Este empresário criou um terroir de vinhos em SP. E aprendeu os desafios do setor

A Casa Soncini nasceu em 2017 e já ganhou prêmios no Brasil e no exterior. Em entrevista à Bloomberg Línea, Alfredo Soncini conta os desafios para acessar o mercado e gerar retorno financeiro

Vinhos da vinícola Casa Soncini
Por Daniel Buarque
26 de Janeiro, 2025 | 09:10 AM

Bloomberg Línea — Se existisse uma regra que associasse o investimento para produzir um vinho com a sua qualidade, a bebida do empresário Alfredo Soncini no interior de São Paulo talvez estivesse entre as melhores.

“Quando eu abro uma garrafa entre amigos, costumo dizer que é o vinho mais caro que eu já tomei. E vai ser por muito tempo, porque cada garrafa custou muito”, disse Soncini, em tom de brincadeira, em entrevista à Bloomberg Línea.

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Cada garrafa dos vinhos da Casa Soncini, na região de Avaré, custa pouco mais de R$ 100. Sem abrir os custos de operação, o empresário do ramo imobiliário e da construção civil disse que os gastos para criar um novo terroir para a produção de vinhos no interior de São Paulo ultrapassam os R$ 10 milhões.

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O investimento envolve a terra (10 hectares atualmente), a pesquisa, o cultivo inicial, produção dos primeiros vinhos e construção da estrutura para vinificação, além de outros gastos.

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“As barricas de carvalho francês para preparar os vinhos são muito caras, sem contar toda a estrutura de vinificação de alta tecnologia que importamos”, disse.

Com tantos custos e desafios, Soncini disse que enfrenta dificuldade em obter retorno financeiro apenas com a venda de vinhos. Por essa razão, planeja uma série de outros projetos associados que ajudem a trazer receitas a partir da vinícola, que incluem enoturismo e projetos imobiliários.

Ciente de que o retorno do investimento vai demorar, ele disse acreditar que a combinação de qualidade do vinho e infraestrutura atrativa ajudará a consolidar a vinícola como um destino único no Estado de São Paulo. “Se essa fosse minha principal atuação como empresário, estaria preocupado, mas é um projeto pessoal e paralelo”, disse. E mantém uma visão otimista: “Faria tudo outra vez”.

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Como tudo começou

O projeto da vinícola Casa Soncini começou em 2017 um pouco como uma espécie de “brincadeira” levada pela curiosidade e pelo interesse do empresário pela bebida. Soncini havia alugado uma casa na Represa de Jurumirim, na região de Avaré, para praticar esportes aquáticos com os filhos.

A propriedade foi adquirida inicialmente para um projeto de loteamento, mas a descoberta de uma figueira que crescia em uma ruína inspirou o início de um projeto diferente, que acabou se tornando uma vinícola.

Figueira em ruína de propriedade inspirou o projeto da vinícola Casa Soncini

Depois de contar com a consultoria do pesquisador Murillo de Albuquerque Regina, que desenvolveu uma nova técnica de produção de uvas viníferas e transformou a viticultura do sudeste brasileiro, Soncini percebeu que a área realmente tinha um bom potencial para vinhos. E assim decidiu apostar nesse novo terroir.

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A palavra francesa se refere ao conjunto único de fatores naturais e humanos (solo, clima, topografia e práticas culturais) que influencia as características específicas de um vinho, e serve para designar o trabalho que está sendo feito pela Casa Soncini.

A proximidade da Represa de Jurumirim contribui para uma amplitude térmica favorável às uvas, gerando vinhos com características únicas, segundo ele. A bebida produzida ali é descrita como leve e agradável, focada em menos barrica e mais frescor, alinhada ao clima local.

A produção começou com o plantio de 3 hectares em 2017, com técnicas da chamada “dupla poda”, que faz com que as uvas sejam colhidas no inverno (diferentemente do que acontece no hemisfério norte, que tem a colheita no verão).

Os primeiros vinhos da casa surpreenderam e, em 2022, a vinícola foi oficialmente lançada no mercado, chegando a conquistar prêmios internacionais como o Brazil Wine Challenge 2024 e o Concurso Internacional de Vinhos e Licores - Vinus, realizado em Mendoza, na Argentina.

A propriedade cresceu para 10 hectares, com 12 variedades de uva, incluindo syrah e sauvignon blanc, que têm se consolidado como as mais importantes na região.

Desafio de vendas

Atualmente, a produção da Casa Soncini é de aproximadamente 25.000 a 30.000 garrafas por ano, considerando os oito rótulos disponíveis. Soncini explicou que a capacidade potencial das vinhas já estabelecidas, a depender da safra, é de 50.000 a 60.000 garrafas por ano.

Parte da colheita é vendida para outras vinícolas, enquanto a estrutura comercial própria é ajustada.

“O grande desafio hoje é a parte de vendas. Entrar no supermercado [com sua marca] não é fácil, e a burocracia complica. Quando o vinho acaba, muitas vezes não compram mais”, disse.

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Uma questão central é que, ao decidir produzir vinhos finos de alta qualidade, a concorrência com marcas já estabelecidas no mercado torna ainda mais difícil chegar aos consumidores.

“A qualidade gera um novo desafio: você sai do mercado de commodities, como suco de uva, e precisa provar que o seu vinho tem valor. Medalhas e prêmios ajudam, mas é um trabalho contínuo”, disse.

“Se o nosso vinho fosse ruim, seria mais fácil vender. Eu venderia barato em redes de supermercado por aí. Como o vinho está sendo bom, e custa caro produzir, não posso vender barato”, disse.

A Casa Soncini atualmente conta com dez hectares para a produção de vinhos

Receitas alternativas

Enquanto a venda do vinho não é suficiente para recuperar o investimento e equilibrar as finanças, Soncini pensa em outros projetos que ajudem a dar visibilidade ao trabalho e que traga retorno financeiro. Parte disso envolve observar o que outras vinícolas estão fazendo, e outra parte envolve a experiência do empresário no ramo imobiliário.

“Historicamente, vinícolas no Vale dos Vinhedos estavam quebradas. Elas se reergueram quando começaram a investir no enoturismo, com pousadas e degustações. Estamos seguindo esse caminho”, disse.

“O enoturismo é o equilíbrio para uma vinícola. Não é só vender vinho; é o visitante pagar para degustar, participar da experiência e levar o vinho com ele. Isso muda o fluxo de caixa”, explicou.

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A Casa Soncini trabalha atualmente para ingressar nesse segmento mais amplo, com um projeto de desenvolver o receptivo na ruína que deu origem à vinícola e de criar uma pousada no futuro. O empresário acredita que isso poderá atrair mais visitantes e ajudará a equilibrar as contas.

Além do turismo, o empresário também aposta em outros produtos. Já começou a plantar oliveiras pensando em azeite e analisa a possibilidade de ter outras plantações que ajudem nas finanças da vinícola.

Ele também cita possíveis projetos de loteamento na região, com casas que possam estar associadas à vinícola e mesmo que permitam que os compradores possam se sentir parte do processo da produção dos vinhos. Ainda são planos em discussão, para tentar levar adiante o projeto que começou como brincadeira e que se tornou algo sério e que entusiasma o empresário.

Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'