Bloomberg — É meio-dia de uma sexta-feira, e Oisin Rogers, cofundador do Devonshire, está observando uma cena familiar: um grupo de clientes está do lado de fora de seu elogiado pub no Soho, com espuma de Guinness na boca após os primeiros goles, segurando seus copos de cerveja na altura dos olhos para determinar qual deles garantiu o direito de se gabar por “Split the G” (dividir a letra G) com mais precisão.
“Provavelmente, vejo isso cerca de 120 vezes por dia”, diz Rogers, com naturalidade sobre o desafio viral de beber que está tomando conta dos pubs do Reino Unido. “Em breve, eles terão outra rodada”. Todas essas rodadas estão se acumulando.
No final de dezembro, a Guinness registrou um crescimento de dois dígitos pelo oitavo semestre consecutivo, com um aumento orgânico de 17% nas vendas líquidas, de acordo com Grainne Wafer, diretora global da proprietária Diageo. A demanda sem precedentes durante a temporada de fim de ano foi tão grande que o Reino Unido enfrentou escassez de suprimentos.
A Guinness está construindo uma segunda cervejaria de 200 milhões de euros (US$ 217 milhões) em Kildare, na Irlanda, com início de produção previsto para 2026, para ajudar a acompanhar o ritmo da sede aparentemente insaciável por seu produto. Em janeiro, relatos de uma possível cisão, que a Diaego negou posteriormente, avaliaram a cervejaria em mais de US$ 10 bilhões.
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“Se a rede de pubs Wetherspoon’s tivesse dito que vamos incentivar as pessoas a ‘split the G’, perderíamos nossa licença por incentivar o consumo excessivo de álcool”, diz Tim Martin, fundador e presidente da J D Wetherspoon, que administra 800 pubs no Reino Unido e na Irlanda. “Mas não há nada mais poderoso do que uma ideia da moda e, sim, chegou o momento da Guinness.”
As vendas da cerveja preta na cadeia de pubs aumentaram 85% em relação ao nível pré-pandêmico, o que equivale a cerca de 25 milhões de pints por ano.
‘Divida o G’
Para quem não esteve em um pub britânico ultimamente ou não é um leitor assíduo de mídias sociais, o objetivo do desafio é, em seus primeiros goles ininterruptos, levar com precisão o nível de líquido preto sob a espuma a um ponto específico em um copo de cerveja oficial da marca Guinness. Há um debate sobre se o nível de sua bebida deve dividir o meio da letra G - ou seja, alinhado com o traço horizontal, ou barra transversal - ou se deve dividir o espaço entre a parte superior do G e a parte inferior do logotipo da Guinness.
A versão preferida das regras depende da facção apaixonada com a qual se interage. Existe até mesmo um aplicativo lançado no ano passado para garantir que o jogo continue quando os copos de cerveja com a marca não estiverem à vista.
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Uma das primeiras menções online ao ‘Split the G’ foi a explicação do Urban Dictionary sobre o desafio em 2018, quando ele estava recebendo algum reconhecimento local em pubs. Em 2022, a brincadeira tomou outra proporção em plataformas como TikTok, Instagram e X, com um pico de buscas em dezembro daquele ano, conforme mostrado pelas tendências do Google.
Nesse mesmo período, o Devonshire, a maior conta individual da Guinness no mundo, vendeu 27.500 pints ou pouco mais de 312 barris da bebida preta durante a semana que antecedeu a véspera de Natal, de acordo com Rogers. Normalmente, eram vendidos 170 barris em uma semana tranquila e 280 barris em uma semana movimentada.
Os números da Guinness também foram impulsionados pela participação de celebridades. Ed Sheeran e Niall Horan entraram na onda no ano passado, enquanto Paul Mescal, Joe Jonas e John Cena pregaram a divisão do G nos últimos tempos.
“Eu não chamaria isso de tendência”, diz Rogers sobre o ambiente de vendas atual, no qual a Guinness está superando a venda de cerveja lager em cerca de 15 para 1. Os rituais carinhosos ligados ao ato de tirar a cerveja perfeita, além de jogos como o ‘Split the G’, conseguiram reunir pessoas de vários grupos demográficos de uma forma que nenhuma outra bebida consegue, continua ele. “Ela transcendeu os pubs e a cerveja e se tornou um fenômeno cultural. Nunca vi ou ouvi nada parecido com isso antes.”
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Wafer, da Diageo, atribui uma parte significativa dessa nova era de ouro para a stout de 267 anos à escolha consciente da empresa de abraçar os padrões fragmentados de consumo de mídia e adotar um modelo de marketing e engajamento que prioriza as redes sociais.
“Investimos em ferramentas digitais que nos permitem realmente entender os sinais que chegam pela mídia social e responder a eles em tempo real”, diz Wafer. “Podemos ver o tipo de ressonância cultural e o calor em torno da marca de nossas comunidades, que estão sendo muito mais divertidas com os rituais em torno da Guinness como uma marca de qualidade”.
É essa abordagem e o ciclo virtuoso da mídia social - além do fato de que os fãs mais fervorosos do desafio G são, sem surpresa, bebedores mais jovens - que faz com que Martin, da Wetherspoon, classifique o crescimento explosivo da Guinness como quase certamente um pico.
“Um fator curioso que você não vê, a menos que esteja no mundo dos pubs, é que a cada poucos anos há um produto estranho que capta a imaginação, principalmente dos jovens, e se torna vasto”, explica Martin.
Há mais de 30 anos, diz ele, o produto em garrafa nº 1 de qualquer descrição no Reino Unido era uma bebida de 8% de álcool chamada Diamond White, que decolou antes de desaparecer. “Depois vieram Budweiser, Smirnoff Ice, Magners Irish Cider, vodca com Red Bull, Jägerbombs e, pouco antes da pandemia, veio o gim, que apareceu do nada, mais que dobrou as vendas, eclipsou a vodca e agora desapareceu novamente.”
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Portanto, embora não acredite que a Guinness vá a lugar algum, ele acha difícil acreditar que não haverá outra tendência que roube a imaginação e o mercado com ela.
“Muitas vezes me pergunto: por que eu, um homem de 1,80 m, usava calças boca de sino com sapatos de plataforma no final dos anos 70?”, diz Martin. “A moda e as tendências da moda são fatores muito mais poderosos na humanidade do que gostamos de acreditar, e eu adoro a Guinness, mas ainda acho que ela está pegando uma onda.”
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