Bloomberg Línea — As políticas comerciais de Donald Trump estão “fadadas a elevar as tarifas médias a níveis históricos”, o que se refletirá diretamente nos preços das ações, dada a onda de volatilidade gerada após os anúncios, disse Aitor Jauregui, diretor para a América Latina da BlackRock (BLK), em entrevista à Bloomberg Línea.
O pacote de tarifas recíprocas anunciado por Trump no último dia 2 continua a repercutir de forma ampla nos mercados, que foram dominados nos últimos dias por volatilidade e perdas.
“No curto prazo, nossa visão na BlackRock é que acreditamos que isso vai reduzir o crescimento, ao mesmo tempo em que vai provocar um aumento da inflação”, disse Jauregui em uma entrevista por vídeo como parte do Fórum de Investimento da América Latina em Miami.
A BlackRock, maior gestora do mundo, com US$ 11,55 trilhões em ativos, prevê volatilidade até que haja uma definição mais clara da duração dessas medidas e da extensão da retaliação de outras economias.
O caso mais notório tem sido o da China, que respondeu com um pacote de medidas que inclui um imposto de 125% sobre todos os produtos importados dos EUA, controles a empresas dos EUA e uma restrição à exportação de terras raras por parte do país asiático.
Leia mais: Há demanda crescente do investidor por ativos em Brasil e México, diz BlackRock
Em meio à turbulência do mercado, o executivo da BlackRock disse que “as crescentes tensões e incertezas comerciais geraram uma venda generalizada de ativos de risco”, de modo que eles reduziram seu horizonte tático para três meses.
“Nesse contexto, diminuímos nossa exposição a ações e aumentamos nossa alocação a títulos do Tesouro dos EUA de curto prazo como um porto seguro contra a volatilidade”, disse ele.
Aitor Jauregui também observou que haverá oportunidade de investir em vários setores que poderão se beneficiar de algumas das chamadas megatendências da BlackRock.
A BlackRock identifica cinco megaforças que estão moldando o cenário econômico global.
A primeira é a divergência demográfica, que representa uma oportunidade para a América Latina devido à sua composição populacional.
A segunda é a disrupção digital e a Inteligência Artificial (IA), cujo impacto será fundamental para o desenvolvimento dos mercados de capitais e dos investimentos, e em que matérias-primas como o cobre e o lítio são essenciais para alimentar os data centers e suas fontes de energia.
A terceira megaforça é a fragmentação geopolítica, evidenciada por “um retorno ao protecionismo não visto há muitos anos”.
Leia mais: BlackRock olha fundos de pensão em estratégia para crescer no Brasil, diz líder
Em seguida, vem a transição energética, que está diretamente ligada às matérias-primas necessárias para esse processo.
A quinta é a evolução da arquitetura financeira, com um papel cada vez maior para os mercados privados e, em particular, para a dívida privada para financiar as operações de mercado.
Como proteger o patrimônio
No exercício de buscar diversificação de portfólio e proteção contra os ventos contrários, a BlackRock vê uma priorização por parte dos investidores em ouro, títulos vinculados à inflação, ações europeias, mercados emergentes e liquidez.
“Há uma clara tendência de investir em mercados privados para complementar os portfólios”, disse Jauregui.
No ano passado, a empresa fundada e liderada por Larry Fink concluiu três aquisições com foco em mercados privados e tecnologia: o fundo de infraestrutura Global Infrastructure Partners (GIP), a empresa de investimentos HPS Investment Partners e o provedor independente de dados Preqin.
Essa estratégia responde à convicção de que esses mercados desempenharão um papel cada vez mais importante nos portfólios dos clientes. “Nos EUA, também estamos começando a falar sobre carteiras-modelo que incorporam mercados públicos e mercados privados”, disse o executivo.
A BlackRock também vê uma transformação na composição dos portfólios, que tradicionalmente têm sido do modelo conhecido como 60%-40%, em ações e títulos, respectivamente.
Agora, eles veem uma tendência de que o futuro do investimento seja determinado mais por uma composição de 50% de ações, 30% de títulos e 20% de ativos privados, como infraestrutura, imóveis e crédito privado.
“Isso muda a forma como os portfólios são construídos para que sejam realmente mais diversificados, mais resilientes e possam realmente demonstrar aos investidores que estão mais bem preparados para navegar em contextos voláteis e incertos como o que estamos vivendo hoje”, observou Jauregui.
Leia mais: China revida Trump com tarifas de 84% sobre produtos americanos

Impacto sobre o crescimento
O diretor da BlackRock para a América Latina disse que se as tarifas gerais dos EUA aumentarem dos atuais níveis de 10% para um intervalo de 20% a 25%, poderá haver uma estagnação econômica significativa e até mesmo uma recessão.
“Não é nosso cenário base e não vemos isso acontecendo agora, mas, para poder responder quanto tempo isso poderia ser adiado ao longo do tempo, teremos que ver quais serão as respostas nos próximos dias”, disse Jauregui.
A entrevista foi concedida antes do anúncio da suspensão das tarifas recíprocas por 90 dias para a maior parte dos países na última quarta-feira (9).
Antes desse recuo de Trump, alguns bancos de Wall Street já previam recessão na economia americana.
O JPMorgan Chase (JPM) disse esperar “um crescimento real do PIB de -0,3%, abaixo do 1,3% anterior” em razão dos efeitos das tarifas, segundo o economista-chefe do banco nos EUA, Michael Feroli, em uma nota aos clientes na sexta-feira da semana passada (4).
Os economistas do Goldman Sachs Group (GS) também reduziram sua previsão para o crescimento do PIB no quarto trimestre de 2025 de 1% para 0,5% e aumentaram a probabilidade de recessão em 12 meses de 35% para 45%.
O cenário mais provável para a BlackRock é o de crescimento mais lento e inflação persistente, mas ainda sem recessão.
No caso da América Latina, segundo a gestora, o México apresenta um crescimento modesto, mas estável, devido à sua ligação com os EUA; o Brasil é internamente resiliente, mas vulnerável a choques externos; a Colômbia tem um crescimento dinâmico com alguma vulnerabilidade fiscal, enquanto o Chile e o Peru estão expostos aos preços do cobre e às exportações agrícolas.
No caso da Argentina, ele disse que o país pode enfrentar riscos de recessão se a aversão ao risco se ampliar ao longo do tempo.
Entretanto, ele observou que, em meio à escalada das tarifas, a América Latina está mais bem posicionada do que a Ásia no ambiente atual. “Nós temos um peso maior nos mercados emergentes do que na Ásia.”
Leia mais: Maioria dos CEOs avalia que os EUA já estão em recessão, diz Larry Fink
Efeito sobre as commodities
Aitor Jauregui destacou que o alto preço das commodities, incluindo metais como ouro (que acaba de ultrapassar a marca de US$ 3.100 e estabelecer um novo recorde), prata e cobre, é um dos motivos pelos quais eles acreditam que “a América Latina está em uma situação privilegiada”.
Por um lado, ele disse acreditar que a demanda por lítio e cobre em 2025 aumentará devido ao seu uso em aplicações de Inteligência Artificial (IA), data centers e a transição para uma economia de baixo carbono, o que beneficia países como Chile, Peru e Argentina.
“No momento, os investidores estão à procura de ativos seguros, que possam oferecer diversificação em seus portfólios diante do ruído do mercado e do aumento da volatilidade”, disse Jauregui.
O ouro se posiciona como um dos principais metais e ativos que contribuem para a redução da correlação dos retornos e oferece um equilíbrio entre risco e retorno para os investidores. “Estamos vendo isso com o preço do ouro como um ativo defensivo, e também com o da prata.
Leia também
Bancos perdem US$ 700 bi em valor de mercado em uma semana com tarifas de Trump
Howard Marks, da Oaktree, vê semelhanças entre as tarifas de Trump e o Brexit
Ray Dalio vê colapso ‘único na vida’ da ordem econômica mundial