Bloomberg — Para simbolizar o caos que envolve o comércio mundial desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou à Casa Branca, basta olhar para uma pilha de 16.000 toneladas de tubos de aço.
Estivadores na Alemanha deveriam estar preparando o embarque do primeiro lote em um navio porta-contêineres com destino a um grande projeto de energia no estado americano da Louisiana.
Em vez disso, a carga está parada em um armazém alemão depois que Washington propôs implementar tarifas de milhões de dólares sobre navios chineses que atracam nos EUA.
As negociações sobre os termos para o envio dos tubos foram suspensas até que haja mais clareza, disse Jose Severin, gestor de desenvolvimento de negócios no Mercury Group, provedor de logística para o acordo.
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Para essa rota específica pelo Atlântico, 80% dos navios do armador foram construídos na China, o que significa que o envio estaria sujeito a uma sobretaxa entre US$ 1 milhão e US$ 3 milhões.
Dependendo de como a medida for aplicada, isso poderia chegar ao dobro ou triplo do custo atual de envio dos tubos de aço da Alemanha.
É um dos inúmeros negócios impactados pelo fogo cruzado desencadeado por uma proposta do US Trade Representative (USTR) visando conter o domínio da China na construção naval, logística e indústria marítima.
A China agora produz mais da metade dos navios de carga do mundo por tonelagem, acima dos apenas 5% em 1999, de acordo com o USTR, com o Japão e a Coreia do Sul sendo as outras potências da construção naval.
No ano passado, os estaleiros dos EUA construíram apenas 0,01%, e o USTR está de olho em reviver as fortunas da adormecida indústria de construção naval mercante dos EUA.
O domínio da China lhe dá “poder de mercado sobre o fornecimento global, preços e acesso”, disse o USTR em 21 de fevereiro, quando revelou a proposta.
Em resposta, a China State Shipbuilding, que detém a maior carteira de pedidos do setor no mundo, descreveu as medidas como uma violação das regras da Organização Mundial do Comércio.

O assunto estará no centro de uma audiência de dois dias do USTR em Washington, que começa nesta segunda-feira.
Toda a cadeia de suprimentos será representada, desde produtores de soja a armadores e estaleiros chineses. Dezenas de empresários e grupos comerciais explicarão por que temem que as propostas atrapalhem o comércio global mais do que a abordagem de tarifas do presidente dos EUA, Donald Trump.
“Eles veem isso como uma ameaça maior do que as tarifas, devido ao impacto que terá na cadeia de suprimentos”, disse Jonathan Gold, vice-presidente de cadeias de suprimentos e política alfandegária da Federação Nacional do Varejo.
“As transportadoras disseram que não só vão repassar o custo, mas vão sair de certas rotas, portanto os portos menores, como Oakland, talvez Charleston, Delaware, Filadélfia. Todos eles vão sofrer com isso.”
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Em cartas ao USTR e entrevistas à Bloomberg News, empresários e autoridades da indústria disseram que as propostas não fazem sentido, se o objetivo é reviver a indústria de construção naval nacional, e seriam potencialmente devastadoras para a economia dos EUA.
Eles argumentam que isso tornaria os produtos americanos muito caros internacionalmente, desviaria o comércio dos centros regionais dos EUA para o Canadá e o México, sobrecarregaria os principais portos dos EUA e forçaria o aumento das taxas globais de frete e a inflação doméstica.
As taxas poderiam teoricamente gerar entre US$ 40 bilhões e US$ 52 bilhões para os cofres dos EUA, de acordo com a Clarksons Research Services, uma unidade da maior corretora de navios do mundo.
Contudo, já perturbadas pela incerteza sobre as tarifas crescentes sobre produtos chineses, aço e alumínio, e com uma nova rodada de medidas recíprocas esperadas para 2 de abril, algumas empresas americanas e outras na indústria estão ansiosas.
“O que o USTR propôs — uma taxa retroativa e multimilionária por escala no porto — não funcionará”, disse Joe Kramek, CEO do Conselho Mundial de Transporte Marítimo, que deve depor na segunda-feira.
“Isso servirá apenas para penalizar os consumidores, empresas e, especialmente, os agricultores dos EUA, aumentando os preços e ameaçando empregos”, acrescentou Kramek.
John McCown, um veterano do setor de transporte marítimo e autor de uma história do transporte de cargas, colocou a questão de forma mais clara: “Se alguém quisesse dar um golpe de marreta no comércio, faria o isso. Você pega tudo junto - é como um apocalipse para o comércio”.

A proposta também exige que uma parcela dos produtos americanos - incluindo produtos agrícolas, químicos, energéticos e de consumo - seja transportada em navios de bandeira, tripulação e construção americanas nos próximos anos.
Muitas transportadoras e operadoras dizem que ficariam felizes em comprar ou contratar navios mercantes construídos nos EUA, mas que levaria décadas para que os estaleiros americanos atendessem às demandas de capacidade e que já há uma escassez de marinheiros americanos.
Ao mesmo tempo, as taxas portuárias puniriam as transportadoras pelos investimentos que já fizeram em navios construídos na China.
Vários executivos do setor acreditam que a proposta provavelmente será enfraquecida, dado o grau de perturbação que ela causaria no comércio mundial.
Os ajustes nas taxas e nos requisitos de exportação certamente poderiam ser feitos. Poderiam até mesmo ser descartados, dado o caráter mercurial de algumas decisões do governo.
No entanto, os grupos de lobby do setor insistem que há boas razões para pensar que pelo menos parte disso será mantida.
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A ideia de restaurar o setor de construção naval dos EUA para firmar a influência do país no mar cativou Trump e se encaixa em seu esforço mais amplo para retornar aos dias de glória da manufatura americana. Ele já criou um novo escritório de diretoria marítima dentro do Conselho de Segurança Nacional.
Em Washington, o setor marítimo agora é visto como um pilar essencial da segurança nacional, uma mudança que ainda está ganhando força.
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