Bloomberg Línea — Quando a pandemia de covid-19 abalou a cena gastronômica em todo o mundo, levando milhares de restaurantes à falência, ela também fez surgir novos projetos no setor para transformar áreas antes pouco exploradas das cidades.
Isso aconteceu, por exemplo, com a pequena Rua Jesuíno Pascoal, na Vila Buarque, bairro que desde então começou romper com o cenário de crise urbana e social que marca a região central de São Paulo há décadas.
Em uma área em que até cinco anos atrás não havia muita vida, o chef e empresário Thiago Maeda começou então a construir o que se tornaria um pequeno “império” gastronômico com três casas que ajudaram a revitalizar a rua. Ele é sócio do bar Bagaceira, do restaurante japonês Koya88 e da pizzaria Krozta.
“Houve uma transformação na rua e no bairro. Não foi algo que fiz sozinho, mas sem dúvida fizemos parte desse movimento, junto com o Tabuleiro do Acarajé, do Elevado Bar e de outros. Nós estávamos preocupados em trazer alma para essa parte da cidade”, disse Maeda à Bloomberg Línea, durante um almoço recente no Bagaceira.
“A gente ajudou a criar um ecossistema gastronômico aqui. Hoje, quem vem ao bairro sabe que tem várias opções interessantes, tudo a poucos metros de distância”, afirmou.
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No total, são pelo menos dez casas em um trecho de apenas 180 metros. Além dos três projetos de Maeda, há ainda uma cervejaria, um bar de vinhos, um restaurante de comida baiana, uma hamburgueria e uma casa de ramen.

David Chang da Vila Buarque?
A escolha da Vila Buarque como base foi estratégica, segundo ele. “Era uma região abandonada, com poucos negócios na rua, mas com um grande potencial de público. Montamos um bar com um conceito mais casual, sem rótulos, e deu muito certo”, disse.
O esforço fez com que o espaço deixasse de atrair apenas o público do bairro, mas que tivesse apelo para toda a cidade.
“Temos clientes fiéis da Bela Vista, dos Jardins, de Perdizes, Paraíso [bairros de outras regiões de São Paulo], que também se identificam com a nossa proposta, e veem porque se sentem bem, porque tem variedade de opções. Os clientes trazem amigos de fora e gostam porque aqui dá para fazer tudo a pé e passar por três cinco bares de uma vez só”, explicou Maeda.
A transformação também gerou mudanças urbanas, como a redução da presença de moradores de rua e a organização de uma segurança privada compartilhada entre os estabelecimentos. “Foi uma requalificação espontânea da área, que melhorou tanto para os comerciantes quanto para os frequentadores”, disse.
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Com uma trajetória que mistura empreendedorismo ousado, gestão cuidadosa, e uma gastronomia que funde elementos asiáticos com técnicas tradicionais europeias e brasileiras, a trajetória de Maeda pode lembrar o que o aclamado chef David Chang fez em Nova York nos anos 2000 com os famosos restaurantes Momofuku.
“Sou muito fã dele e da forma como ele briga por seus ideais, mesmo quando todo mundo vai contra ele”, disse.
Formação
A relação de Maeda com a gastronomia começou cedo, em um pequeno restaurante de bairro tocado pela sua mãe também na região de Santa Cecília, onde ele ajudava na cozinha. O hoje chef chegou a cursar engenharia na faculdade, mas logo percebeu que seguiria outro caminho.
“Nos primeiros semestres, percebi que engenharia não era para mim. Comecei a ajudar minha mãe, lavando louça e aprendendo a fazer yakissoba, sem muita noção do que estava fazendo, mas sempre gostando do ambiente”, disse.
Essa vivência despertou um interesse que o levou a estudar hotelaria no Senac, onde teve um primeiro contato estruturado com a gastronomia. Logo vieram os estágios em restaurantes, até que, em 2008, surgiu uma vaga no D.O.M., de Alex Atala. “Foi uma escola incrível. Passei por todas as praças, mas me interessava muito pela parte de produção e pela construção dos sabores”, disse.

Após sair do D.O.M., Maeda tentou sua primeira empreitada com um grupo de ex-colegas de cozinha, organizando eventos gastronômicos. “Foi um sucesso do ponto de vista criativo, mas falhamos na parte administrativa. Pegávamos o dinheiro e gastávamos tudo sem planejamento”, disse.
Depois de um período trabalhando como personal chef para clientes de alto padrão, percebeu que precisava de mais liberdade para criar. Em 2014, assumiu a cozinha de um restaurante no bairro do Itaim Bibi e, dois anos depois, passou a integrar o time do Bagatelle, onde aprendeu a importância da gestão administrativa e financeira de restaurantes.
“Ali entendi como um restaurante precisa ser eficiente para dar lucro. Tudo era calculado, desde o custo de ingredientes até o rendimento por centímetro de cada produto”, explicou.
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Visão de negócio
A pandemia, que levou ao fechamento de muitos estabelecimentos, acabou sendo o momento decisivo para Maeda empreender com resultados positivos. Ele e seu sócio começaram vendendo coquetéis engarrafados, aproveitando a demanda crescente por bebidas artesanais durante o isolamento social. A operação foi tão bem-sucedida que decidiram abrir um espaço físico, e assim nasceram o Koya88, o Bagaceira e, mais tarde, a Krozta.
Apesar de o sucesso ser tradicionalmente associado ao lado chef de Maeda, ele destaca a importância de ter uma gestão financeira rigorosa, para garantir a saúde do negócio e evitar desperdícios.
Nas suas três casas, tudo é calculado de forma precisa para tentar manter o preço o mais baixo possível sem afetar a margem de lucro. Segundo ele, atualmente, seus negócios faturam juntos mais de R$ 1 milhão por mês, com uma margem de lucro entre 18% e 22%.
“São casas com um break-even relativamente baixo, o que permite ajustes rápidos. Diferente de grandes operações que precisam de meses para se recuperar de um período ruim”, explicou.
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O investimento inicial para abrir o Bagaceira, por exemplo, foi de cerca de R$ 300 mil, e Maeda diz que conseguiu reduzir os custos comprando equipamentos de restaurantes que estavam fechando na época da pandemia.
O projeto deu certo e o bar teve um retorno do investimento em um ano e meio, devido ao baixo investimento inicial e à alta demanda.
Com três casas consolidadas, Maeda planeja ampliar sua atuação ainda mais. Ele quer abrir um novo projeto de culinária mais autoral, que traga sua identidade gastronômica de forma mais evidente. “Não será fine dining, mas um espaço onde poderei explorar técnicas e influências asiáticas de uma forma mais pessoal", disse.
Outro plano para o futuro é a criação de um novo bar inspirado nos botecos japoneses, os Izakayas, conhecidos por servirem comida em pé e pratos de estufa. “Queremos trazer esse conceito misturado com o que temos de melhor nos botecos brasileiros, criando um ambiente acessível e de alta qualidade”, diz.
Maeda também tem planos de expansão para o Rio de Janeiro e para outras cidades de São Paulo, com foco em abrir novas unidades do Krozta, que tem um ticket médio mais baixo e um modelo de negócio escalável.
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