Como a Macallan planeja levar o brasileiro a beber ‘single malt’ de luxo

Categoria de bebidas especiais representa menos de 2% do consumo do destilado no país, mas há potencial para mais, diz o country manager da marca escocesa, Tiago Serrano, à Bloomberg Línea

Macallan scotch whiskey
Por Daniel Buarque
03 de Janeiro, 2025 | 05:45 AM

Bloomberg Línea — O padrão de consumo de cerveja do brasileiro passou por uma transformação nas últimas duas décadas, com o aumento da exigência por qualidade e o crescimento da popularidade das bebidas “puro malte”. O crescimento dessa categoria chegou a ser de mais de 70% em anos recentes, e a participação no mercado passou de 2,5% para 10% em dois anos.

Uma das principais marcas de uísque de luxo do mundo agora planeja algo parecido em relação à bebida destilada, incentivando os brasileiros a beberem “melhor” e com a aposta na formação de um público consumidor mais exigente e disposto a pagar mais caro por isso.

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“O brasileiro toma muito uísque, mas ainda não é um bebedor de single malt”, disse Tiago Serrano, country manager da The Macallan no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea. Ele disse acreditar que o caminho para consolidar essa bebida premium no país passa pela educação do consumidor.

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Por mais que o Brasil sempre tenha sido um mercado promissor para o uísque, ele explicou, a maioria dos consumidores está acostumada a blended scotches, uma categoria mais acessível e versátil. Quando se trata dessa subcategoria premium da bebida, ainda há muito a ser explorado.

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“Assim como muitos começam com pilsners antes de explorar IPAs ou outras variedades de cervejas, o consumidor de uísque também pode expandir seu paladar para novas subcategorias, como o single malt”, argumentou o country manager no Brasil da destilaria escocesa de 200 anos.

Sem máscaras

O uísque single malt é produzido exclusivamente com cevada maltada, diferentemente das bebidas mais simples, que combinam diferentes tipos de grãos e podem misturar destilados de várias destilarias.

Essa singularidade se reflete diretamente na qualidade, segundo Serrano. “O que está na garrafa vem de uma única destilaria e de um barril específico. Não há como mascarar ou balancear sabores com misturas. Por isso, o cuidado com o líquido e o barril é essencial”, explicou Serrano.

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Cerca de 80% do sabor de um single malt é influenciado pelo barril. Segundo Serrano, “o whisky é um chá de madeira”. A qualidade do barril é impactada por fatores como o tipo de madeira, a torra, a umidade do ambiente e até mesmo a parte da árvore de onde a madeira foi cortada. Isso torna cada lote único, que reflete o terroir e a experiência do produtor.

A categoria atualmente representa menos de 2% das vendas de uísque no Brasil, enquanto nos chamados “mercados mais maduros”, como os Estados Unidos, essa categoria alcança 30% das vendas.

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A “pop-up boutique”  da Macallan em São Paulo

Para a Macallan, o foco para avançar no Brasil está em educar o consumidor sobre as diferenças e os atributos do single malt e mostrar o que torna sua bebida excepcional.

“Nossa estratégia é fazer as pessoas experimentarem. Uma vez que provam, entendem a diferença”, disse Serrano. Eventos e degustações em lojas são algumas das ferramentas utilizadas para apresentar o produto ao público.

“É um trabalho de educação. O consumidor precisa entender o que torna um single malt especial e por que vale a pena explorar essa experiência”, disse.

Segundo ele, essa estratégia já começa a dar resultado, e a Macallan é que mais impulsiona a categoria “prestige”, que inclui as bebidas de luxo.

“Temos 56% de participação entre os single malts, que é a categoria que mais cresce e tem potencial. Sem a Macallan, a categoria de luxo cairia.”

Essa educação também é essencial para expandir a categoria de luxo no Brasil de maneira mais ampla, segundo ele. Enquanto os destilados no país são majoritariamente vendidos em supermercados, as marcas de luxo dependem de pontos de venda especializados para construir conhecimento e prestígio. Serrano enfatizou que, sem esses canais, seria mais difícil consolidar a categoria.

Para alcançar esse objetivo, ao longo do ano passado a marca contou com uma “pop-up boutique” no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo, voltado para o público de alta renda. O espaço celebra o uísque premium e permite que os clientes experimentem e conheçam a marca que já tem força no resto do mundo.

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Produto de entrada e locais de consumo

No Brasil, o uísque Macallan 12 anos é o produto mais vendido da marca, segundo Serrano, e funciona como porta de entrada para novos consumidores. A garrafa chega a custar entre R$ 700 e R$ 900 nas principais lojas virtuais - bem acima dos cerca de R$ 150 de um blended scotch de 12 anos.

Apesar do preço mais alto, Serrano disse que há um crescimento na demanda por uísques ainda mais envelhecidos (e mais caros), como os de 15 e 18 anos. “O brasileiro valoriza muito a idade do uísque, associando isso à qualidade da bebida”, explicou.

Embora o consumo de luxo esteja em queda em outros países, o Brasil segue na contramão. “Estudos recentes mostram que o consumo de bebidas de luxo no Brasil deve crescer 50% até 2030. Isso reflete a aceleração dessa tendência no país”, destacou Serrano. Esse cenário favorável posiciona o Brasil como um mercado estratégico para marcas como The Macallan.

Tiago Serrano, country manager da The Macallan no Brasil

Segundo Serrano, o público que já consome The Macallan no Brasil é diverso. Abrange desde frequentadores de bares de coquetelaria até amantes da bebida que a conhecem por meio de filmes e séries de TV.

“A coquetelaria ampliou o conceito do uísque. Hoje, ele não é mais apenas um aperitivo, mas pode ser consumido ao longo de toda uma refeição”, observou.

As tabacarias também desempenham um papel importante. “Elas vendem até cem vezes mais do que bares ou restaurantes normais. Esse ambiente atrai apaixonados pelo single malt”, afirmou Serrano.

Desafios

Apesar do otimismo e da perspectiva de crescimento, a Macallan monitora os desafios do mercado brasileiro, impactos derivados da reforma tributária. Atualmente, os impostos sobre destilados variam até 40% de um estado para outro, segundo Serrano, o que dificulta o trabalho comercial da marca. “Precisamos entender exatamente o que vai mudar para adaptar nossa estratégia.”

Outro ponto de atenção é o câmbio. O dólar influencia os custos, embora a empresa busque evitar repassar as variações diretamente ao consumidor. “Tomamos decisões de longo prazo para garantir estabilidade nos preços”, afirmou. Ele indicou que a alta atual não deve afetar os valores imediatamente.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'