dos EUA não chegou a anunciar uma ação imediata contra Pequim, levando ao maior ganho na Ásia, depois que as preocupações com as tensões comerciais pressionaram o mercado por meses. O yuan manteve a maior parte de seus ganhos durante a noite.

A decisão de Trump adia qualquer acerto de contas imediato com Pequim sobre o superávit comercial global recorde do país asiático e sua crescente dependência das exportações para compensar seu fraco consumo interno.

O presidente também deu uma “mãozinha” à empresa chinesa ByteDance: rejeitou as alegações bipartidárias de que ela representa um risco à segurança nacional, considerando que não é “o maior problema”, e concedeu 75 dias para encontrar um parceiro nos EUA.

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Esse acordo evitou que o aplicativo de vídeo TikTok, usado por Trump para alcançar jovens eleitores durante a campanha de 2024, ficasse fora do ar nos Estados Unidos.

O que diz a Bloomberg Economics

‘Tarifas adiadas não significam tarifas negadas. Em última análise, o desejo de Trump de reequilibrar as relações comerciais, aumentar a receita tarifária para compensar o custo da prorrogação da Lei de Cortes de Impostos e Empregos e desacelerar a ascensão da China como rival geopolítico significa que esperamos um aumento acentuado das tarifas sobre as importações dos EUA. Nosso cenário base começa com a reimposição das tarifas planejadas que foram reduzidas como parte do acordo entre os EUA e a China na Fase I.”

Bastidores de Pequim

O simbólico “ramo de oliveira” do presidente tira a pressão de Xi para que ele revide com uma resposta política imediata, mantendo alguns limites na relação bilateral mais importante do mundo.

Mas muitos em Pequim, que se lembram do tom mais ameno do republicano no início de sua primeira presidência, estarão se preparando para uma ação mais forte nos próximos meses.

Os sinais de que o alívio seria de curta duração já estavam à mostra.

Trump alertou que poderia impor uma tarifa de até 100% à China se ela rejeitasse reduzir pela metade a propriedade do TikTok com os EUA, classificando tal medida como um ato de “hostilidade”.

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O presidente de 78 anos também prometeu retomar o controle do Canal do Panamá de uma empresa de Hong Kong e assinou uma ordem para se retirar da Organização Mundial da Saúde (OMS), reclamando que a China contribui com quase 90% menos do que os EUA para o grupo, apesar de ter uma população maior.

O Ministério das Relações Exteriores da China não respondeu a um pedido de comentário da Bloomberg News sobre a investigação comercial e as alegações de Trump sobre um convite a Pequim.

A mídia estatal chinesa destacou as instruções isolacionistas do novo presidente para que os Estados Unidos saiam do Acordo de Paris sobre o corte de emissões de carbono e da OMS, abstendo-se de comentar sobre suas ações na China.

Trump é famoso por sua imprevisibilidade e não está claro como sua política em relação à China será moldada nos próximos meses por seu novo gabinete.

O Secretário de Estado Marco Rubio - que foi sancionado duas vezes por Pequim - afirmou recentemente que a segunda economia do mundo havia “trapaceado” para chegar ao status de superpotência, enquanto o secretário do Tesouro, Scott Bessent, acusou o Partido Comunista de presidir a economia mais desequilibrada do mundo.

As tensões entre Pequim e Washington vão além do comércio e dos investimentos.

Incluem as disputas sobre as reivindicações territoriais de Xi sobre Taiwan, a crescente agressão da China no Mar do Sul da China e as preocupações com a segurança nacional que levaram o ex-presidente Joe Biden a impor amplos controles de exportação para bloquear o acesso de Pequim a chips de última geração que são essenciais para seu avanço militar.

Um motivo para o início comedido do segundo mandato de Trump pode ser puramente processual, de acordo com Elena Patel, pesquisadora sênior não residente do Urban-Brookings Tax Policy Center.

“Há regras e regulamentos em vigor para a imposição de tarifas que impedem o presidente Trump de impor tarifas no primeiro dia”, disse ela à Bloomberg Television, acrescentando que outras medidas emergenciais à sua disposição raramente são empregadas. “Eu teria pensado que essa seria uma medida muito forte - e que teria sido contestada quase que imediatamente.”

A investigação do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTr) sobre a conformidade da China com a Fase Um do acordo comercial pode levar meses para publicar suas conclusões iniciais, acrescentou ela. Trump estabeleceu o prazo de 1º de abril para esse relatório.

Não está claro como o momento da nomeação oficial do indicado para Representante Comercial dos EUA, Jamieson Greer, afetaria o prazo, já que esse cargo normalmente leva vários meses para ser confirmado.

A ordem executiva para reexaminar a política comercial poderia abalar as relações econômicas entre os EUA e a China.

Brechas tarifárias

O governo avaliará os projetos de lei do Congresso que visam revogar as relações comerciais normais permanentes da China com os EUA e examinar a brecha tarifária “de minimis” sob a qual as empresas chinesas provavelmente exportaram mais de US$ 20 bilhões em mercadorias para os EUA no ano passado.

O retorno de Trump ao resultado de sua primeira guerra comercial com Xi sugere que ele ainda está focado - até certo ponto, pelo menos - no objetivo original daquela campanha: reduzir o déficit comercial e fazer com que a China compre mais produtos dos Estados Unidos.

"Pequim ficará aliviada por evitar as tarifas no primeiro dia, mas não ficará descansando sobre os louros", disse Neil Thomas, pesquisador de política chinesa do Centro de Análise da China do Asia Society Policy Institute.

"Xi tem experiência suficiente para saber que Trump pode mudar de ideia rapidamente", acrescentou. "Trump é mais experiente e seu governo é mais organizado, o que significa que Xi talvez precise fazer mais concessões desta vez."

-- Com a colaboração de Jing Li, Rebecca Choong Wilkins e Lucille Liu.

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