‘Acordo de Mar-a-Lago’? Por que Wall St debate possível novo Bretton Woods com Trump

Possibilidade de Trump rever a ordem financeira global, para evitar uma valorização excessiva do dólar e tornar a indústria dos EUA mais competitiva, tem sido tema de discussões entre investidores

Mar-A-Lago
Por Liz Capo McCormick
23 de Fevereiro, 2025 | 05:51 PM

Bloomberg — Parece radical demais para merecer um segundo pensamento, mas o conceito já circula em Wall Street. A ideia é que o presidente Donald Trump poderia forçar alguns dos credores estrangeiros dos Estados Unidos a trocar seus títulos do Tesouro por títulos de ultra longo prazo para aliviar o ônus da dívida do país.

O chamado “Acordo de Mar-a-Lago”, apelido em referência à propriedade de luxo de Trump na Flórida, foi o assunto da discussão de Jim Bianco, presidente da Bianco Research com seus clientes na última quinta-feira (20).

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Para ser claro, Bianco não acredita que isso vá acontecer tão cedo, se é que vai acontecer algum dia. Mas, de certa forma, isso não vem ao caso.

O estrategista disse que Trump poderia muito bem derrubar toda a ordem financeira global nos próximos quatro anos, e Wall Street precisa estar preparada.

A ideia de reestruturar drasticamente a carga de dívida dos Estados Unidos faz parte da agenda da equipe de Trump para renovar o comércio global por meio de tarifas, enfraquecer o dólar e, por fim, reduzir os custos de empréstimos

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O objetivo final é colocar a indústria dos Estados Unidos em pé de igualdade com o resto do mundo, disse Bianco, um veterano do mercado com mais de três décadas e fundador da Bianco Research.

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Outros elementos do plano incluem a criação de um fundo soberano - que Trump já colocou em ação - e forçar os aliados dos Estados Unidos a arcar com uma parcela maior de gastos com defesa.

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“Os senhores precisam começar a pensar grande e ousadamente sobre o que está acontecendo aqui”, disse Bianco aos ouvintes durante o webinar de aproximadamente uma hora de duração. “O ‘Acordo de Mar-a-Lago’ é um conceito. É um plano para basicamente refazer parte do sistema financeiro.”

O termo “Acordo de Mar-a-Lago” é uma brincadeira que faz referência ao Acordo Plaza de 1985 e, antes disso, ao Acordo de Bretton Woods de 1944, ambos marcos importantes no estabelecimento do sistema econômico global moderno. Cada um recebeu o nome dos resorts onde foram negociados.

Muitas das ideias por trás da agenda vêm de um documento de novembro de 2024 de Stephen Miran, indicado por Trump para liderar o Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca.

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Nele, o ex-funcionário do Tesouro traçou um roteiro para reformar o sistema de comércio global e eliminar os desequilíbrios econômicos causados pela “persistente sobrevalorização do dólar”.

O documento também afirma que “o desejo de reformar o sistema de comércio global e colocar a indústria americana em condições mais justas em relação ao resto do mundo tem sido um tema consistente para o presidente Trump há décadas”.

Bianco disse que essa visão não está necessariamente em conflito com a do Secretário do Tesouro Scott Bessent, que disse na quinta-feira na Bloomberg Television que “os Estados Unidos ainda têm uma política de dólar forte”.

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“É hora de levar mais a sério o risco de o governo Trump orquestrar um dólar mais fraco. O governo Trump tem uma propensão para manobras ousadas e de alto risco”, afirmou Simon Flint, estrategista macro da Bloomberg.

Isso porque, embora os Estados Unidos possam buscar um dólar mais fraco ponderado pelo comércio como forma de reduzir o déficit comercial, os indicadores financeiros do dólar, como o Bloomberg Dollar Spot Index, podem se fortalecer ao mesmo tempo. Esse indicador subiu 2,3% desde a vitória de Trump nas eleições de novembro.

“Stephen Miran e Scott Bessent parecem estar cantando o mesmo hino”, disse Bianco. “Espera-se que toda a ideia seja diminuir o valor do dólar, diminuir o valor das taxas de juros, reduzir o ônus da dívida do país. E é isso que eles estão tentando fazer.”

Bianco, assim como o artigo de Miran, fez referência ao trabalho do ex-estrategista do Credit Suisse Group AG, Zoltan Pozsar, que há vários anos vem pedindo uma reformulação de “Bretton Woods III” como parte de sua teoria de que o dólar desempenhará um papel muito menos dominante nas finanças globais nas próximas décadas.

Uma das principais ideias de Pozsar é que outras nações deveriam pagar mais pela segurança e estabilidade proporcionadas pelos Estados Unidos. Uma maneira de fazer isso seria trocar alguns de seus títulos do Tesouro por títulos de cupom zero de 100 anos, não negociáveis.

Se essas nações precisassem de dinheiro rapidamente, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) poderia disponibilizá-lo temporariamente por meio de um mecanismo de empréstimo.

Bianco enfatizou que esse tipo de troca de dívida pode não acontecer de fato e que, se os Estados Unidos o fizessem, isso exigiria uma cooperação internacional significativa e poderia afetar a estabilidade financeira global.

Até o momento, os investidores em títulos estão mostrando poucos sinais de preocupação, com as negociações no mercado de títulos do Tesouro particularmente calmas nos últimos dias.

Ainda assim, o objetivo de discutir essas ideias com os clientes é enfatizar a magnitude das possíveis mudanças previstas, disse Bianco.

“Leve-as a sério, não as leve ao pé da letra”, disse ele referindo-se à ideia de troca de dívida e a algumas das propostas mais radicais de Trump em geral. “Se Trump está disposto a explodir a Otan, por que não estaria disposto a explodir o sistema financeiro?”

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