Menos pistache, mais puxuri: como a Dengo quer furar a bolha do chocolate de luxo

Empresa buscar atrair novos públicos enquanto vê ritmo de crescimento diminuir diante de alta do preço global do cacau, que encarece produtos como ovos de Páscoa; meta é chegar a 250 lojas até 2030

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Bloomberg Línea — A alta global do preço do cacau deixou a Páscoa mais cara.

O preço médio do chocolate no Brasil subiu 16,53% na taxa anual, segundo o IBGE, cerca de três vezes a inflação no mesmo período. E a indústria tem se adaptado com a diminuição da quantidade da matéria-prima nos seus doces e apelando para a combinação da moda: o pistache, cujo consumo tem crescido mais de 70% ao ano no país e que aparece nos ovos mais populares das principais marcas.

Com uma produção focada em chocolates finos e baseada exclusivamente em insumos produzidos no Brasil em cadeia sustentável, a Dengo decidiu ir na contramão desse movimento. O cacau é a estrela central dos seus produtos, presente em pelo menos 38% das suas composições, e, em vez de importar pistache, a marca foca em frutas e castanhas nacionais, como maracujá, banana e puxuri .

“Criamos uma Páscoa muito brasileira, tropical, com ingredientes produzidos nacionalmente, como um ovo de maracujá com puxuri, uma noz moscada amazônica com um sabor diferenciado”, disse Renata Lamarco, diretora de marketing da empresa, em entrevista à Bloomberg Línea.

“O pistache não é produzido no Brasil, então não usamos”, disse Lamarco, explicando que a prioridade da Dengo é utilizar ingredientes produzidos por seus parceiros do país, o que fortalece a relação com o ecossistema produtivo.

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Com um perfil associado ao público de luxo, a campanha na marca para a Páscoa deste ano envolve uma tentativa de sair dessa “bolha” e se abrir a públicos mais amplos.

“Queremos aproveitar este momento tão forte para o chocolate para apresentar a Dengo a mais pessoas, conversar com públicos diferentes e novos. Queremos mostrar que vale a pena conhecer o chocolate de verdade, com cacau, leite e açúcar, sem gordura hidrogenada, conservantes e aromatizantes”, disse.

O desafio para dar esse salto é quebrar a imagem de que se trata de um produto de elite.

Segundo a executiva, essa estratégia pode se mostrar mais eficaz neste ano, já que em geral todas as marcas do mercado subiram de preço por causa do encarecimento do cacau. A Dengo tentou conter os reajustes e disse ter aumentado seus preços em 10% em relação à Páscoa do ano passado.

“Se as pessoas achavam que a Dengo era super cara, explicamos que não é. Estamos muito próximos do mercado, com preços às vezes de 10% a 15% acima dos ovos tradicionais do supermercado, mas com mais qualidade, além de embalagem, experiência de loja e uma equação de valor que defendemos que vale a pena”, disse.

O tíquete médio no período da Páscoa é ligeiramente superior ao da linha tradicional da Dengo, com a maior parte das compras concentrada em presentes com preços entre R$ 59 e R$ 100.

Segundo Lamarco, a campanha de Páscoa é a segunda mais importante para a empresa no ano e representa cerca de 20% da receita anual, atrás apenas do Natal, quando os panetones da marca ganham protagonismo - a data representa 25% do faturamento total.

Desafio do cacau e crescimento

Fundada em 2017 por Guilherme Leal (cofundador da Natura) e Estevan Sartoreli, a Dengo busca produzir chocolates enquanto promove a sustentabilidade da cadeia produtiva do cacau. A marca segue em expansão e abriu 15 novas lojas em 2024, chegando a 54 unidades no Brasil e duas na França, em Paris.

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Em 2025, entretanto, a empresa vai abrir apenas duas novas lojas em abril e repensa seus planos.

A desaceleração reflete a preocupação global com a alta do principal ingrediente do chocolate. O preço do cacau no mercado internacional subiu 200% em 2024, fazendo dele a commodity com a maior alta do período, o que impacta toda a cadeia global e encarece os ovos de Páscoa.

A crise foi impulsionada por problemas climáticos e produtivos em países da África Ocidental, como Costa do Marfim e Gana, que respondem por mais de 60% da oferta global.

“A Dengo está sendo duplamente impactada”, disse Lamarco. Segundo ela, mesmo que toda a produção de cacau usada pela Dengo seja feita no Brasil, a commodity é listada no mercado de Nova York, o que define o preço dela independentemente de onde é produzida.

“Não só a Dengo enfrenta a alta da commodity como utilizamos pelo menos 38% de cacau em nossas composições, enquanto o mercado de forma geral usa o mínimo legal, que é de 25%. Portanto nosso impacto no custo é mais alto”, disse.

Segundo a executiva, o impacto é maior também por causa da proposta social da empresa, que inclui uma remuneração acima da média para as 220 famílias de produtores de cacau e outros insumos.

Em 2023, o preço pago por quilo de cacau foi, em média, 107% superior ao do mercado, de acordo com Lamarco.

Apesar do aumento nos custos, a Dengo não enfrenta problemas de abastecimento de cacau. A relação de longo prazo e o engajamento com os 220 produtores parceiros garantem um fluxo contínuo da matéria-prima.

“Há um forte engajamento com o ecossistema produtivo, e eles priorizam vender para a Dengo, que tem um impacto significativo em seu padrão de vida. Eles preferem nos fornecer do que vender para compradores no exterior”, disse Lamarco.

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Diante desse cenário desafiador, a companhia precisou equilibrar sua proposta de valor com a necessidade de preservar margens e sustentar um plano de expansão que, até o momento, se manteve ambicioso, mas com cautela. A meta de longo prazo, no entanto, está mantida: chegar a 250 lojas até 2030.

“Estamos avaliando com cuidado cada novo passo, mas seguimos com o plano de longo prazo”, afirmou Lamarco.

No contexto complexo da alta do cacau, a estratégia da Dengo foi a de não repassar a totalidade dos custos ao consumidor final.

A opção da empresa foi investir em eficiência operacional, buscar ganhos de escala e realizar um trabalho aprofundado de revisão de portfólio.

“Fizemos um estudo para entender em que aspectos poderíamos ganhar produtividade e otimizamos desde a aquisição de embalagens até o desenho da linha de produtos”, disse a diretora.

A eficiência operacional resultou em crescimento de receita mesmo diante do ambiente adverso. Segundo Lamarco, o faturamento por loja aumentou 15%, além do impacto positivo da expansão da rede.

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