Banco da China encara mudanças, mas política monetária atual deve continuar

Governo chinês nomeou técnico do banco central para função no Partido Comunista, num movimento visto como de continuidade

Xi prometeu “proteger melhor os direitos e interesses dos investidores estrangeiros”
Por Bloomberg News
03 de Julho, 2023 | 06:38 PM

Bloomberg — A nomeação de um tecnocrata do Banco Popular da China para um cargo de representante da instituição dentro do Partido Comunista Chinês sinaliza que, por enquanto, a política monetária não vai ter mudanças drásticas, enquanto a economia do país luta para recuperar o impulso.

A nomeação de Pan Gongsheng no sábado como chefe do Banco Popular da China dentro do Partido Comunista indica que o banco central seguirá seu curso atual, em linha com a abordagem recente de cortar ligeiramente as taxas de juros e incentivar os bancos a emprestar mais para áreas específicas. Nas últimas semanas, o governo tem enfrentado pedidos de estímulo maior, à medida que os dados continuam mostrando a perda de força da economia.

“É evidente que a liderança do partido está optando pela continuidade com essa escolha em particular”, disse Christopher Beddor, diretor adjunto de pesquisa da China no Gavekal Dragonomics. “A liderança do país e o Banco Popular da China estão muito conscientes de que Pan é uma pessoa conhecida e bem vista tanto por investidores domésticos quanto globais, e eles ocasionalmente tiraram vantagem desse fato.”

A nomeação de Pan como representante do banco central dentro do Partido foi recebida com reação discreta nos mercados de ações e crédito da China, e a maioria dos analistas vê o movimento como um sinal de continuidade na política. Os títulos em dólares de alto rendimento da China, dominados por notas de incorporadoras, pouco se alteraram na manhã desta segunda-feira (3).

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Com uma trajetória que inclui cargos de destaque em bancos comerciais chineses e passagens de pesquisa em Harvard e Cambridge, Pan, de 59 anos, foi encarregado de ajudar a impulsionar a economia da China com a queda no pós-covid, à medida que aumentam as preocupações com a fraqueza persistente em áreas como o consumo e o setor imobiliário.

A promoção ocorre pouco antes da visita da secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, de 6 a 9 de julho, como parte de uma nova tentativa de diplomacia entre os países, enquanto a China busca atrair mais investimentos estrangeiros e a administração Biden busca restabelecer a comunicação com Pequim. Xi prometeu “proteger melhor os direitos e interesses dos investidores estrangeiros” na semana passada.

“A recuperação econômica fraca da China e as crescentes tensões geopolíticas provavelmente provocaram a rápida promoção de Pan”, afirmaram analistas da Eurasia Group em nota. “Ele é defensor de reforma regulatória e de supervisão, e possui conhecimento internacional e conexões fortes em relação a outros banqueiros centrais chineses.”

No entanto, sua nomeação deixa questões importantes ainda sem respostas sobre o papel do Banco Popular da China, já que Xi Jinping está reformulando os escalões superiores que supervisionam o sistema financeiro. Pan perdeu sua posição no Comitê Central do Partido Comunista com a reorganização bianual de liderança no ano passado — uma posição que foi ocupada por seu antecessor no banco central, Guo Shuqing.

Reorganização da liderança

Agora Guo se aposentou de seu cargo no partido, enquanto o atual presidente do Banco Popular da China, Yi Gang, renunciou ao cargo de vice-chefe do partido no banco.

O Wall Street Journal relatou anteriormente que Pan também assumirá o título de presidente, uma posição nomeada separadamente pelo governo, o que faria com que o banco central voltasse à padrão das últimas décadas de ter uma pessoa ocupando os dois cargos principais.

“A posição relativamente fraca de Pan no partido pode levar a menos influência do Banco Popular da China na tomada de decisões econômicas nos mais altos níveis”, disse Adam Wolfe, economista de mercados emergentes na Absolute Strategy Research. “É claro que o sistema é basicamente uma caixa preta nesse nível, então não está claro o quanto isso importará por ele não estar no Comitê Central.”

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O Banco Popular da China

Ao contrário do Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos e dos bancos centrais da Europa, o Banco Popular da China não é independente. Ele responde ao Conselho de Estado da China, o gabinete do país liderado pelo primeiro-ministro Li Qiang, e precisa de aprovação antes de tomar grandes decisões de política, como definir as taxas de juros ou gerenciar a moeda.

“Pan sendo representante do Banco Popular da China no Partido, mas sem ser membro ou membro suplente do Comitê Central pode significar uma despromoção de fato do status e influência do banco”, disse Hui Feng, co-autor de “The Rise of the People’s Bank of China” e professor sênior na Griffith University, na Austrália.

O Banco Popular da China é “menos propenso a assumir um papel de liderança em decisões macroeconômicas sob o terceiro mandato de Xi e se tornará mais um consultor técnico”, acrescentou ele.

Entre os desafios que Pan enfrenta, destaca-se sua área de expertise recente — o yuan. Além de ocupar o cargo de vice-presidente do banco central desde 2012, ele se tornou chefe do órgão regulador de câmbio estrangeiro da China em 2016, supervisionando as reservas estrangeiras do país, que chegam a US$ 3 trilhões.

Sob a liderança de Yi, o Banco Popular da China transformou seu sistema de taxas de juros para um sistema mais baseado no mercado e também deixou de intervir formalmente na moeda, embora ainda tenha várias ferramentas à sua disposição. O banco central prometeu na sexta-feira intensificar os esforços para estabilizar o yuan depois que a moeda se aproximou do menor nível em 15 anos.

O que a Bloomberg Economics diz

“Em termos de perspectiva de política imediata, o status interno de Pan, as tensões estruturais causadas por dívida alta e excesso de capacidade que limitam a margem de manobra do Banco Popular da China, e a necessidade de obter consenso sobre mudanças importantes na política significam que a continuidade é a aposta mais segura... O currículo tecnocrático de Pan e sua experiência de mercado e internacional, relativamente fortes em comparação com a maioria das opções alternativas, devem aliviar os temores de uma tomada política do Banco Popular da China.”

— Tom Orlik, economista-chefe da Bloomberg Economics

Como a maioria dos burocratas chineses, Pan geralmente segue o roteiro oficial quando está em destaque. Uma de suas observações mais animadas foi feita em 2017, durante a repressão de Pequim às criptomoedas.

“Se você sentar à beira do rio e observar, um dia o cadáver do Bitcoin vai flutuar na sua frente”, disse ele em um evento, segundo a mídia local.

Como vice-presidente do Banco Popular da China, Pan foi o responsável por impor restrições ao mercado imobiliário em rápido crescimento da China.

Em 2020, ele foi creditado por introduzir a chamada política das “três linhas vermelhas”, um conjunto de medidas regulatórias destinadas a conter o endividamento excessivo de incorporadoras como a China Evergrande Group.

Devido à desaceleração da economia chinesa e ao setor imobiliário problemático, Pan pode afastar-se dessa política, segundo Rachana Mehta, co-chefe de renda fixa regional na Maybank Asset Management, disse em entrevista à Bloomberg Television. “Ele pode realmente escolher outra opção para ajudar a estabilizar o mercado imobiliário desta vez”, acrescentou ela.

As vendas de imóveis na China despencaram no mês passado, encerrando um período de quatro meses de recuperação e sugerindo que o vasto mercado imobiliário do país está longe de se estabilizar.

Antes de ingressar no Banco Popular da China, Pan foi responsável pelos lançamentos de ações de alguns dos maiores bancos estatais da China, incluindo o Banco Agrícola da China.

A recente reorganização dos órgãos reguladores financeiros indica que o Banco Popular da China provavelmente se concentrará mais em mandatos relacionados à política monetária e estabilidade financeira, à medida que o novo regulador assume funções como a supervisão das empresas financeiras.

“Quanto à expectativa de que os papéis de presidente e representante dentro do Partido possam ser reunificados com Pan: ainda não está claro o quanto isso importaria com a nova estrutura institucional”, disse Beddor, do Gavekal Dragonomics. “O ambiente operacional do Banco Popular da China é bastante novo agora.”

--Com a ajuda de Tania Chen, Rebecca Choong Wilkins, Dorothy Ma e Jenni Marsh

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