Bloomberg — A China avança com os planos de construir uma mega hidrelétrica perto de sua fronteira contestada com a Índia, um empreendimento colossal que poderia gerar três vezes mais energia do que a barragem das Três Gargantas.
O governo chinês aprovou a construção de "um projeto hidrelétrico" nas partes mais baixas do rio Yarlung Tsangpo, no Tibete, informou a agência oficial de notícias Xinhua, sem entrar em detalhes.
Reportagens anteriores indicaram que a represa seria a maior do mundo e exigiria 1 trilhão de yuans (US$ 137 bilhões) em investimentos, o que a tornaria um dos projetos de infraestrutura mais caros de todos os tempos e, provavelmente, um grande benefício para os esforços de Pequim para estimular o crescimento econômico.
A hidrelétrica pode se tornar uma fonte de tensão entre a China e a Índia, já que o rio Yarlung Tsangpo atravessa a região de Arunachal Pradesh, contestada pelos dois países, e alimenta um dos principais rios da Índia.
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Os laços bilaterais acabaram de se estabilizar após um impasse de quatro anos devido a um confronto na fronteira em junho de 2020 que matou cerca de 20 indianos e pelo menos quatro chineses.
O projeto levaria pelo menos uma década para ser construído e exigiria a conexão com a rede elétrica mais ao leste, já que não há “nenhuma necessidade” desse tipo de fornecimento de energia no Tibete, disse David Fishman, gerente sênior do Lantau Group, com sede em Xangai, uma empresa de consultoria em energia.
“Trata-se de um grande empreendimento de engenharia. O rio em si tem excelentes recursos hidrelétricos”, acrescentou. “Todos a jusante ficarão preocupados com o que isso significa se o fluxo de água for reduzido. Sei que a Índia está muito preocupada com isso.”
O Ministério das Relações Exteriores da Índia se recusou a comentar quando contatado para obter mais informações.
O Ministério das Relações Exteriores da China disse em uma declaração à Bloomberg News que Pequim “passou décadas estudando o desenvolvimento do projeto hidrelétrico nas partes mais baixas do rio Yarlung Tsangpo” e se comprometeu a implementar medidas para garantir a segurança e a proteção ambiental.
“Não haverá impacto adverso para a região“, acrescentou, observando que a China cooperou com os países vizinhos no compartilhamento de dados hidrológicos, prevenção de desastres e resposta a emergências. “A China continuará a manter a comunicação com os países por meio dos canais existentes”, disse o ministério.
Uma barragem colossal administrada pela China na fronteira daria a Pequim influência sobre o fluxo de água para a Índia, algo que os líderes poderiam usar como alavanca em tempos de tensões políticas.
As duas nações criaram um mecanismo de intercâmbio para gerenciar essas questões em 2006 e realizaram uma reunião virtual em maio de 2022, de acordo com o Ministério de Recursos Hídricos da China.
Queda na produção
A energia hidrelétrica é a segunda maior fonte de geração de energia na China, representando quase 14% da matriz do país no ano passado, de acordo com dados da BloombergNEF - e está crescendo em um ritmo mais lento do que outros tipos de energia.
O aquecimento global prolongou as secas na China e reduziu inesperadamente a produção de energia hidrelétrica, levando a crises de energia em províncias ricas em água, como Sichuan e Yunnan.
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Anteriormente, os analistas consideravam improvável represar o Yarlung Tsangpo. Levar materiais e trabalhadores a um local tão remoto seria extremamente caro, assim como instalar as linhas de transmissão de energia necessárias para levar a eletricidade ao mercado.
Apesar disso, o governo manteve a porta aberta. Em 2020, uma reportagem da mídia estatal citou o chefe da Power Construction Corporation of China, de propriedade do governo, dizendo que o curso inferior do rio apresentava um enorme desfiladeiro com potencial para uma capacidade de geração de eletricidade de 70 gigawatts - mais do que o triplo da barragem de Três Gargantas, que é a maior do mundo.
Os ambientalistas da China há muito se preocupam com o impacto irreversível da construção de barragens no desfiladeiro, que abriga uma reserva natural nacional declarada em 2000 e um dos principais pontos de biodiversidade do país.
Pequim parece estar ciente das sensibilidades. Um artigo de 2020 perguntando se um projeto hidrelétrico no rio - conhecido como Brahmaputra na Índia - acabaria com os últimos tigres do Tibete foi censurado na plataforma de mensagens WeChat.
Na sexta-feira, quando o link foi acessado, a seguinte mensagem apareceu: “O conteúdo violou as regras e não pode ser visto”.
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