Atentado contra Trump expõe escalada global de polarização e violência política

Dos EUA ao Brasil, da Ásia à Europa, sucedem-se os casos de ataques violentos a líderes políticos, que dizem que a situação chegou a um limite, mas reconhecem que não tem havido progresso

Uma pessoa assiste ao noticiário na TV americana sobre o atentado ao ex-presidente e atual candidato republicano Donald Trump neste sábado (13) na Pensilvânia (Foto: Al Drago/Bloomberg)
Por Alan Crawford
15 de Julho, 2024 | 05:05 AM

Bloomberg — Juntamente com o choque e a indignação pelo atentado contra a vida de Donald Trump, outra mensagem foi transmitida nas muitas declarações dos líderes mundiais: a de que algo precisa mudar.

De Abraham Lincoln a Shinzo Abe, os assassinatos políticos não são novidade: somente na década de 1960, nos Estados Unidos, foram assassinados dois Kennedys, o líder da bandeira pelos direitos civis Martin Luther King e o ativista negro Malcolm X. Mas também não há como negar que a crescente polarização testemunhada globalmente hoje está chegando à sua conclusão final na forma de atos de violência.

Vários líderes alertaram que o tiroteio de sábado (13) na Pensilvânia contra o ex-presidente americano representou um problema mais amplo enfrentado pelas democracias em todo o mundo. A retórica extrema amplificada pela mídia social está cada vez mais levando a ataques no mundo real.

“É um fenômeno que não é exclusivo dos Estados Unidos”, disse o primeiro-ministro australiano Anthony Albanese a jornalistas no domingo (14). “Precisamos baixar a temperatura do debate. A escalada da retórica que vemos em alguns de nossos debates e discursos políticos no mundo democrático não tem nada a ver com isso.”

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Os problemas da democracia de estilo ocidental, com os EUA como exemplo gritante, é um argumento frequentemente apresentado pelas autoridades comunistas da China.

A Ásia, em particular, tem visto uma série de violência contra líderes políticos nos últimos anos, mais evidente no assassinato de Abe, ex-primeiro-ministro do Japão, em julho de 2022.

Embora o Japão tenha leis rigorosas de controle de armas, um agressor usou uma arma caseira para atirar em Abe duas vezes em um evento de campanha, tendo como alvo o líder de alto nível devido a suas ligações com uma igreja que, segundo o suspeito, teria levado sua família à falência ao pedir doações excessivas.

Alguns meses depois, o ex-líder paquistanês Imran Khan foi baleado na perna em um evento público, um ataque pelo qual ele culpou seus oponentes políticos.

Em janeiro deste ano, o líder da oposição sul-coreana, Lee Jae-myung, foi esfaqueado no pescoço em uma aparição pública. O autor do crime foi condenado a 15 anos de prisão pelo ataque a Lee, que é considerado um dos principais candidatos para a próxima votação presidencial em 2027.

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Na América Latina, o candidato presidencial equatoriano Fernando Villavicencio foi morto a tiros ao sair de um comício de campanha em agosto do ano passado. Sua companheira de chapa, Andrea Gonzalez, concorre às eleições de fevereiro de 2025 em seu lugar.

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"Somos uma geração que valoriza a liberdade, a liberdade de sair na rua sem levar um tiro", disse ela em uma entrevista recente.

O Brasil, por sua vez, testemunhou sua própria versão do motim de 6 de janeiro no Capitólio dos EUA em janeiro de 2023, quando partidários do presidente derrotado Jair Bolsonaro invadiram a capital, Brasília, depredando o palácio presidencial e outras instituições nacionais em protesto contra a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva. Anos antes, o próprio Bolsonaro sofreu uma facada durante comício em Juiz de Fora, Minas Gerais, a poucas semanas das eleições no Brasil em 2018, em que acabou vitorioso.

Na Europa, a mancha da violência também se infiltrou em uma política cada vez mais amarga, à medida que a direita nacionalista faz incursões da França à Finlândia.

Política nas urnas, não com violência

Na Eslováquia, o primeiro-ministro Robert Fico, ele próprio uma figura política polarizadora, foi baleado em uma tentativa de assassinato em maio. Em sua resposta ao atentado contra Trump, o presidente do país, Peter Pellegrini, alertou sobre a escalada da violência política em todo o mundo, dizendo que a política deve ser decidida “nas seções eleitorais, e não por meio de tiros nas ruas”.

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A violência deve ser condenada com veemência e a justiça deve ser feita, disse Pellegrini, "para que as pessoas não percam a confiança na democracia e nas instituições democráticas do Estado e não comecem a fazer 'justiça' com as próprias mãos".

O presidente Joe Biden, em pronunciamento à nação diretamente da Casa Branca na noite de domingo (14), reiterou o tom da véspera e disse a violência é inaceitável e que as diferenças políticas que existem, incluindo aquelas entre os dois candidatos nas eleições, devem ser resolvidas nas urnas.

É difícil saber se alguém está ouvindo tais apelos. O choque do momento é certamente cru, mas a ambição política tem seu próprio impulso.

O presidente da Polônia, Andrzej Duda, um aliado de Trump, descreveu a tentativa de assassinato como "um momento chocante" para o mundo, enquanto seu nêmesis político, o primeiro-ministro Donald Tusk, disse que a violência "nunca é a resposta" para as diferenças políticas. "Tenho certeza de que isso é uma coisa com a qual todos podemos concordar", acrescentou Tusk.

Provavelmente, também é cedo demais para dizer o que isso significa para os esforços de Trump para reconquistar a Casa Branca, embora muitos partidários e também analistas já vejam o tiroteio como um reforço para suas chances, com o aumento das apostas em uma vitória de Trump em novembro.

O que está claro é que a imagem de um candidato em posição de desafio, ensanguentado, mas não abalado, é um contraste potente com o hesitante e, às vezes, aparentemente confuso Joe Biden, cuja idade - 81 anos - se tornou o fator definidor de sua campanha para um segundo mandato.

Ian Bremmer alerta para mais violência

Ian Bremmer, presidente da consultoria de risco político Eurasia Group, disse em análise enviada a clientes que é essencial que todos no espectro político americano denunciem a violência.

“Idealmente, isso deve ser feito de maneira bipartidária, no Congresso, na Câmara e no Senado. Não com posts, comentários e tuítes individuais, mas com a totalidade de uma sessão conjunta que condene [a violência] e trabalhe pela paz”, escreveu. “É disso que o país precisa.”

Bremmer destacou dados de pesquisa segundo a qual “quase 25% dos americanos concordam que ‘patriotas podem ter que recorrer à violência para salvar nosso país’, enquanto ‘75% acreditam que a democracia americana está em risco na eleição presidencial de 2024.’”

Diante desse cenário, e com avaliação de que o extremismo político e a desinformação têm sido instrumentalizados por meio do cenário midiático, especialmente das redes sociais, Bremmer disse que a tentativa de assassinato de Trump significa que “devemos estar preparados para mais violência”.

Temores também na Europa

Em suas reações, alguns líderes ecoaram o desafio do campo de Trump após o tiroteio, comparando o incidente dos EUA à sua situação política interna. Geert Wilders, o líder anti-imigração do maior partido do governo da Holanda, foi um dos mais incisivos.

"O que aconteceu nos EUA também pode acontecer na Holanda", postou ele no X. "Não subestime isso." Embora Wilders não tenha mencionado incidentes específicos, ele pode ter se referido a Pim Fortuyn, o político libertário e anti-islâmico que foi assassinado por um radical de esquerda em 2002.

O “ódio” contra os políticos de direita é “sem precedentes”, disse Wilders. “A retórica de ódio de muitos políticos de esquerda e da mídia, que rotulam os políticos de direita como racistas e nazistas, não é sem consequências. Eles estão brincando com fogo.”

A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, que chegou a cortejar Trump, sabe uma ou duas coisas sobre a violência política em seu próprio país, que na década de 1970 viu uma onda devastadora de terrorismo de extrema esquerda e extrema direita.

O assassinato do juiz antimáfia Paolo Borsellino, há três décadas, foi visto como um ponto de virada na política italiana - exceto pelo fato de ter levado à ascensão de Silvio Berlusconi, que é considerado como um modelo inicial para Trump.

“No debate político, em todo o mundo, há limites que nunca devem ser ultrapassados”, disse Meloni no X. “É um aviso a todos, independentemente da afiliação política, para restaurar a dignidade e a honra na política, contra todas as formas de ódio e violência, e para o bem de nossas democracias.”

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Um dos eventos políticos mais polarizadores dos últimos tempos foi testemunhado no Reino Unido em relação à filiação do país à União Europeia. A decisão chocante de sair da UE no referendo do Brexit de junho de 2016 foi contra a lógica econômica e a política predominante e um momento decisivo de desafio dos eleitores, algo que serviu como presságio da vitória de Trump mais tarde naquele mesmo ano.

Uma semana antes do referendo, a deputada trabalhista pró-Europa Jo Cox foi baleada e esfaqueada até a morte em seu distrito por um agressor de extrema direita. A irmã de Cox, Kim Leadbeater, agora também deputada trabalhista, fez uma das contribuições mais pessoais para o debate sobre um caminho a seguir, dizendo à BBC no domingo que não foi feito o suficiente para combater a violência política.

A violência, as ameaças, o abuso e a intimidação têm "um impacto profundamente preocupante em nossa democracia", disse ela. "Temos que ter essa conversa sobre como é uma democracia civilizada. Tenho tido essa conversa desde que Jo foi morta. Infelizmente, sinto que não estamos progredindo muito."

- Com a colaboração de Alex Wickham, Daniel Ten Kate, Cagan Koc, Ben Westcott, Andrea Dudik, Natalia Ojewska, Amy Bainbridge e Flavia Rotondi.

- Com informações da Bloomberg Línea.

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