Quanto se deve ganhar para ser das classes mais altas na América Latina?

Em 2022, os índices de pobreza na América Latina estavam acima dos níveis pré-pandemia, enquanto a riqueza privada aumentou em US$ 2,4 trilhões

Vista da Cidade do México, uma das grandes economias da América Latina, mas que também enfrenta a desigualdade de renda (Foto: Cesar Rodriguez/Bloomberg)

Bloomberg Línea — A América Latina é considerada uma das regiões mais desiguais do mundo, o que dificulta a superação de desafios históricos, como a pobreza e a fome, à medida que isso aumenta a distância entre os que têm recursos e os que não têm.

Estima-se que, na América Latina e no Caribe, os 10% mais ricos da população são responsáveis por 55% da renda total, enquanto os 50% mais pobres compartilham 10%, de acordo com dados do Banco de Desenvolvimento da América Latina e do Caribe (CAF).

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A entidade explica que, se analisada em termos de patrimônio, essa concentração é muito mais acentuada. Assim, os 10% mais ricos acumulam 77% do patrimônio, e os 50% mais pobres, apenas 1%.

Portanto, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a América Latina continua a ser uma das regiões mais desiguais do mundo, juntamente com a África Subsaariana.

Nas últimas três décadas, os pesquisadores do Centro de Estudos Distributivos, Trabalhistas e Sociais (CEDLAS) da Universidade de La Plata observam essa ampliação das lacunas sociais e econômicas na América Latina.

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O relatório “The Changing Picture of Inequality in Latin America” (“O Cenário em Transformação da Desigualdade na América Latina”, em tradução livre), de Leonardo Gasparini e Guillermo Cruces, afirma que a desigualdade na América Latina nas últimas três décadas se reflete no aumento da diferença de horas trabalhadas ou na desaceleração da participação de trabalhadores não qualificados na força de trabalho.

Além disso, nesse período, a redução das diferenças salariais diminuiu consideravelmente. E as diferenças nas taxas de formalidade estão diminuindo muito lentamente, ainda acima dos números do início da década de 1990, de acordo com o relatório.

Riqueza na região

Enquanto a riqueza privada caiu US$ 11,3 trilhões no mundo em 2022 – sendo a primeira contração desde a crise financeira global de 2008 – a América Latina foi a exceção, pois aumentou US$ 2,4 trilhões, graças, em parte, a uma valorização média da moeda de 6% em relação ao dólar americano, de acordo com o Global Wealth Report 2023.

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Somente o Brasil, o México e o Chile, três dos maiores mercados da América Latina, são responsáveis por um total de 868.000 milionários. No final de 2022, a riqueza por adulto era de US$ 29.452 no Brasil, de US$ 54.082 no México e de US$ 55.274 no Chile.

Por outro lado, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe alertou que as taxas de pobreza permaneceram acima dos níveis pré-pandemia em 2022.

No relatório Panorama Social 2022, a Comissão projetou que 201 milhões de pessoas, ou 32,1% da população total da região latino-americana, viveriam na pobreza. Dessas, cerca de 82 milhões de pessoas, ou 13,1%, estariam vivendo em extrema pobreza.

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Além disso, em novembro, o relatório projetou que os níveis de desemprego retrocederiam 22 anos, “afetando especialmente as mulheres, para as quais o desemprego aumentou de 9,5% em 2019 para 11,6% em 2022″.

Diante desse cenário, a Bloomberg Línea apresenta uma estimativa da renda que identifica as famílias de acordo com as classes sociais, com base em dados oficiais publicados nos principais mercados latino-americanos e em fontes externas. O exercício leva em conta a renda familiar média necessária para pertencer a esses grupos, com a ressalva de se trata de uma estimativa, uma vez que em alguns mercados, como o Peru, o estado não realiza uma medição tão precisa.

Brasil

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) classifica a renda de acordo com o percentil da população.

De acordo com essa divisão, os brasileiros entre os 5% mais ricos são aqueles que têm uma renda mensal por pessoa superior a R$ 4.275 (US$ 860 em valores atuais), o equivalente a R$ 51.300 por ano (ou US$ 10.320).

Em uma família de quatro pessoas, por exemplo, isso significa uma renda mensal total de R$ 17.100 por mês ou mais (US$ 3.439), somando as fontes de renda de todas as pessoas que trabalham.

Os brasileiros do grupo mais rico da população, por sua vez, têm uma renda média de R$ 8.174 por mês (US$ 1.644) por pessoa da família.

Ou seja, uma renda total de R$ 32.696 por mês para uma família de quatro pessoas (US$ 6.576,29).

Há aproximadamente 4,7 milhões de brasileiros nesse grupo.

Os brasileiros de renda mais baixa (os 10% mais pobres) são aqueles que ganham menos de R$ 202 (US$41) por mês por pessoa da família.

Em média, a renda desse grupo é de R$ 94 (US$ 19), ou cerca de R$ 376 por mês para uma família de quatro pessoas. Há cerca de 9,5 milhões de pessoas nessa categoria.

Os dados fazem parte da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais 2022, divulgada pelo IBGE em 2022, levando em conta os números de 2021.

De acordo com o IBGE, 90% dos brasileiros têm uma renda per capita mensal mais baixa, de até R$ 2.730 (US$ 549), o que, para uma família de quatro pessoas, significa uma renda total de R$ 10.920.

México

No México, os decis de renda são construídos dividindo-se a população em 10 partes iguais, de acordo com sua renda atual total per capita, da mais baixa para a mais alta. O decil I corresponde aos 10% da população com a renda mais baixa, enquanto o decil X corresponde aos 10% da população com a renda mais alta.

  • I: 1.191,73 pesos mexicanos (US$ 69,8).
  • II: 2.096,25 pesos mexicanos (US$ 122,9).
  • III: 2.708,79 pesos mexicanos (US$ 158,7).
  • IV: 3.307,91 pesos mexicanos (US$ 193,8).
  • V: 3.938,14 pesos mexicanos (US$ 230,8).
  • VI: 4.682,10 pesos mexicanos (US$ 274,5).
  • VII: 5.617,11 pesos mexicanos (US$ 329,3).
  • VIII: 6.921,63 pesos mexicanos (US$ 405,7).
  • IX: 9.237,93 pesos mexicanos (US$ 541,5).
  • X: 20.339,54 pesos mexicanos (US$ 1.192).

No México, a Encuesta Nacional de Ingreso y Gasto de los Hogares é responsável por fornecer esses dados a cada dois anos; a última edição é a ENIGH 2022 e foi publicada em 26 de julho. Essa pesquisa não capta totalmente a renda dos mais ricos.

Fonte: Conselho Nacional de Avaliação em Medição de Pobreza Multidimensional.

Argentina

A avaliação da distribuição de renda é determinada com base em uma família típica de dois adultos e duas crianças em idade escolar.

  • Pobre: menos de 104.227 pesos argentinos (US$ 297,86 pela taxa de câmbio oficial de 22 de agosto de 2023) em junho de 2023, de acordo com o INDEC em nível nacional.
  • Indigente: menos de 232.427 pesos argentinos (US$ 664,23) em junho de 2023, de acordo com o INDEC em nível nacional.

A avaliação a seguir é apenas para a cidade de Buenos Aires e corresponde a uma família típica de dois adultos e duas crianças em idade escolar:

  • Classe média: rendas que variam de 363.666,30 pesos argentinos (US$ 1.039,28) a 1.163.732,15 pesos argentinos (US$ 3.325,69) em junho de 2023, de acordo com a Direção Geral de Estatística e Censos de Buenos Aires.
  • Classe alta: receitas a partir de 1.163.732,16 pesos argentinos (US$ 3.325,69) até junho de 2023, de acordo com a Direção Geral de Estatística e Censos de Buenos Aires.

Chile

  • Classe AB: renda média: 7.177.530 pesos chilenos (US$ 8.253,26). Moda da renda: 5.100.000 pesos chilenos (US$ 5.864,36).
  • Classe C1a: renda média: 3.010.391 pesos chilenos (US$ 3.461,57). Moda da renda: 2.000.000 pesos chilenos (US$ 2.299,75).
  • Classe 1B: renda média: 2.072.853 pesos chilenos (US$ 2.383,52). Moda da renda: 1.200.000 pesos chilenos (US$ 1.379,85).
  • Classe C2: renda média: 1.500.774 pesos chilenos (US$ 1725,70). Moda da renda: 1.000.000 pesos chilenos (US$ 1.149,87).
  • Classe C3: renda média: 1.003.426 pesos chilenos (US$ 1.153,81). Moda da renda: 700.000 pesos chilenos (US$ 804,91).
  • Classe D: renda média: 640.667 pesos chilenos (US$ 736,69). Moda da renda: 400.000 pesos chilenos (US$ 459,95).
  • Classe E: renda média: 361.583 pesos chilenos (US$ 415,78). Moda da renda: 300.000 pesos chilenos (US$ 344,96).

No Chile, a Classe AB compreende 1,8% das famílias mais ricas do país. A Classe E compreende 14% das famílias, e 48% dos chefes dessas famílias são trabalhadores não qualificados.

Os dados coletados nesse país correspondem a informações da Associação de Pesquisadores de Mercado (AIM).

Colômbia

  • Classe baixa: abaixo de 420.676 pesos colombianos (cerca de US$ 102,14).
  • Vulneráveis: de 420.676 a 780.292 pesos colombianos (US$ 102,14 a US$ 189,4).
  • Média: de 780.292 a 4.201.570 pesos colombianos (US$ 189,4 a US$ 1.020).
  • Alta: mais de 4.201.570 pesos colombianos (US$1.020).

Esses dados contemplam a renda por família e são números oficiais de uma compilação da Associação Nacional de Instituições Financeiras (ANIF) e foram divulgados em julho passado.

A ANIF explica, com base na análise de diferentes fontes, que “as famílias de classe média são aquelas que têm uma probabilidade de cair na pobreza inferior a 10%”.

A entidade indica que a renda per capita leva em conta a soma de todas as fontes de renda de cada família.

Por exemplo, se duas pessoas em uma família de quatro pessoas trabalham e sua renda totaliza 2,8 milhões de pesos colombianos (cerca de US$ 704), elas poderiam ser classificadas como de classe média.

Isso ocorre porque, se a renda dessas pessoas fosse dividida, cada uma receberia 700.000 pesos colombianos(cerca de US$ 176).

No entanto, o órgão ressalta que se a mesma família ganhasse 14 milhões de pesos colombianos (US$ 3.423), ainda assim seria de classe média, pois a faixa é bastante ampla.

Estima-se que 15,7% da população economicamente ativa na Colômbia ganhe um salário mínimo.

Peru

Renda familiar média informada (em dólares, de acordo com a taxa de câmbio de 14 de agosto):

Nível socioeconômico (NSE) A: 12.647 soles (cerca de US$ 3.418,11).

  • NSE A: 12.647 soles (cerca de US$ 3.418,11).
  • NSE B: 6.135 soles (cerca de US$ 1.658,11).
  • NSE C: 3.184 soles (cerca de US$ 860,54).
  • NSE D: 2.038 soles (cerca de US$ 550,81).
  • NSE E: 1.242 soles (cerca de US$ 335,68).

*Apenas 1% da população peruana é considerada como pertencente ao NSE A.

Os dados são da Ipsos Peru e da Pesquisa Nacional de Domicílios de 2020.

Venezuela

  • Classe alta: Mais de US$ 5.560 (3.7% de la población).
  • Classe média emergente: US$ 1.734 - US$ 5.560 (12.9%).
  • Classe média estabelecida: US$ 673 - US$ 1.734 (22.7%).
  • Classe baixa com oportunidades: US$ 376 - US$ 673 (26.8%).
  • Classe baixa excluída: US$ 193 - US$ 376 (33.9%).
  • Pobreza extrema: menos de US$ 100.

Os dados foram fornecidos pela Datanálisis, uma empresa de pesquisa de mercado do país, que recentemente publicou um estudo anual sobre as tendências de consumo na Venezuela. A consultoria, conforme apresentado, repensou a forma como avalia os consumidores na Venezuela, bem como a classificação da maneira como eles consomem.

Em sua coleta de dados entre janeiro e março deste ano, a empresa concentrou-se em seis fatores que permitiram gerar uma nova estratificação do consumidor venezuelano: acesso a moeda estrangeira, situação de moradia, meios de transporte, serviços médicos e seguros, consumo de alimentos fora de casa e acesso a bens e serviços.

“Pode haver alguém em um bairro em Petare, por exemplo, com capacidade de comprar em dólares porque tem um negócio, e um profissional universitário aposentado em um apartamento em El Cafetal, uma área de classe média, com capacidade de consumo muito limitada”, disse Luis Vicente León, diretor da Datanálisis.

Embora ele tenha insistido que o salário mínimo venezuelano, fixado em menos de US$ 5 por mês, deixou de ser uma referência válida há algum tempo, em comparação com uma média de US$ 240 no setor privado, o valor estipulado para o pagamento de pensões, bem como a base para um funcionário público, permanece no valor oficial que não foi ajustado pelo governo de Nicolás Maduro desde março do ano passado.

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Daniel Salazar

Profissional de comunicação e jornalista com ênfase em economia e finanças. Participou do programa de jornalismo econômico da agência Efe, da Universidad Externado, do Banco Santander e da Universia. Ex-editor de negócios da Revista Dinero e da Mesa América da Efe.

Lorena  Guarino

Jornalista argentino, especializado em negócios e economia há mais de 20 anos. Foi editora geral da Forbes Argentina e anteriormente desenvolvida em jornais como La Nación, El Cronista Comercial e Buenos Aires Economico e Infobae entre outros.

Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.