Sucessores: mudanças tributárias demandam atenção crescente das famílias

Natália Destro, do Julius Baer, Luciana de Orleans e Bragança, do Santander, e Yuri Freitas, do UBS, discutiram a evolução da indústria de gestão de patrimônio em painel no Bloomberg Línea Summit

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Bloomberg Línea — Famílias brasileiras atendidas por profissionais especializados em gestão de patrimônio em players globais estão cada vez mais atentas e preocupadas com mudanças principalmente tributárias, que se inserem em uma tendência mais ampla global.

São novas regras com potencial de gerar impacto relevante em seus patrimônios, desafiando os rumos do planejamento sucessório, em um momento em que segundas e terceiras gerações de herdeiros estão cada vez mais próximas de assumir empresas familiares.

A complexidade do cenário atual foi destacada por alguns dos principais executivos de wealth planning do país, do UBS, do Santander Brasil e do Julius Baer, no painel “Sucessores: O futuro da Gestão de Patrimônio”, na terceira edição do Bloomberg Línea Summit nesta segunda-feira (7), em São Paulo.

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Natália Destro, Head de Wealth Planning do Julius Baer, Luciana Guaspari de Orleans e Bragança, Head de Wealth Planning do private banking do Santander Brasil, e Yuri Freitas, Head de Wealth Planning para o Brasil do UBS Global Wealth Management, debateram os impactos das mudanças tributárias recém-adotadas e em discussão, bem como demandas das novas gerações, como a busca maior por projetos de filantropia e a estruturação de investimentos de impacto social.

Com o objetivo de proteger esse patrimônio diante das novas regras fiscais, há uma demanda crescente por serviços de de wealth planning para os complexos caminhos da sucessão, que envolvem de diferentes expectativas de gerações familiares a questões fundamentais como regimes de partilha de bens, mudança de residência para outros países e disposição de venda de controle de companhias.

São desafios que se colocam em momento único para esse segmento: um recente relatório preparado pelo UBS estimou em US$ 83,5 trilhões o valor de transferência de bens para as novas gerações familiares - como filhos e netos de empresários e executivos - nos próximos 20 a 25 anos no mundo.

“Entender esse movimento e a cabeça da próxima geração é condição sine qua non para uma instituição que deseja permanecer relevante nos próximos anos”, disse Freitas.

“Temos trabalhando muito com nossos times no UBS sobre a construção de governança familiar, que se destina a criar regras sobre como a família se relaciona com o patrimônio, seja uma empresa, uma aeronave, os imóveis etc., para que a passagem de bastão seja tranquila”, contou.

Atualmente, famílias brasileiras que estão entre as mais ricas do país e seus advisors analisam os impactos de alterações de regras como aumento de alíquota de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) em alguns estados, a anistia à repatriação de bens no exterior e a tributação de fundos offshore e exclusivos - esta anunciada no fim de 2023.

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São mudanças que motivam revisões patrimoniais e dúvidas das famílias sobre o melhor momento para a realização de processos sucessórios, com eventual antecipação dos mesmos.

“A multidisciplinaridade que o planejamento patrimonial passou a requerer é algo muito desafiador para muitas famílias, sejam elas com patriarcas e matriarcas mais sêniores ou aquelas que estão com uma geração mais júnior desenvolvendo pela primeira vez seus patrimônios”, disse Orleans e Bragança.

A executiva defendeu que questões que envolvem a complexidade da sucessão familiar sejam discutidas não apenas com os especialistas em gestão de fortunas como com os membros mais jovens do clã.

“Quando não se proporciona educação patrimonial e financeira, infelizmente vemos aquelas famílias entrando nas estatísticas do ditado ‘pai rico, filho nobre e neto pobre’. É um grande desafio multigeracional visando uma tomada de decisões maduras e adequadas pelas novas gerações”, disse a executiva do Santander.

Mudanças tributárias

Os executivos das três instituições globais explicaram que o quadro de mudanças tributárias no Brasil se insere em um contexto mais abrangente de alcance global de taxação de patrimônios.

Trata-se de um período marcante de rediscussão de estruturas fiscais que impactam os custos envolvidos no planejamento sucessório. As adaptações e as reações a essas mudanças tributárias ainda estão sendo assimiladas e avaliadas pelas famílias, segundo eles.

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A head de wealth planning do Julius Baer analisou, por exemplo, os impactos da Lei 14.754, que reformula a tributação de offshores e fundos fechados, homologada em dezembro passado.

A medida estabeleceu a tributação anual dos rendimentos financeiros obtidos por meio de offshores e fundos fechados, colocando fim à prática de adiar o pagamento do imposto de renda sobre juros e outros rendimentos, uma estratégia frequentemente adotada por famílias ultrarricas.

“Essa lei veio seguindo uma tendência mundial. O Brasil era um dos poucos países onde havia a chance de diferimento em recursos no exterior e fundos fechados no país. Com a tributação dos fundos fechados, as famílias ficaram ansiosas sobre a melhor alocação de seus recursos. Precisamos fazer cálculos, projeções e sentar com as famílias para endereçar o planejamento sucessório”, afirmou Destro.

A reforma tributária, aprovada no ano passado, também está na ordem do dia. Segundo a executiva do Julius Baer, as atenções se voltam para a fase de regulamentação da reforma, como a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e eventuais novos fatos geradores de ITCMD.

“Temos sentado com as famílias e alertado sobre esses projetos que podem ser aprovados neste ano com vigência já no ano que vem, em uma velocidade muita rápida, talvez com um tempo muito curto para se planejarem. Precisamos ver o que precisa ser feito, o que faz ou não sentido em cada caso”, disse.

Outro tema na agenda das famílias e de seus gestores e planejadores de patrimônio é a expectativa de tributação de dividendos no Brasil, apontou o head de wealth planning do UBS.

“As pessoas que estão neste palco têm emprego garantido pelos próximos dez ou vinte anos, porque são muitas mudanças em jogo, sejam tributárias, sejam do Código Civil”, disse o head do UBS.

Novo Código Civil em discussão

Há outras mudanças com impacto amplo que entram no radar das famílias, segundo os especialistas.

Eles citaram o anteprojeto do Código Civil em discussão no Congresso Nacional, com propostas de mudanças que passam pelo casamento, regulação de empresas e contratos, além de regras de sucessão e herança. Não há ainda previsão sobre votação dessa matéria.

Uma das temáticas em discussão no anteprojeto é a possiblidade de exclusão do cônjuge como herdeiro necessário, situação prevista e adotada na legislação de outros países.

“No anteprojeto, o Judiciário brasileiro teria a opção de direcionar o usufruto de algum patrimônio familiar para aquele viúvo ou viúva, que deixou de ser herdeiro, mas que precisaria de subsídio financeiro e econômico do patrimônio familiar na falta do cônjuge”, disse a executiva do Santander.

Segundo Luciana Guaspari de Orleans e Bragança, outro tema em discussão é a regulamentação maior para a reprodução assistida, como o uso do material genético pós-falecimento.

“O direito acompanha a sociedade e vem a reboque trazendo as maneiras de regulamentar as novidades. Esses dois temas interferem na organização patrimonial”, afirmou Bragança.

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