‘Maior vinícola orgânica do mundo’ vê mercado para vinhos premium no Brasil

A chilena Emiliana lançou o seu rótulo ‘topo de gama’, a Coyam, e diz acreditar que é possível migrar a demanda para garrafas acima de R$ 300, contam profissionais da casa à Bloomberg Línea

A enóloga espanhola Noelia Orts (Foto: Divulgação)
Por Daniel Buarque
17 de Novembro, 2024 | 06:45 AM

Bloomberg Línea — Com uma taça vazia na mão, a enóloga espanhola Noelia Orts acenava aos garçons do restaurante Selvagem, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, durante um jantar no início de novembro. “Queremos mais Coyam”, disse, sorrindo. “Este é nosso vinho mais importante”, acrescentou.

A menção ao rótulo premium da vinícola chilena Emiliana, em que Orts trabalha, não foi por acaso. O evento realizado em São Paulo foi organizado para ser o lançamento mundial da safra comemorativa de 20 anos do vinho “topo de gama” da bodega, que se descreve como “a maior vinícola orgânica do mundo”.

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A Emiliana tem uma presença de mais de dez anos no país, mas ainda vê seu mercado muito focado em vinhos mais acessíveis, por menos de R$ 100. Apresentar o Coyam Nº 20 no Brasil antes do resto do mundo foi parte da estratégia de longo prazo para aumentar a presença da vinícola no Brasil, para impulsionar a venda especialmente dos vinhos mais caros da casa.

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“O mercado de vinhos premium no Brasil ainda tem relevância baixa, mas é um país com muito potencial no longo prazo”, disse Cristian Rodriguez, gerente geral da Emiliana, em entrevista à Bloomberg Línea.

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“Acredito que as vendas de vinhos premium podem ser aumentadas com atividades que tenham foco em canais e pessoas especializadas que apreciam esse tipo de vinho”, disse.

O jantar oferecido para sommeliers de grandes restaurantes, jornalistas e influenciadores digitais se encaixa justamente nessa estratégia.

“O Brasil é um dos mercados que mais nos interessa. Vocês são muito grandes e estão muito próximos [geograficamente], o que facilita a venda”, disse Orts.

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Oitavo mercado

A escolha do país para esse tipo de trabalho de promoção faz sentido do ponto de vista comercial.

O Brasil é apenas o oitavo mercado internacional para a Emiliana, atrás de Estados Unidos, Holanda, Japão, Dinamarca, Canadá, Chile e Reino Unido.

São vendidas no país atualmente cerca de 50 mil caixas de vinho (600 mil garrafas), quase um quinto do total da bebida importada pelo grupo La Pastina, reponsável por trazer a vinícola ao país. Isso gera uma receita anual aproximada de US$ 1,5 milhão (equivalente a cerca de R$ 8,5 milhões) para a Emiliana, segundo Rodriguez.

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A vinícola chilena Emiliana

Ainda é pouco, especialmente quando comparado às vendas da Concha y Toro, chilena que é uma das marcas mais populares no Brasil e que chega a vender um milhão de caixas somente dos seus vinhos mais baratos no país, os famosos “Reservados”. Mas o tamanho da população brasileira é visto como um fator que sinaliza o grande potencial para aumentar as vendas de vinhos de forma geral.

“Acreditamos firmemente que ainda temos um longo caminho de crescimento no Brasil, especialmente em variedades brancas, vinhos mais frescos e vinhos premium”, disse Rodriguez.

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Além de aumentar as vendas, o desafio é migrar para um consumo de mais alta gama. Os vinhos da Emiliana que têm maior sucesso no Brasil são os da linha Adobe, considerados mais simples e que custam entre R$ 70 e R$ 80 por garrafa. Em seguida vem a marca Novas, com vinhos intermediários que custam cerca de R$ 100. Só depois vêm os vinhos premium da marca Coyam, com etiquetas acima de R$ 300.

“A engrenagem da vinícola é mantida pelas linhas de entrada, como a Adobe, que tem vinhos varietais com produção de um milhão de litros. São elas que fazem a máquina girar, por mais que a margem de lucro seja muito menor. Mas o vinho de maior reputação é o Coyam, que oferece uma margem de lucro maior”, disse Orts. A Emiliana produz entre 20 mil e 25 mil caixas do seu vinho premium por ano, segundo ela.

Esse vinho premium tenta se aproveitar ainda da boa recepção no mercado. Ele tem sido muito elogiado por especialistas, ganhando avaliações normalmente reservadas a vinhos muito mais caros. Recebeu nota 95 do famoso crítico James Suckling e 96 pontos de Tim Atkin. Além disso, a linha Coyam tem nota 4,2 no site Vivino, muito usado pelos consumidores brasileiros na hora de escolher que vinho comprar.

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Vinhos vivos

A Emiliana não se considera uma concorrente da gigante chilena Concha y Toro. O motivo para isso é que a vinícola se concentra em um nicho de mercado que ganha impulso internacional: os vinhos orgânicos e biodinâmicos. São bebidas produzidas com práticas sustentáveis e naturais que valorizam a saúde do solo e do ecossistema e evitam o uso de pesticidas, herbicidas e fertilizantes químicos.

“Quando se trabalha agricultura orgânica, se pode conectar o vinhedo com o ambiente e com a natureza. É um lugar que está vivo”, disse Orts.

Com mil hectares de produção de uvas com esse padrão, a Emiliana se descreve como a “maior vinícola orgânica do mundo”. Orts admitiu, entretanto, que é um título sem uma comprovação oficial.

“Não tem um certificado que aponte isso, mas nenhuma outra vinícola declaradamente orgânica tem mil hectares de vinhedos em produção”, disse.

O mercado de vinhos em todo o mundo tem valorizado mais essas produções sustentáveis, mas muitas vezes o produto tem qualidade irregular e preços mais altos, o que afasta consumidores.

Atuante nesse nicho, a Emiliana tenta há mais de uma década mudar o perfil do consumo de vinhos de baixa intervenção. “Antes o vinho orgânico era visto como sendo de elite, mais caro. Estamos trabalhando para mudar isso. Queremos popularizar o vinho orgânico”, disse Orts.

A linha Adobe da Emiliana é a principal tentativa evidente de mudar isso, com vinhos orgânicos que custam menos de R$ 100 e que atraem mesmo um público que não está tão atento ou valoriza essa preocupação com a sustentabilidade.

Segundo a enóloga, uma das características da Emiliana é que a ideia de produzir vinhos orgânicos nunca foi uma questão de marketing. “Não foi um projeto para vender. Foi uma ideia de uma produção mais equilibrada com a natureza, que veio do dono, que aceitou os riscos em uma época em que não estava certo que funcionaria e teria apelo, mas que acabou funcionando muito bem.”

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Durante o evento de promoção em São Paulo, a enóloga contou que a transição da Emiliana para a produção orgânica foi uma aposta arriscada porque não contou com incentivo de mercado.

O projeto começou em 1998. Até então, a vinícola funcionava no modelo industrial tradicional, com produtos químicos na produção das uvas. A ideia de mudar veio de José Guilisasti, fundador da vinícola, que decidiu começar a fazer testes com vinhos orgânicos e biodinâmicos.

“Na época, ninguém falava sobre vinhos naturais, e a ideia que se tinha era que os custos eram mais altos, e os resultados, mais incertos. Se a vinícola já funcionava bem, não tinha porque mudar?”, contou Orts.

Guilisasti propôs então testar esse tipo de produção em uma área inicialmente de 35 hectares em Los Robles, no vale de Colchágua, a 133 km de Santiago.

O resultado do teste deu certo, e, desde 2001, a Coyam tem sido o vinho ícone da casa, mostrando muita consistência em sua qualidade e nas notas que recebe de especialistas. Atualmente são 145 hectares voltados ao vinho premium, uma área cercada por 658 hectares de floresta nativa.

O sucesso da produção premium em termos de aceitação e avaliações acabou influenciando toda a produção da Emiliana, que se tornou integralmente voltada para o vinho orgânico não só em Colchágua mas em mil hectares espalhados por diferentes partes do Chile.

Segundo o gerente da vinícola, uma das estratégias para ampliar as vendas ao Brasil passa ainda pelo turismo.

“A imagem do país é fundamental para desenvolver vinhos de maior valor e, por fim, o turismo. O Chile tem a sorte de receber muito turismo brasileiro, e, se pudermos encantar com vinhos premium aqui e levar de alguma forma essa experiência ao consumidor no Brasil, a combinação é perfeita”, disse Rodriguez.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'