Bloomberg Línea — O mercado de crédito privado no Brasil deve apresentar um volume recorde de emissões de debêntures neste ano, na medida em que continua a evoluir e retorna à normalidade, apesar de mudanças importantes nas regras para diferentes produtos anunciadas pelo governo nos últimos meses.
Com o mercado “ajustado” na comparação com o turbulento ano de 2023, há menos casos de ganhos evidentes com a compra de títulos, mas, por outro, há muito mais oportunidades de emissões. Com menos risco. Essa é a avaliação de Eduardo Arraes, sócio e responsável pelos fundos de crédito privado da BTG Pactual Asset Management, em entrevista à Bloomberg Línea.
“O desafio deste ano é manter a performance e procurar boas alocações. Mas ainda dá para encontrar boas operações com bem menos risco, porque os fundamentos das companhias estão melhores”, disse o gestor, que comanda um segmento que conta com cerca de R$ 80 bilhões em ativos sob gestão (AuM) em cerca de cem fundos (veja mais abaixo) na instituição.
Leia mais: Yields estão no maior patamar da última década, mas é preciso cautela, diz Oaktree
“Há espaço para fechar os spreads [prêmio de risco], que estão ainda estão acima dos níveis de 2019, que foi o melhor momento nos últimos cinco anos”, disse Arraes, citando que ainda estão cerca de 50 pontos base acima nessa comparação. A tendência é que haja uma redução gradual, de forma marginal.
“Vai ser um ano de carrego [dos títulos], de taxa média da carteira”, disse. “Mas nós somos muito focados em ativos líquidos, em girar a carteira. Comprar operações quando elas são emitidas e vender alguns meses depois com um ganho pequeno no spread”, explicou sobre a gestão ativa da casa.
“Olhamos emissões que saem com um spread um pouco mais alto do que achamos que vai ser vendido depois no mercado secundário.” Quando o spread cai, sobe o valor de face do ativo negociado.
No caso do fundo mais antigo, que tem pouco mais de dez anos, com cerca de R$ 3 bilhões em patrimônio, o volume de compra e venda em 2023 foi equivalente a R$ 3 bilhões, “como se tivéssemos girado toda a carteira, embora, obviamente, nem todas as operações tenham sido vendidas”, disse.
Segundo ele, a expectativa é que não haja surpresas negativas como no ano passado, na medida em que os casos mais imediatos de necessidade de reestruturação já são conhecidos do mercado.
“Há companhias que estão fazendo o seu trabalho para melhorar a sua situação de liquidez. Além disso, o mercado está mais favorável e muito mais líquido: há empresas acessando o mercado de ações, e outras, o bancário, diferentemente do ano passado, em que não havia para onde correr.”
Arraes destacou que há mais empresas e setores que estão emitindo, o que ajuda na composição de um portfólio mais diversificado e equilibrado.
“O setor de energia é historicamente, de longe, o mais relevante do mercado [de emissões]. No ano passado, houve um movimento de empresas de saneamento, que continua neste ano. E a minha visão é que, olhando para frente, setores que já estão no mercado ficarão mais relevantes, como locação de veículos, saúde, infraestrutura sem contar energia”, disse o sócio da asset do BTG Pactual (BPAC11).
Ele apontou ainda que bancos podem retomar o ritmo de emissões de letras financeiras.
Arraes disse que os spreads das emissões recuaram e se aproximaram de níveis históricos neste começo de ano, em um cenário distinto ao de 2023, em que mesmo empresas bem avaliadas, com baixo nível de risco, emitiram com taxas mais altas.
No ano passado, com o mercado mais cauteloso, especialmente depois do caso Americanas (AMER3) e, na sequência, da Light (LIGT3) - ambas entraram em recuperação judicial nos primeiros meses do ano -, a demanda por títulos recuou e isso obrigou empresas a ampliar o spread para conseguir captar.
O aumento do risco se traduziu também em maior volatilidade, o que, por outro lado, abriu oportunidades para a compra de títulos com preços atrativos. Arraes destacou o fato de que os fundos de crédito privado da gestora encerraram o ano superando o CDI.
Por outro lado, o aumento da volatilidade também refletiu, segundo o gestor com quase duas décadas de experiência no segmento, a evolução do mercado, com ganho de liquidez e uma melhor marcação a mercado dos ativos. É um cenário muito distinto ao de dez anos atrás, por exemplo.
Neste ano, o executivo apontou que o mercado de debêntures incentivadas de infraestrutura tem sido impactado - e se beneficiado - pelas mudanças recentes adotadas pelo governo, tanto as de regras mais restritas para a emissão de LCI, LCA, CRI e CRA como também de tributação de fundos exclusivos.
Leia mais: Há demanda crescente do investidor por ativos em Brasil e México, diz BlackRock
Migração para debêntures incentivadas
“Temos visto uma migração para o mercado de isentos”, disse Arraes, pontuando que, inicialmente, a categoria mais ampla se beneficiou da discussão sobre fundos exclusivos e, de três a quatro meses depois, com as novas regras para os produtos citados, o movimento se concentrou nas incentivadas. “Acredito que ainda veremos esse efeito [de migração] ao longo do ano.”
Nesse mercado específico, as novas regras criaram uma situação em que hoje a demanda por títulos é maior do que as emissões - em razão de uma “corrida” de emissores antes das mudanças -, o que levou ao fechamento do spread a níveis abaixo da média histórica. Ainda assim, citando a gestão ativa, Arraes disse que é o segmento em que estão melhores oportunidades.
As mudanças ainda mais recentes nas regras de debêntures de infraestrutura não devem alterar o quadro geral de oportunidades e de momento positivo para o mercado, segundo o executivo.
Arraes chegou à asset do BTG Pactual há pouco mais de cinco anos, depois de ter sido responsável pela área de crédito da divisão de commodities do banco em Londres. Desde então, liderou o crescimento da área e lançou novos produtos, como fundos de debêntures incentivadas, que hoje têm cerca de R$ 2,5 bilhões em patrimônio e estratégias distintas, com indexadores como IPCA e CDI.
Ele disse que fundos de previdência com crédito privado também têm sido beneficiados do ponto de vista de demanda desde as mudanças adotadas na tributação de fundos exclusivos.
Outro produto que tem se destacado em performance é um fundo que tem cogestão entre os times de crédito e de juros e câmbio, em que o primeiro pode ter até 50% de alocação dos recursos.
Segundo ele, esses foram três produtos principais - infraestrutura, previdência e renda fixa ativa - em que a área de fundos de crédito privado da asset mais cresceu ao longo dos últimos anos.
Evolução do mercado
O sócio responsável pelos fundos de crédito privado da BTG Pactual Asset disse ter a expectativa de que esse mercado se torne cada vez maior, a exemplo do que acontece em outros países, em que supera o tamanho do que existe para fundos de ações, por exemplo.
Ele apontou que, diferentemente do quadro de alguns anos atrás, em que praticamente só fundos dedicados compravam debêntures, hoje há demanda de mais participantes no mercado.
“Antigamente se dizia que todo mundo ia para o mesmo lado, os mesmos fundos. Hoje tem multimercado que compra debênture, pessoa física, banco que tem mesa de tesouraria que negocia debênture, fundo que não carrega posição e só entra quando o spread abre e há oportunidade.”
Segundo ele, a tendência é que cada vez mais empresas emitam debêntures. “Hoje ele ainda é muito focado em empresas [com nota de crédito] triplo A ou duplo A. Não existe um mercado para high yield [com nota mais baixa e risco maior], os fundos que existem têm prazo muito maior de carência, muitos são fechados. Mesmo empresas com rating A, que não é baixo, têm liquidez reduzida”, afirmou.
No caso de títulos high yield, muitos têm resgate em D360, com um ano de carência. “É mais um mercado ‘compre e carregue’, não tem liquidez no secundário.”
Isso significa que, apesar da evolução dos últimos anos, ainda há muito espaço para melhorar.
Leia mais: Mudamos de patamar como player dominante em LatAm, diz CEO da Vinci Partners
Do ponto de vista do investidor de varejo, o gestor observou que o comportamento continua a ser o de “olhar para trás” ao decidir pela alocação (ou resgate) em vez de buscar entender as perspectivas - ainda que isso aconteça não só em fundos de crédito como de ações ou multimercados.
Citou o segundo semestre do ano passado, quando havia “uma fotografia clara de que os juros iriam começar a cair e que as empresas teriam um fluxo de caixa melhor para pagar suas dívidas”, o que se traduziu em alívio do mercado e de um movimento de fechamento dos spreads.
“Falávamos para investidores que aquele era um ótimo momento para entrar, que havia spreads muito acima da média daquela indústria, mas ninguém queria ouvir, porque olhavam os seis meses anteriores”, disse o gestor da BTG Asset, pontuando que parte do trabalho é justamente explicar esses pontos.
“Fundos de crédito têm os seus ciclos, com spreads mais altos e mais baixos. O importante é olhar o longo prazo.”
Leia também
Santander vê nova onda de ofertas de títulos corporativos no Brasil e em LatAm
BTG negocia investimento em gestora dos EUA com US$ 46,2 bi em ativos, dizem fontes