Bancos centrais reavaliam planos de corte de juros à luz de promessas de Trump

Banqueiros em todo o mundo, da Europa à Ásia e em emergentes como o Brasil, buscam projetar como tarifas comerciais e juros em níveis mais altos nos EUA afetariam suas economias

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Bloomberg — Banqueiros centrais de todo o mundo estão avaliando se os seus piores temores em relação a Donald Trump se concretizarão após seu retumbante retorno à presidência dos Estados Unidos.

Trump prometeu impostos sobre as importações americanas que afetariam o comércio global, cortes de impostos que “esticariam” ainda mais o orçamento federal e deportações que poderiam reduzir o contingente de mão-de-obra barata.

Isso representa dois riscos principais: expansão econômica mais lenta em todo o mundo e inflação mais rápida no país, o que tornaria o Federal Reserve menos disposto a reduzir as taxas de juros.

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O resultado poderia ser um dólar mais forte e menos espaço para as nações em desenvolvimento flexibilizarem suas próprias condições monetárias.

“Se uma jurisdição tão importante como os EUA impuser tarifas de 60% a qualquer outra jurisdição importante - vamos falar da China -, posso garantir que os efeitos diretos e indiretos e os desvios do comércio serão enormes”, disse o vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Luis de Guindos, na quarta-feira (6) em Londres.

Na Europa, o Goldman Sachs previu um corte adicional na taxa de juros do BCE, citando um crescimento econômico mais suave como resultado das políticas de Trump.

Os economistas da Nomura Holdings, por outro lado, agora esperam apenas um corte do Fed no próximo ano, em comparação com os quatro projetados antes da eleição.

As autoridades da Indonésia e do Japão sinalizaram que estão prontas para agir para proteger suas moedas. Diante das tarifas massivas ostensivamente prometidas, também aumentaram as expectativas de que a China possa afrouxar mais do que havia planejado.

Mas nem todas as regiões “podem se dar esse luxo”. Mercados emergentes, ansiosos e preocupados para sustentar suas moedas, podem se tornar mais hawkish.

Desafios para emergentes

Os riscos são particularmente agudos porque a inflação já se mostra um desafio para muitos países - mesmo antes de quaisquer possíveis tarifas comerciais dos EUA sob Trump.

É o caso do Brasil, que já estava na contramão da maioria dos países do mundo com o início de um ciclo de aperto monetário diante de inflação e de expectativas acima da meta.

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“O ambiente externo permanece desafiador, em função, principalmente, da conjuntura econômica incerta nos EUA, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed”, apontou o Comitê de Política Monetária (Copom) no comunicado da reunião de quarta-feira, em que anunciou o aumento da taxa em 50 pontos base, para 11,25% ao ano.

Quase dois terços dos bancos centrais ainda não atingiram suas metas de preços e enfrentam um mercado de trabalho historicamente apertado, de acordo com economistas do UBS.

Um crescimento econômico mais forte nos EUA e um impulso ao consumo chinês decorrente do estímulo fiscal poderiam deixar a inflação “encalhada” acima das metas das autoridades, disseram em uma nota de outubro que analisou vários cenários para a economia global.

As autoridades monetárias tiveram um vislumbre do que pode estar por vir na quarta-feira. O dólar registrou seu maior ganho em relação às principais moedas desde 2020, enquanto um aumento nos rendimentos dos Treasuries levou algumas autoridades da Ásia a prometer medidas para proteger suas moedas.

A China reduziu sua taxa de fixação do yuan para o nível mais fraco desde 2023 nesta quinta-feira (7), sinalizando que o banco central vai permitir alguma depreciação para enfrentar o risco tarifário dos EUA.

Na segunda maior economia do mundo - que tem estado firmemente na mira das tarifas de Trump -, os bancos estatais também venderam dólares para apoiar o yuan na quarta-feira, depois que ele se enfraqueceu mais de 1%, de acordo com traders que não quiseram ser identificados.

O Banco Popular da China pode ter que flexibilizar sua política mais rapidamente, o que pode afetar o yuan, de acordo com Alicia Garcia-Herrero, economista-chefe da Natixis para a região Ásia-Pacífico. Mas os bancos centrais vizinhos podem estar menos dispostos a fazer isso se o Fed desacelerar sua própria campanha.

“Os mercados dos EUA podem estar se animando, mas as economias da Ásia podem ser as grandes perdedoras”, disse Garcia-Herrero por telefone à Bloomberg News. “As políticas de Trump significariam menos espaço para cortes justamente quando os bancos centrais mais precisam deles.”

Construção de defesas

Na Coreia do Sul, as autoridades vão reforçar as medidas de defesa econômica, de acordo com o ministro das Finanças Choi Sang-mok, que disse que o governo vai instituir novos órgãos de consultoria para supervisionar os mercados de câmbio, as estratégias comerciais e a concorrência industrial.

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"Se a postura política enfatizada pelo presidente eleito Trump se concretizar, espera-se que o impacto em nossa economia seja significativo", disse ele na quinta-feira.

O governador do Reserve Bank of India, Shaktikanta Das, mostrou-se mais otimista um dia antes, dizendo aos convidados em um evento em Mumbai que seu país está "bem posicionado" e "muito resistente" para lidar com as repercussões das eleições e outras questões globais.

O que a Bloomberg Economics diz

“A vitória eleitoral de Trump pode anunciar um aumento generalizado das tarifas para a economia global: ele ameaçou aumentar as tarifas para 60% sobre os produtos importados da China e 20% para o resto do mundo. Isso elevaria as taxas médias dos EUA acima de 20%, um nível não visto desde o início do século XX.

Os parceiros mais próximos, México e Canadá, seriam os mais atingidos. Para a maioria dos outros países, um choque relativamente pequeno no PIB mascararia uma grande mudança nos fluxos comerciais para longe dos EUA.”

- Maeva Cousin e Eleonora Mavroeidi, da Bloomberg Economics

Os tremores da eleição também foram sentidos na Europa, especialmente no leste, que teme a redução do apoio dos EUA à Ucrânia, que tenta se defender das forças russas. Preocupados com o esfriamento dos laços entre Washington e Bruxelas, investidores levaram o euro à paridade com o dólar.

A sombra das tarifas corre o risco de complicar a tarefa de controlar a inflação sem prejudicar o crescimento econômico. Embora Guindos tenha dito que espera que o o aumento dos preços se acelere, ele enfatizou que nenhuma conclusão pode ser tirada antes que as políticas exatas estejam claras.

“Há dois temores principais aqui”, disse ele. “O primeiro são as tarifas e o protecionismo, que podem ter um impacto prejudicial sobre o crescimento e a inflação. E, simultaneamente, os déficits fiscais. Nós vimos a reação dos mercados aos déficits fiscais nos EUA e no Reino Unido.”

As grandes tarifas dos EUA sobre a China podem ter um “efeito adverso” sobre a Austrália, embora o dólar australiano tenha mostrado até agora uma reação limitada em uma base ponderada pelo comércio à vitória eleitoral de Trump, disse uma autoridade sênior do Reserve Bank na quinta-feira.

-- Com a colaboração de Alexander Weber, Qianwei Zhang, Argin Chang, Anisah Shukry, Grace Sihombing, Ruth Carson, Ruchi Bhatia, Saikat Das, Iris Ouyang, Jana Randow, Sam Kim e Swati Pandey.

-- Com informações da Bloomberg Línea.

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