Bloomberg Línea — Ganhou repercussão no noticiário nos últimos dias: o hino americano, o Star-Spangled Banner, foi vaiado pelo público presente em jogo da seleção americana de hóquei no gelo na última quinta-feira (13) em Montreal, no Canadá. Depois da partida, jogadores não esconderam o desconforto com o episódio.
Pode não ter sido apenas um caso fortuito.
A volta de Donald Trump à presidência americana e o retorno do sua política de colocar o país Estados Unidos em primeiro lugar - o chamado “America First” -, desta vez de maneira mais agressiva e em constante tom de ameaça e intimidação, são o receituário mais potente para destruir a imagem do país perante o resto do mundo.
Esta é a avaliação de Simon Anholt, consultor e pesquisador britânico que cunhou o termo conhecido como “nation branding” e que há mais de duas décadas estuda como as nações são vistas internacionalmente, bem como a importância e os impactos dessa imagem externa.
“Seu comportamento parece calculado para causar o máximo de dano possível à posição dos EUA entre amigos e inimigos”, disse Anholt em entrevista à Bloomberg Línea.
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“É quase como se ele tivesse lido meu livro sobre o tema e deliberadamente feito exatamente o oposto de tudo que identifico como sendo bom para a imagem internacional de um país”, explicou.
Anholt é um dos pesquisadores pioneiros em estudos sobre imagem internacional, reputação e a influência da percepção global de um país em sua posição econômica e política no mundo.
Ele cunhou o termo “nation branding”, ou “marca país” em tradução livre, que equipara a imagem de uma nação à de uma marca comercial, e passou décadas analisando como as nações cultivam e mantêm suas imagens na arena global. A área de pesquisa acaba de celebrar 20 anos com a publicação de uma edição especial da revista acadêmica Place Branding and Public Diplomacy, na qual Anholt reflete sobre os avanços e o futuro desses estudos.
Seu trabalho moldou significativamente como governos, formuladores de políticas e acadêmicos abordam a complexa relação entre identidade, diplomacia e crescimento econômico.
E isso não se trata “apenas” da imagem em si, como explica o pesquisador: países com imagens positivas atraem mais investimentos estrangeiros, turistas, imigrantes e clientes para seus produtos e serviços; e são capazes de fazer isso com margens maiores, como um “prêmio de risco”; e seus compromissos diplomáticos, culturais e sociais com outras populações, governos e mídia são mais produtivos.
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Uma das formas como ele tangibilizou o trabalho se deu por meio do Anholt Nation Brands Index (NBI), uma pesquisa de opinião global que mede as opiniões de pessoas de diferentes partes do mundo sobre 70 países.
Com o índice, ele construiu um vasto banco de dados que hoje conta com quase um bilhão de pontos de informações, que rastreia como pessoas ao redor do mundo enxergam diferentes nações ao longo do tempo.
Essa perspectiva permitiu que Anholt fosse capaz de observar a evolução das reputações nacionais, incluindo o impacto causado por mudanças de liderança, crises globais e decisões políticas.
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É a partir dessa experiência que ele analisa as políticas do novo governo dos EUA.
Segundo Anholt, o primeiro governo de Trump já havia alterado a imagem dos EUA de forma drástica. Ele apresenta dados que mostram que a reputação internacional dos EUA sofreu um declínio histórico sob Trump de 2016 a 2020, com a imagem do país em queda de mais de 5% no NBI — a mais significativa em um único período de quatro anos para qualquer nação na história do índice, segundo ele.
Para Anholt, a abordagem “America First” foi uma estratégia autodestrutiva que minou o chamado soft power, além das perspectivas comerciais e da influência global dos EUA.
Na entrevista a seguir, o pesquisador oferece ainda um exame da visão internacional sobre o Brasil, que descreve como um país com uma “imagem de superpotência” — que excede em muito sua influência geopolítica. Ele alerta, entretanto, que essa boa vontade global não é garantida e deve ser cuidadosamente administrada pelo governo - qualquer que seja.
Para Anholt, a imagem de uma nação não é algo que pode ser manipulado apenas por meio de slogans ou exercícios de branding. Em vez disso, é um reflexo de como um país se comporta, de suas contribuições para o mundo e da consistência de sua liderança.
Leia abaixo a entrevista de Simon Anholt à Bloomberg Línea, editada para fins de clareza e compreensão:
O quanto você avalia que Donald Trump pode mudar a imagem internacional dos EUA?
Muito. Seu comportamento parece calculado para causar o máximo dano possível à posição dos EUA entre amigos e inimigos. É quase como se ele tivesse lido meu livro “The Good Country Equation” [em que Anholt apresenta como um país pode melhorar sua reputação internacional] e deliberadamente feito exatamente o oposto de tudo que identifico como sendo bom para a imagem internacional de um país.
Isso poderia não importar se essas fossem apenas minhas opiniões pessoais, mas não o são. São observações baseadas em quase 1 bilhão de data points que medem as imagens de mais de setenta países ao longo de vinte anos coletados pelo Anholt Nation Brands Index (NBI), uma pesquisa que realizo todos os anos para medir as percepções internacionais dos países.
Durante a primeira presidência de Trump, a imagem global dos Estados Unidos caiu 5,2%, o que pode não parecer um número grande, mas foi de longe a maior pontuação de queda de qualquer país no NBI durante o mesmo período de quatro anos, ou mesmo em qualquer período de quatro anos.
Uma característica interessante do NBI é que quase todas as imagens de países melhoram um pouco a cada ano: a mudança média de pontuação de todos os outros países no Índice entre 2016 e 2020 foi um ganho de 0,46%. Além dos EUA, apenas Brasil, Rússia e China perderam mais de 1% de suas imagens durante esse período.
Contar com Trump como presidente acarretou quase tanto dano à imagem dos EUA quanto a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin causou à da Rússia.
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E por que isso importa? Quais as consequências dessa deterioração?
A imagem nacional se converte diretamente em comércio, turismo, exportações, relações diplomáticas e culturais, migração e, consequentemente, em paz e prosperidade. Qualquer país cuja imagem esteja em declínio logo sofrerá uma perda correspondente de renda, sem mencionar o respeito de outros governos, populações e da mídia.
A única coisa que a opinião pública internacional detesta mais em outros países e governos é o comportamento egoísta: fazer guerra em vez de paz, espalhar ódio em vez de tolerância, pobreza em vez de riqueza, mentiras em vez de verdade, competição em vez de colaboração e desperdiçar recursos planetários preciosos em vez de conservá-los.
“America First” é, sem dúvida, a receita mais potente para destruir a imagem de um país idealizada por qualquer político nas últimas quatro gerações.
Você tem feito análises regulares sobre a imagem internacional do Brasil. O que pode me dizer sobre a “marca” do país depois de estudá-la por tanto tempo?
Não há dúvida de que o Brasil é um país em desenvolvimento com uma imagem de superpotência. Não quero dizer que sua imagem seja necessariamente melhor do que a realidade (embora isso seja, sem dúvida, o caso em certas áreas), mas quero dizer que um número muito grande de pessoas ao redor do mundo tem visões muito consistentes e muito positivas sobre o país, apesar do fato de o Brasil ser uma superpotência regional, e não global.
Isso está fortemente associado à questão ambiental. O conceito do Brasil (ou melhor, sua parcela da Amazônia) como “o pulmão do planeta” está profundamente enraizado na psique global. Isso confere enorme poder e enorme responsabilidade ao Brasil para que ele meça, entenda, use sabiamente e cuide de sua imagem.
Mais do que a maioria dos países, sempre que um novo governo brasileiro assume o poder, ele herda uma pesada responsabilidade de cuidar desse ativo nacional e global, cujo valor é muito superior a qualquer outra coisa que ele possui.
Qualquer governo brasileiro que trate a imagem do país como uma questão de mera comunicação está falhando não apenas com os brasileiros mas com todos no planeta.
Quais outros países oferecem casos interessantes quando se pensa em nation branding?
Todas as imagens de países que já medi no NBI, exceto a Rússia, melhoraram constantemente ao longo do tempo e estão mais fortes hoje do que em 2005. Até mesmo Israel tinha uma imagem melhor em 2024 do que em 2006 (o NBI de 2025 só vai ser publicado em outubro).
Fica muito claro pelos dados que a maioria das pessoas ao redor do mundo entende e aceita que compartilham o planeta com 200 outros países: esse efeito é um pouco mais forte a cada ano que passa e, com a familiaridade, vem a confiança e, eventualmente, a simpatia.
Essa melhoria constante não tem absolutamente nada a ver com quanto tempo, dinheiro ou esforço os governos gastam tentando fazer marketing dos seus países.
Mas alguns países - notavelmente Coreia do Sul, Arábia Saudita, Chile, Colômbia, Indonésia, Emirados Árabes Unidos - conseguiram crescer um pouco mais rápido e um pouco mais robustamente do que o resto. Isso os torna estudos de caso fascinantes: mas é ainda mais fascinante explorar por que a maioria dos países no topo do NBI — França, EUA, Reino Unido, Alemanha, Japão, Canadá, Itália, Austrália, Suíça — são os de crescimento mais lento de todos e, de fato, parecem ter parado de crescer.
De longe, a influência mais forte sobre a imagem de um país é o “humor da humanidade”, que flutua imprevisivelmente de ano para ano. Em alguns anos, todos no planeta se sentem mais positivos sobre todos os outros países; em outros anos, menos. Às vezes, é claramente porque algo estragou seu humor (como a pandemia de Covid-19, por exemplo), mas geralmente não é algo que pode ser explicado.
A tese de marketing de nações, a manipulação deliberada de percepções internacionais de países, é uma ideia falsa. Nunca vi nenhuma evidência de que isso seja possível, exceto por períodos muito longos, e certamente nunca apenas por meio de “comunicações”.
Portanto, a arte de lidar com a imagem nacional é mais como navegação do que construção: trata-se de medir e entender os ventos e as marés da opinião pública e usá-los para chegar ao seu destino, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis. É sempre um erro tentar dominar as forças da natureza. Elas devem primeiro ser temidas, depois cuidadosamente aprendidas e, finalmente, habilmente aproveitadas.
A Arábia Saudita começou recentemente a tentar mudar sua imagem internacional. O país investe muito em esportes e tenta estimular o turismo. Quão eficaz é essa estratégia?
É uma estratégia muito eficaz. Trata-se de uma das marcas de país de crescimento mais rápido na história do NBI. A Arábia Saudita tem a enorme vantagem de vir de um ponto de partida muito baixo (um país que era desconhecido para o resto do mundo pelos últimos cem anos) e, portanto, era genuinamente um “livro fechado” antes de começar a se abrir.
Ainda precisa lidar com um efeito de marca regional um tanto negativa (a maioria das pessoas ao redor do mundo não tem preconceitos positivos em favor dos países do Oriente Médio) e outras influências negativas, mas, assim como os Emirados Árabes Unidos e o Qatar, as pessoas começam a entender que esses países são potencialmente uma presença muito mais benigna na comunidade internacional do que esperavam.
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Você publicou recentemente o artigo acadêmico “Place branding: has it all been a big misunderstanding?”, em que questiona se a ideia de tratar a imagem de um lugar como uma marca foi mal-entendida. O que acha do estado atual da pesquisa de marca de lugar no mundo?
Estou muito satisfeito em notar que mais e mais agências de “place branding” começaram a enfatizar que não se pode mudar a imagem de um país por meio de comunicações de marketing. Dizer que “não se trata de logotipos ou slogans” se tornou um clichê (embora elas sejam em sua maioria silenciosas quando se trata de explicar do que se trata). E em mais e mais países, particularmente na região nórdica, notei que meu outro conceito, de “bom país” [que avalia o quanto um país faz pelo bem da humanidade] parece ganhar força.
Mais e mais países enfatizam suas contribuições para a humanidade em vez de seu sucesso ou realizações nacionais. É um passo na direção certa, mesmo que simplesmente se gabar de quão “bom” você é seja, de certa forma, ainda pior do que se gabar de quão bem-sucedido você é. É preciso provar isso constantemente por meio de ações.
O conceito de marca-país realmente se tornou um mal-entendido? O que as pessoas erram ao tratar dele?
Basicamente, as pessoas confundiram o conceito de “marca” (ou seja, imagem) com “branding” (ou seja, mensagem). A razão pela qual cunhei o termo “nation branding” foi porque eu queria enfatizar o quão importantes as percepções sobre os países se tornaram em uma era de globalização avançada, mas a palavra “marca” implica que as percepções podem ser deliberadamente manipuladas com o uso de técnicas de comunicação de marketing.
Eu não acho que esse mal-entendido seja acidental. Ele serviu tanto para agências de comunicação quanto para governos buscarem convencer uns aos outros de que melhorar a imagem de um país é muito fácil, muito rápido e muito caro. Na minha experiência, o oposto é verdadeiro: é extraordinariamente difícil e leva muito tempo, mas não precisa custar muito dinheiro.
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Qual é a sua opinião sobre os usos práticos da marca nacional e local? Como países e cidades adotam essa abordagem?
O principal propósito prático sempre foi muito simples: países com boas imagens atraem mais investimentos estrangeiros, turistas, imigrantes e clientes para seus produtos e serviços; eles podem fazer isso com margens maiores; e seus compromissos diplomáticos, culturais e sociais com outras populações, governos e a mídia são mais fáceis e produtivos.
Simplificando, países com boas imagens negociam com um prêmio; países com imagens ruins ou fracas negociam com um desconto. Existem efeitos secundários que são mais difíceis de medir, mas de certa forma mais interessantes.
Uma boa imagem proporciona aos países a capacidade de encorajar outros a trabalhar juntos para enfrentar os grandes desafios do nosso tempo. Dada a atual moda internacional de governança egoísta, chauvinista e introspectiva, a “tragédia dos comuns” corre o risco de definir nossa era.
Embora você tenha críticas à maneira como algumas pessoas pensam sobre a marca de um lugar, ainda acredita que entender a imagem de um lugar é importante, certo? Por que isso acontece e como os lugares devem pensar sobre sua imagem ou “marca”?
Quando comecei nessa área, o principal desafio que tive com governos foi que eles tinham a tendência de considerar a imagem como algo superficial e relativamente sem importância. Os governos frequentemente insistiam que, como políticos eleitos, sua responsabilidade era em relação à “realidade”, e não à “percepção” (esta é, claro, uma distinção sem sentido, já que, como seres humanos, nosso único meio de lidar com a realidade é por meio de nossas percepções dela).
Hoje, ao lidar com uma nova geração de formuladores de políticas públicas que vêm de uma formação em jornalismo ou relações públicas, em vez de história ou direito, frequentemente me deparo com o problema oposto: eles estão interessados apenas em percepções e tenho dificuldade em fazê-los se concentrar na realidade. A boa governança consiste, em parte, em manter um equilíbrio saudável entre os dois, mas isso raramente é encontrado.
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