Garrafa de até R$ 10 mil: Por que os melhores vinhos são mais caros

Seleção de cem rótulos como os melhores do ano pela publicação especializada Adega, a partir da degustação de mais de 5.000 vinhos, tem preço médio de R$ 1.640; especialista explica os motivos

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Bloomberg Línea — O preço médio dos vinhos apontados como os melhores do ano de 2024 no Brasil por uma revista especializada é de R$ 3.394. Sete rótulos foram escolhidos para dividir o topo do ranking dos cem mais bem avaliados no mercado brasileiro e têm preços que variam de R$ 790 (o espanhol Dominio de Anza Finca El Rapolao 2021) a R$ 9.753 (o também espanhol Vega Sicília Único Reserva Especial).

A seleção foi feita pelo time da revista Adega, publicação nacional especializada na bebida que publicou uma edição especial com o ranking. A equipe da revista degustou mais de 5.000 vinhos ao longo do ano, avaliou cor, aromas, sabor, tato e equilíbrio geral de cada bebida (segundo método reconhecido pela Associação Brasileira de Sommeliers) e atribuiu uma nota de 0 a 100 para cada um deles para montar uma lista com os cem melhores do ano.

Na seleção, só entraram garrafas com nota de 95 para cima. O ranking completo inclui vinhos de sete países diferentes e trazidos ao país por 25 importadoras. A maioria dos rótulos é da Espanha (26), de Portugal (21), do Chile (18) e da Itália (15).

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O que faz essas garrafas serem especiais - e terem um preço tão alto - é a sua capacidade se colocar no mesmo patamar dos vinhos que são aclamados como os melhores do mundo e o seu potencial de envelhecer e melhorar com os anos, explicou Christian Burgos, CEO do Inner Group, que atua na área de vinhos, incluindo a revista.

“O sonho de todo o vinho é vencer o tempo, ter uma curva de melhoria e de evolução positiva com os anos, chegando a décadas”, disse Burgos em entrevista à Bloomberg Línea. “Esses são vinhos que têm essa capacidade e o mesmo nível de alguns dos melhores do mundo”, completou.

Preço, consumo e guarda

A questão da longevidade dos rótulos mais bem avaliados é um diferencial importante no momento atual, segundo Burgos, dado que uma parte muito pequena da produção de vinhos do mundo tem condições de envelhecer, e que o mercado vive em torno de um consumo mais imediato.

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“Mais de 96% dos vinhos vendidos no mundo inteiro são consumidos em até 48 horas após a compra. Os vinhos mais bem avaliados se encaixam entre esses 4% especiais feitos para durar e até melhorar ao longo das décadas”.

Isso justifica, em parte, a etiqueta de altos valores cobrados pelas garrafas apontadas como as melhores do ano. São mais do que simples bebidas, e servem quase como troféus a serem guardados e apreciados em momentos especiais. “Uma parte muito pequena da produção de vinhos do mundo tem essa capacidade de envelhecer. Então tendem a ser vinhos especiais”, disse Burgos.

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A alta demanda por vinhos premium também influencia os preços. Vinhedos renomados têm produção limitada por fatores naturais e, muitas vezes, históricos.

“A produção é limitada pelo terroir”, afirmou Burgos, referindo-se à combinação única de solo, clima e outros fatores locais que determinam a qualidade de um vinho. Quando a demanda supera a oferta, os preços naturalmente sobem.

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Essa explicação é apenas parcial, pois o preço do vinho não segue uma regra muito simples relacionada a custo de produção e lucro e tem uma ligação grande com aspectos ligados a oferta, demanda, marca, luxo, exclusividade e mesmo pelo valor histórico dos vinhedos.

“Os grandes vinhos têm um preço alto e poderiam custar ainda mais caro se considerássemos o valor das terras e os investimentos feitos nos vinhedos. Mas nenhum vinho no mundo deveria custar mais do que US$ 40, se considerarmos apenas a dinâmica de custo de produção”, explicou Burgos.

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Custo Brasil

O valor apontado por ele é consagrado internacionalmente, mas acaba tendo outra realidade no Brasil.

Burgos faz um cálculo médio e indica que esse “preço máximo” do vinho no país seria proporcional a R$ 1.000, algo como US$ 166 no câmbio atual. Esse seria o valor mais alto pelo qual uma bebida deveria ser vendida no país, sem considerar questões como marca, luxo e exclusividade.

O cálculo fica evidente na análise da lista completa dos cem melhores vinhos da revista. O preço médio dos cem melhores vinhos da lista é de R$ 1.640,89. Apenas 36 dos listados como melhores vinhos têm preços abaixo de R$ 1.000. O mais barato da lista é o chileno Coyam Cosecha Nº20, da vinícola Emiliana, que recebeu nota 95 e custa R$ 336.

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A diferença da realidade brasileira se dá por razões como uma cadeia que inclui impostos, custos de transporte, importação e outras burocracias ligadas ao custo Brasil. A incidência cumulativa de tributos como ICMS e contribuições sociais cria um efeito cascata, elevando os preços significativamente. Além disso, diferenças regionais, e entre estados, adicionam ainda mais complexidade.

“Acima de 60% do valor do vinho no Brasil é imposto. Cada elo da cadeia de distribuição adiciona cerca de 10% ao preço final por causa das taxas, e o custo do capital no Brasil também impacta no preço dos vinhos devido ao giro de estoque mais longo”, disse.

O giro de estoque no setor de vinhos é de, em média, oito meses, muito maior do que em outras indústrias, como a de cervejas, que gira em cerca de seis semanas. Esse capital imobilizado impacta diretamente os preços.

Bebidas de R$ 40 a R$ 100

Apesar de os grandes vinhos terem preços mais elevados no Brasil, Burgos defende que é possível beber bem no país sem gastar tanto.

Uma evidência disso é que a revista montou um ranking alternativo com o que classifica como “melhores barganhas” no mercado brasileiro. A lista de “Ótimas Compras” apresenta cem garrafas avaliadas com notas acima de 90 e que custam até R$ 100.

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“O brasileiro tem o hábito de consumir vinhos mais baratos, e cerca de 80% das vendas é de garrafas em torno de R$ 50. Mas, com o câmbio e a inflação, é cada dia é mais difícil encontrar vinhos com nota 90 por esse preço. Fizemos uma avaliação bem ampla para encontrar boas opções que sejam mais acessíveis”, disse.

A lista começa com bebidas com nota 92, que não ficam a tanta distância, portanto, dos 95 classificados entre os melhores do ano em qualquer valor. Portugal é o país com maior representação na seleção, com 29 vinhos. Em seguida vem o Brasil, com 25, o Chile (16) e a Argentina (13). Apenas um é francês.

O preço médio dos vinhos listados aqui é R$ 84,94. Os dois mais baratos são dois espumantes nacionais produzidos com a uva moscatel (que tende a fazer bebidas mais adocicadas): o Maria Reis (R$ 42) e o Monte Paschoal Rosé (R$ 40).

Os valores mais acessíveis são fundamentais para manter o interesse do brasileiro pelo vinho, segundo o CEO. “No mercado de entrada, de vinhos de cerca de R$ 50, quando os preços sobem, muitos consumidores migram para outras bebidas como cerveja”, disse. “É preciso dispor de oferta de bebidas boas e acessíveis, e mostramos que ainda é possível achar garrafas assim.”

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Apesar de o mercado nacional ter um custo tão mais elevado do que outras partes do mundo, Burgos disse que o Brasil está entre os cinco mercados com maior disponibilidade de rótulos do mundo, o que seria um demonstrativo da diversidade e do potencial do setor.

“A distribuição de origens dos vinhos no Brasil é única, com Chile, Argentina e Portugal liderando, seguidos por França e Itália”, disse. Em outros países, a seleção é diferente, como nos Estados Unidos, onde o mercado é dominado por vinhos franceses e italianos.

Além disso, ele disse que o mercado brasileiro passa por uma mudança e que há um crescimento significativo do consumo de vinhos brancos e frescos, que tendem a oferecer alternativas com preços mais baixos, mas ainda com qualidade.

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