Conhaque de US$ 4.000 pode ser caro demais até para o mercado de luxo

Apetite de consumidores por bebidas premium de gigantes como Remy Cointreau e Diageo pode encontrar obstáculo diante de mais um ano seguido de inflação e juros altos

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Bloomberg — Empresas de destilados internacionais têm criado formulações exclusivas há anos para justificar cobrar preços cada vez mais altos dos consumidores. Por exemplo, a edição limitada japonesa do Johnnie Walker Blue, da Diageo, é misturada para extrair sabores de umami e é vendida por £ 300 (US$ 382).

A estratégia, adotada há tempos pela indústria de bens de luxo, é chamada de premiumização e tem gerado lucros recordes. No entanto consumidores de bebidas de vários países parecem estar cansados de pagar cada vez mais por garrafas, o que ameaça desestabilizar o modelo de negócio.

Na sexta-feira (26), a Remy Cointreau, cujo conhaque Remy Martin Louis XIII é vendido por US$ 4.000, alertou que as condições do mercado dos Estados Unidos pioraram no último ano.

Varejistas estão oferecendo grandes descontos e o aumento das taxas de juros limitou a capacidade dos distribuidores de financiar novos estoques.

A recuperação pós-pandemia na China foi mais lenta do que o esperado. E a Remy acredita que a inflação persistente limitará as vendas na Europa.

“Este ano será o momento de decisão para muitas empresas do setor de bebidas”, disse Siobhan Gehin, sócia sênior da consultoria Roland Berger. “A premiumização ainda é a estratégia certa, mas está cada vez mais sob pressão. À parte os clientes realmente ricos, até mesmo os consumidores que pagariam um preço premium estão considerando seus gastos por causa das pressões contínuas em seus orçamentos.”

Os resultados da Remy não são um bom sinal para a Diageo, que atualizará os investidores dos seus resultados na terça-feira (30).

Em novembro, suas ações despencaram 12% após um alerta de lucro atribuído à América Latina e ao Caribe. Agora, a recuperação de seu negócio na América do Norte também parece incerta.

“Os EUA são a coisa mais importante, a maior fonte de lucro para a empresa”, disse Kevin Dreyer, co-chefe de investimentos de valor da Gabelli Funds, que possui uma participação na empresa no valor de cerca de £ 25 milhões. Os cheques de estímulo da era covid impulsionaram os gastos naquele momento, mas isso agora se estabilizou. “É tudo sobre estabilizar e fazer com que esse negócio cresça novamente”, acrescentou.

A estratégia de premiumização aproveitou tendências lucrativas: o desejo de beber menos, mas melhor, e o aumento da classe média em países como a China, onde uísques mais caros sinalizam prosperidade. Um estoque de bebidas envelhecidas como conhaque e uísque tem limitado a oferta, impulsionando os preços.

Mas os hábitos de consumo estão mudando. No último ano fiscal da Diageo, as “premium-plus” — destilados que custam US$ 50 ou mais por garrafa — representaram 57% do crescimento líquido das vendas, uma queda em relação aos 71% do ano anterior.

A mudança reflete o que acontece no setor de luxo como um todo. A LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, que teve suas ações disparando na sexta após relatar ganhos nas vendas do último ano, disse que não pretende aumentar os preços ainda mais em 2024. Sua resiliência alimentou o otimismo dos investidores de que a indústria do luxo pode continuar crescendo mesmo que seu poder de precificação se modere.

Outras empresas de luxo também estão mostrando os limites da disposição ou da capacidade dos consumidores de gastar ainda mais nos mesmos itens que sempre desejaram. As vendas da fabricante suíça de relógios Swatch Group ficaram abaixo das estimativas no ano passado — em parte porque ela não conseguiu aumentar os preços o suficiente para compensar a valorização do franco suíço.

"Você não pode simplesmente pedir ao consumidor que pague mais porque a demanda é maior ou porque a demanda está excedendo a oferta", disse Nick Hayek, CEO da Swatch, em uma entrevista nesta semana. "Mesmo as pessoas ricas não são estúpidas."

A Diageo está tentando encontrar maneiras de amenizar o impacto da compra de bebidas menos caras pelos consumidores. Na América Latina, o novo Johnnie Walker Blonde tem preço entre o Johnnie Walker Black e o Johnnie Walker Red. No entanto, diferentemente da conglomerado de cosméticos L’Oréal, por exemplo, que se saiu bem na crise do custo de vida, a Diageo não possui uma unidade de baixo custo.

Grandes empresas de bebidas ainda possuem algumas vantagens estruturais. Os bebedores estão trocando cerveja e vinho por destilados.

“Elas têm marcas que têm centenas de anos e passaram por guerras, doenças, fome, secas, proibição nos EUA, expansões econômicas e crises, interrupções no fornecimento”, disse Donny Kranson, gestor de portfólio da Vontobel Asset Management, sobre a Diageo.

“Se a gestão mantiver as marcas relevantes, investir em suas capacidades e em um estoque estratégico, as marcas continuarão sendo boas por mais centenas de anos, pelo menos.”

- Com a colaboração de Andy Hoffman e Angelina Rascouet.

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