Carlos Ghosn processa Nissan em US$ 1 bilhão alegando ‘danos profundos’

Ex-CEO que arquitetou aliança da montadora com a Renault e a Mitsubishi apresentou suas queixas em tribunal no Líbano, onde vive desde sua dramática fuga do Japão

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Bloomberg — Carlos Ghosn, ex-CEO da Nissan Motor, processou a montadora japonesa e pessoas relacionadas por tê-lo destituído do cargo em 2018 e orquestrado sua prisão por suposta má conduta financeira. O executivo que tem cidadania brasileira e francesa pede mais de US$ 1 bilhão em indenização por “danos profundos” às suas finanças e reputação.

O ex-executivo estrela do setor automotivo nas décadas de 1990 e 2000, que forjou a aliança da Nissan com a Renault e com a Mitsubishi Motors, apresentou suas queixas ao promotor público no Tribunal de Cassação no Líbano, onde vive desde sua dramática fuga do Japão no final de 2019 para escapar do julgamento. A ação judicial, vista pela Bloomberg News, foi apresentada em 18 de maio e traduzida do árabe para o inglês.

A prisão de Ghosn, hoje com 69 anos, causou um choque no setor automobilístico global e desencadeou uma turbulência na Nissan que continua até hoje.

Ghosn não mediu palavras para criticar a Nissan e as autoridades legais do Japão por removê-lo da liderança da então maior aliança automotiva do mundo. Ele ainda enfrenta acusações criminais no Japão pelo que os promotores descrevem como uma conspiração para não reportar sua remuneração, bem como uma ação civil movida pela Nissan em um tribunal em Yokohama em que busca indenização monetária.

“As acusações sérias e delicadas” contra mim “permanecerão na mente das pessoas por anos”, afirmou Ghosn no processo, dizendo que ele “sofrerá com elas pelo resto de sua vida, pois elas têm impactos persistentes e prolongados, mesmo que baseadas em meras suspeitas”.

A ação judicial reivindica US$ 588 milhões em indenizações por perdas e danos, bem como US$ 500 milhões em medidas punitivas. Os acionistas da Nissan também sofreram prejuízos depois que a empresa desperdiçou sua vantagem de pioneira no desenvolvimento de veículos elétricos. Ghosn não é mais acionista da empresa japonesa.

Ghosn foi enviado pela Renault em 1999 para dar uma guinada na montadora japonesa, que vinha enfrentando dificuldades antes de receber uma injeção de dinheiro da empresa francesa. Mais tarde, ele se tornou diretor executivo (CEO) de ambas as empresas e presidente da aliança.

O processo também apresenta denúncias contra:

- Hari Nada, um funcionário da Nissan visto como um dos principais instigadores da destituição de Ghosn

- Hidetoshi Imazu e Hitoshi Kawaguchi, dois gerentes seniores da Nissan com envolvimento inicial nas ações da Nissan contra Ghosn

- Toshiaki Onuma, gerente do escritório do CEO, que, juntamente com Nada, concordou em cooperar com os promotores japoneses para evitar processos

- Masakazu Toyoda e Motoo Nagai, dois membros da diretoria da Nissan.

Um representante da Nissan disse que a empresa ainda não recebeu a ação judicial nem está ciente dela e, portanto, não poderia comentar ou disponibilizar alguém para comentar as alegações de Ghosn.

A ação judicial inclui outros indivíduos e entidades que ainda não foram notificados, de acordo com o representante legal de Ghosn. O promotor público do Líbano marcou uma audiência para setembro. As autoridades do Líbano podem solicitar a cooperação de suas contrapartes japonesas para investigar as afirmações de Ghosn.

Não está claro se o sistema judicial do Japão, que Ghosn disse ser “manipulado” e “violar os princípios mais básicos da humanidade”, estaria disposto a cooperar com as autoridades do Líbano, que não extradita seus cidadãos.

Visão da ONU sobre o caso

Em 2020, um painel da ONU concluiu que a detenção de Ghosn em uma prisão japonesa por mais de 100 dias não foi necessária nem razoável e violou seus direitos. A decisão de prender Ghosn quatro vezes seguidas para estender sua detenção foi “fundamentalmente injusta”, de acordo com o Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

A alegação de 18 páginas inclui o plano de Ghosn de reunir a Nissan, a Renault e a Mitsubishi Motors em uma grande aliança com a Fiat Chrysler, o que, segundo ele, alimentou preocupações dentro da Nissan no início de 2018 de que ele estava tentando tornar a parceria irreversível. Hari Nada e outros executivos teriam então preparado terreno para que Ghosn fosse preso a fim de removê-lo da Nissan e da aliança, de acordo com o ex-executivo.

Ghosn também descreveu suas intenções de aceitar um corte salarial voluntário em 2011, depois que novas regras de divulgação de remuneração no Japão desencadearam esforços para encontrar meios legais de mantê-lo e pagá-lo durante a aposentadoria.

Esses planos acabaram se tornando a base para a prisão de Ghosn e Greg Kelly, um ex-diretor da Nissan que estava envolvido nas discussões salariais. No ano passado, o veredicto do julgamento inocentou Kelly da maioria das acusações e impôs uma multa à Nissan.

O ex-executivo do setor automotivo descreveu como recebeu ofertas de emprego da Volkswagen, da Ford Motor e de um salário mais alto para ingressar na General Motors, mas disse que decidiu permanecer na aliança após a crise financeira global de 2008-2009. Ghosn disse que os esforços da Nissan para encontrar maneiras de compensá-lo e mantê-lo foram criminalizados porque esse foi o único “meio encontrado pelos conspiradores para se livrarem dele como presidente do conselho de administração”.

O executivo Nada e outros então teriam empreendido uma “campanha de difamação para manchar sua imagem”, afirma Ghosn no processo. A reivindicação também detalha o envolvimento dos governos japonês e francês, a expulsão de certas pessoas da Nissan após a prisão de Ghosn, problemas com a investigação interna da empresa sobre o assunto e danos causados aos acionistas na bolsa.

A ação judicial é a cristalização dos esforços de Ghosn para tentar limpar seu nome após sua chegada ao Líbano, onde, no início de 2020, ele realizou uma coletiva de imprensa épica denunciando sua prisão. O ex-executivo do setor automotivo passou parte de sua infância no país e mora em uma casa que foi comprada e restaurada pela Nissan, que ele planejava comprar da empresa ao se aposentar.

“Eles não podem tramar uma mentira e trapacear e sair impunes”, disse Ghosn por telefone de Beirute. “Essa é apenas uma pequena resposta ao dano que eles criaram. Não acho que eles consigam consertar o erro, porque o dano é muito profundo - isso tem a intenção de reparar parte do dano que foi causado.”

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