Bloomberg — Mesmo sob a luz do sol da tarde, o apartamento de dois quartos em Manhattan tem uma palidez sinistra, suas paredes rachadas amarelam como uma antiga fotografia em sépia. Há lascas de tinta caindo do teto. Um pombo morto jaz no chão da cozinha.
O proprietário, Douglas Peterson, está fazendo uma visita desanimadora a um edifício de 21 apartamentos que ele comprou em 2018 por US$ 4,8 milhões.
A City Skyline Realty, empresa de Peterson, é especializada em uma subclasse de investimento imobiliário: propriedades sujeitas ao sistema de regulamentação de aluguéis da cidade de Nova York, o maior e mais antigo programa dos Estados Unidos.
Para esse apartamento bem localizado em Washington Heights, o enclave dominicano em rápida gentrificação, ele não pode cobrar mais do que US$ 650 por mês, talvez um quarto do preço de mercado.
Para os proprietários, o processo há muito tempo é simples e lucrativo: comprar prédios degradados que, no jargão de Nova York, têm aluguéis estabilizados; reformá-los; repassar as despesas aos inquilinos ao aumentar os aluguéis; faturar e repetir o processo.
Quando os aluguéis se aproximavam de US$ 2.800 por mês, os proprietários podiam cobrar o quanto o mercado suportasse, e os apartamentos se tornavam uma mina de ouro em potencial. “Você só precisava ser paciente”, diz Peterson.
Mas sua aposta no aumento dos aluguéis foi desastrosa, como aconteceu com os proprietários de toda a cidade. Em 2019, preocupados com o declínio das moradias populares, os legisladores do estado de Nova York mudaram as leis.
Em uma das principais mudanças, eles reduziram drasticamente o quanto os proprietários poderiam aumentar os aluguéis após as reformas. Em uma mudança ainda mais importante, os apartamentos não saem mais do programa quando os aluguéis sobem o suficiente.
Peterson, que comprou mais de 40 propriedades por US$ 300 milhões ao longo de 20 anos, agora passa dificuldades. Ele está atrasado em suas hipotecas e batalhando para conseguir dinheiro para reparos.
Em outubro, a Fannie Mae, empresa de empréstimos imobiliários apoiada pelo governo, iniciou um processo de execução hipotecária contra uma dezena de suas propriedades, incluindo o prédio na 164th Street. “Minha carreira acabou”, diz Peterson. “Agora é só uma questão de: qual será o meu legado? Eu vou abandonar o navio enquanto ele afunda ou vou ficar e lutar?”
No ano passado, os edifícios de Nova York com pelo menos um apartamento com aluguel estabilizado foram vendidos, em média, por US$ 203.000 a unidade, uma queda de 34% desde 2019, de acordo com a Maverick Real Estate Partners, uma administradora de investimentos de Nova York. Em contrapartida, o preço dos apartamentos não regulamentados aumentou 23%.
O valor das unidades com aluguel estabilizado diminuiu em até US$ 75 bilhões, segundo a Maverick. Em dezembro, a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) se desfez de US$ 15 bilhões em empréstimos garantidos principalmente por apartamentos com aluguel estabilizado em Nova York – com um desconto de 40%.
Na semana passada, em meio à preocupação com a exposição imobiliária, as ações do New York Community Bancorp – que detém cerca de US$ 37 bilhões em empréstimos para apartamentos – metade deles garantidos por unidades com aluguel regulamentado – caíram 38% em um único dia. “Muitos proprietários com quem estou falando querem abandonar os edifícios”, diz Lazer Sternhell, CEO da Cignature Realty Associates.
Esses prejuízos evidenciam uma batalha cada vez maior por um tipo de moradia acessível que proporciona um ponto de apoio para a classe trabalhadora em uma das cidades mais caras do mundo. Para proprietários como Lewis Barbanel, da Barberry Rose Management, uma regulamentação mais rígida dos aluguéis viola seus direitos de propriedade privada e só piorará a escassez de moradias ao desestimular a reforma e a construção.
A empresa vendeu 21 edifícios com aluguel estabilizado no ano passado, com prejuízo. Barberry se desfez de um edifício no Harlem por US$ 3,8 milhões, 59% menos do que a empresa pagou em 2016. “Os políticos estão retirando o financiamento desses edifícios”, diz Barbanel, que está transferindo seus investimentos para Nova Jersey e outros lugares. “Eles estão tentando criar uma situação para que os proprietários fracassem.”
Mas, para os inquilinos, os proprietários de apartamentos estão apenas pagando o preço de empréstimos imprudentes que se basearam em aluguéis altíssimos que certamente provocariam oposição.
As novas leis não deveriam ter sido uma surpresa para os investidores imobiliários, diz Cea Weaver, coordenadora da campanha da Housing Justice for All, que ajudou a liderar a luta. “Não estávamos escondendo muito que estávamos tentando mudar as regras”, diz Weaver. “Não sei se foi arrogância ou não, mas as leis mudam e isso afeta os mercados.”
Controle de aluguéis
O controle de aluguéis está voltando à tona depois de ficar em segundo plano por mais de uma geração. Em 2019, o estado do Oregon tornou-se o primeiro a aprovar uma lei estadual de controle de aluguéis, que limitou os aumentos anuais a 7% mais a inflação. Mais tarde, no mesmo ano, a Califórnia limitou os aumentos a 10%. No ano passado, duas dúzias de estados consideraram limites, de acordo com o National Multifamily Housing Council, um grupo comercial para proprietários.
Países como Canadá, Índia e Suécia possuem regulamentação. Como os aluguéis aumentaram nas grandes cidades do mundo todo, os governos buscaram expandir as proteções, com resultados mistos. A Dinamarca instituiu um limite de dois anos em 2023. Em 2020, Berlim decretou um congelamento de cinco anos, uma das medidas mais rigorosas do mundo. O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, contudo, anulou a medida no ano seguinte.
Em geral, economistas detestam o controle de aluguéis e afirmam que ele distorce os mercados, levando à escassez de moradias e a aluguéis mais altos em prédios com preços de mercado.
As regras beneficiam os inquilinos antigos em detrimento dos recém-chegados e são uma forma ineficiente de ajudar aqueles que mais precisam, segundo os estudiosos.
No final do ano passado, o Fundo Monetário Internacional pediu que a Irlanda suspendesse seus limites de preço em “zonas de pressão de aluguel” designadas, como Dublin, porque as restrições intensificaram o problema da falta de moradia. Em vez disso, a agência sugeriu subsídios direcionados aos locatários pobres.
Mas Chris Herbert, diretor administrativo do Joint Center for Housing Studies da Universidade de Harvard, diz que o mercado decepciona os locatários.
Na economia clássica, o aumento dos preços deveria estar levando a mais construções e moderando os aluguéis. Mas a escassez de terrenos em cidades atraentes e as regras de zoneamento causam escassez persistente. Nesse ambiente, diz Herbert, um controle de aluguel mais brando, como vincular os aumentos à inflação, poderia ser um meio-termo.
Proprietários vs. Inquilinos
A história de Nova York mostra o fluxo da regulamentação do aluguel em meio a mudanças no poder relativo de proprietários e inquilinos. Dois terços dos residentes da cidade alugam suas casas, o dobro da taxa do resto do país, dando aos inquilinos maior influência política do que em grande parte dos EUA.
Os esforços de Nova York data do século XIX, época de tentativas de melhorar a situação dos imigrantes amontoados em cortiços. Nova York tem alguma forma de regulamentação de aluguel desde 1943, quando o governo federal impôs controles de preços para combater a inflação durante a Segunda Guerra Mundial.
Depois que essas proteções expiraram no início da década de 1950, o estado promulgou suas próprias medidas, que se aplicavam a edifícios anteriores a 1947. Esse sistema mais antigo, conhecido como controle de aluguéis, restringe severamente o valor pago pelos inquilinos enquanto ocupam a unidade, uma característica que levou alguns locatários a organizar sua vida em torno de um negócio imobiliário inacreditavelmente barato.
Restam apenas 16.000 desses apartamentos com aluguel controlado.
A estabilização do aluguel, que data de 1969, abrange cerca de 1 milhão de apartamentos, abrigando um quarto da população da cidade. Todos os anos, os proprietários enviam relatórios sobre suas receitas e despesas para o Rent Guidelines Board, um conselho nomeado pelo prefeito e que usa as informações para ajudar a determinar quanto os proprietários podem aumentar os aluguéis.
Na cidade de Nova York, os inquilinos pagaram um terço a menos por apartamentos com aluguéis estabilizados do que pagariam por apartamentos equivalentes a preços de mercado, um desconto anual que chega a US$ 5,4 bilhões, de acordo com um artigo de 2023 de pesquisadores da Universidade George Washington, da Universidade do Norte do Texas e da Universidade Johns Hopkins.
Na década de 1990, os legisladores municipais e estaduais votaram para flexibilizar as regras. Os proprietários puderam então aumentar os aluguéis em 20% cada vez que um inquilino se mudasse.
Eles podiam definir seus próprios aluguéis quando ultrapassassem um determinado limite. Em muitos edifícios, os proprietários também podiam aumentar os aluguéis mensais em US$ 1 para cada US$ 40 em reformas, o que significa que um proprietário que investisse US$ 60.000 em um apartamento vago poderia aumentar o aluguel em US$ 1.500 para o próximo inquilino. Esse sistema tornou os apartamentos regulamentados muito mais atraentes
Uma nova classe de investidores afluiu a um mercado historicamente dominado por famílias estabelecidas do setor imobiliário local. Esses retardatários incluíam empresas menores, como a City Skyline Realty, bem como alguns dos maiores nomes de Wall Street.
Em 2015, a Blackstone (BX) liderou a compra, por US$ 5,3 bilhões, do Stuyvesant Town e do Peter Cooper Village, com aluguel estabilizado. A Blackstone, que desde então gastou mais de US$ 375 milhões em melhorias, diz que continua confiante no investimento.
Mas o aumento dos preços das moradias na cidade provocou uma reação negativa. O então prefeito Bill de Blasio e a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, disseram que controles menos rígidos incentivavam o assédio aos inquilinos e promoviam a gentrificação e a desregulamentação de centenas de milhares de apartamentos.
A eleição de legisladores estaduais progressistas preparou o terreno para as mudanças de 2019 que afligiram os proprietários de edifícios. O momento foi especialmente difícil para os proprietários, que logo depois tiveram que lidar com aluguéis não pagos durante a pandemia de covid-19, juntamente com o aumento dos custos de seguro e das taxas de juros.
Alguns defensores dos inquilinos acolhem a queda nos preços dos apartamentos regulamentados. Com a ajuda do governo, as organizações sem fins lucrativos ou os inquilinos poderiam comprar edifícios a preços mais baixos, como fizeram na década de 1980, diz Sam Stein, analista sênior de políticas da Community Service Society of New York. Eles poderiam então cobrar aluguéis mais acessíveis.
Os proprietários tentaram, sem sucesso, fazer com que a Suprema Corte dos EUA interviesse em seu favor, decidindo contra as leis de aluguel de 2019. Nas mídias sociais, Jay Martin, diretor executivo de um grupo comercial chamado Community Housing Improvement Program, descreve os oponentes como comunistas e prometeu uma estratégia de “terra arrasada” este ano para combatê-los.
“Há muita coisa em jogo”, disse ele recentemente no X, antigo Twitter. “Precisamos fazer todo o possível para impedir que indivíduos destruam as moradias de Nova York”.
Limite para reparos pesa sobre inquilinos
Tay Raymond, de 35 anos, cresceu na mesma quadra do famoso restaurante Amy Ruth’s e de um prédio onde os condomínios são vendidos por US$ 1 milhão. Nessa mesma rua, o apartamento de três quartos de Raymond agora é alugado por US$ 1.300, cerca de um terço do custo do apartamento de seu vizinho.
Mas, em janeiro, havia um buraco no teto do banheiro que era um problema há anos, e ela diz que há ratos e baratas por toda parte. “Eles nos querem longe”, diz Raymond, que vende roupas vintage on-line. “Porque não fazemos os reparos de que precisamos ou porque temos medo de não conseguir pagar”.
Em 2018, a proprietária de seu apartamento, uma empresa de private capital chamada Sugar Hill Capital Partners, contratou a compra de 53 pequenos prédios de apartamentos por mais de US$ 250 milhões no maior negócio da empresa.
A Sugar Hill calculou que cada unidade precisaria de pelo menos US$ 60.000 em reformas, o suficiente para atualizar os sistemas de encanamento e elétrico. Mas quando o estado de Nova York restringiu os aumentos de aluguel relacionados a reformas, a Sugar Hill pôde repassar apenas US$ 15.000 por apartamento.
No final de 2022, a Sugar Hill concordou em vender 13 de seus edifícios com um desconto de 54% em relação ao preço que a empresa havia pago. A sócia-diretora Margaret Grossman diz que gostaria de vender o restante do portfólio de edifícios com aluguéis estabilizados, incluindo o prédio de Raymond, e focar em novos projetos, como um prédio de apartamentos de luxo no Brooklyn com um terraço na cobertura com um pomar de maçãs.
Grossman diz que a incapacidade de cobrar aluguel suficiente dificulta o investimento da Sugar Hill em edifícios, mas que ela faz tudo o que pode para fazer reparos.
Victoria Bausch mora com uma colega de quarto para poder pagar seu apartamento com aluguel estabilizado em Washington Heights. No ano passado, seu aluguel subiu US$ 300, chegando a US$ 3.300, parte de um aumento em todo o bairro que levou os aluguéis de Manhattan a níveis recordes.
Recentemente, Bausch se juntou a cerca de 15 outros inquilinos no saguão de seu prédio na St. Nicholas Avenue, que inclui apartamentos regulamentados e não regulamentados.
Entre eles estava um executivo de Wall Street que paga mais de US$ 4.500 por mês, além de um motorista de ônibus aposentado e um diretor de escola. A multidão reclama da manutenção precária: danos causados pela água em alguns apartamentos, bem como falta de água quente e aquecimento insuficiente.
Nos últimos dois anos, eles registraram centenas de reclamações na prefeitura. Eles também gostariam de reverter o que consideram aumentos ilegais de aluguel.
Bausch, uma planejadora de eventos, tem boas notícias: em um acordo com o escritório do procurador geral do estado, o edifício colocou sua unidade de volta no programa de estabilização de aluguel e reduziu seu aluguel. “Se as coisas continuarem do jeito que estão, vamos ser expulsos da cidade de Nova York, e não estou disposta a deixar isso acontecer”, diz ela.
A City Skyline Realty, de Peterson, que no ano passado apareceu em uma lista do governo de proprietários com o maior número de violações de códigos, é a proprietária do edifício. Ele diz que sua empresa atende prontamente às reclamações e que a contagem da cidade penaliza injustamente os grandes proprietários. O acerto do aluguel está relacionado a um proprietário anterior, diz ele.
Apartamentos vazios
Peterson, de 49 anos, geralmente tem o porte extrovertido do missionário mórmon que fora quando batia de porta em porta em cidades no norte do estado de Nova York. Ele se lembra de dias melhores, não muito tempo atrás. Em 2014, ele comprou um edifício no Bronx por US$ 8 milhões e o vendeu apenas quatro anos depois com um lucro de 50%.
Peterson ainda não desistiu de seu papel como proprietário de imóveis na cidade de Nova York. Em sua visita a Washington Heights, ele avisa um funcionário de uma conveniência sobre um aparente vazamento de gás e conversa com adolescentes.
Em uma das estranhas reviravoltas da regulamentação de aluguéis que preocupam os economistas, Peterson está entre os proprietários que deixam apartamentos vazios porque não faz sentido reformá-los e alugá-los pelos preços atuais. Milhares de apartamentos estão vazios, de acordo com estimativas do governo e do setor.
Ninguém mora no apartamento do pombo morto há mais de dois anos. Como outras unidades, ele precisa de US$ 100.000 em reformas, incluindo novos encanamentos, fiação elétrica e remediação de chumbo, diz Peterson.
Ele acha que não conseguirá dar conta sem aumentar o aluguel. “Deveríamos ter dois inquilinos aqui e receber US$ 2.500 por mês”, diz ele, perguntando-se por que os políticos da cidade se voltaram contra ele. “Por que eles não querem que eu faça isso?”
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