Como a JHSF pretende levar o consumo de luxo para o campo, segundo o CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Thiago Alonso revela os planos do ecossistema montado para o público de alta renda no complexo Boa Vista, no interior de SP

Loja da Dolce & Gabbana no Catarina Fashion Outlet, em São Roque: aposta em novo shopping de luxo na região (Foto: Maira Erlich/Bloomberg)
31 de Agosto, 2023 | 05:05 AM
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Bloomberg Línea — O mercado de consumo de luxo no Brasil vai ganhar nova fronteira em breve - no campo. A 100 km de São Paulo, em Porto Feliz, a Fazenda Boa Vista, um condomínio de ultrarricos com cerca de 1.000 propriedades em uma área de 13 milhões de m², cercado de verde, terá em seus arredores um shopping center, com previsão de inauguração no segundo semestre de 2024.

O shopping, ainda sem nome, vai ampliar o ecossistema de empreendimentos voltados para o público de alta renda na região, minuciosamente arquitetados pela JHSF (JHSF3) desde meados dos anos 2000.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO da JHSF, Thiago Alonso, disse que o shopping vai atrair marcas globais premium para o Boa Vista Village, expansão da Fazenda Boa Vista, que, por sua vez, ganha os contornos de uma cidade à parte, com a construção de uma escola e um hospital de emergência.

O novo centro comercial, que será aberto ao público, buscou inspiração em certos vilarejos italianos, que combinam paisagem natural e atividades de consumo, entretenimento e gastronomia, disse Alonso.

Para as grifes de roupas, calçados e acessórios de luxo, bem como restaurantes estrelados, o novo espaço projetado permitirá maior proximidade com o seu público-alvo de alta renda.

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Alonso contou que a JHSF opera atualmente um portfólio com 20 marcas globais premium, que buscam nos shoppings do grupo na capital paulista - o pioneiro Cidade Jardim e o Shops Jardins - uma oportunidade de aumentar a sua presença na América Latina. Nesse contexto, marcas como Bulgari, Valentino e Louis Vuitton estão atualmente com projetos de expansão em São Paulo.

A previsão é que os novos espaços da Bulgari e da Valentino sejam inaugurados no Cidade Jardim em novembro, enquanto a loja da LV abra em dezembro no Shops Jardins.

A alta gastronomia também faz parte desse movimento. O L’Avenue, famoso restaurante parisiense, está prestes a abrir sua filial no Cidade Jardim, segundo o CEO. Trazer esses nomes de prestígio internacional cria situações inusitadas.

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“Trouxemos o Makoto [restaurante japonês], de Miami, para o Cidade Jardim. E ele já é maior em São Paulo do que em Miami.”

No Shops Jardins, o Caviar Kaspia, restaurante clássico e quase centenário de Paris, é outro que o executivo aponta como case de performance de uma marca estrangeira no mercado paulistano.

Como mostrou reportagem de Bloomberg Línea no último dia 18 de agosto, grupos que administram shoppings como JHSF, Multiplan (MULT3) e Alliança, ex-Aliansce Sonae (ALSO3), estão otimistas com os projetos de expansão de grifes em seu portfólio.

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O Cidade Jardim, shopping da JHSF na marginal Pinheiros, na capital paulista, terá expansão da Valentino e da Bulgari, segundo o CEO

O CEO da JHSF destacou que o grupo começou a apostar em marcas globais em 2008 com a francesa Hermès e hoje opera nomes como Balmain, Celine, Chloé e Brione, entre outras. Na operação da Valentino, a companhia detém uma participação de 20%, segundo Oliveira.

O racional para apostar em uma marca internacional no Brasil é a identificação com os gostos da elite brasileira e a expectativa de evolução da grife no longo prazo, apontou o executivo. Lojas e restaurantes bem avaliados pelo público de alta renda em suas viagens a cidades como Miami e Paris são fortes candidatas a entrarem no portfólio da JHSF, segundo ele.

“Buscamos parceiros de negócios que não estão presentes ainda no Brasil, mas que tenham clientes brasileiros e vejam a vantagem de ter uma operação no país”, disse Oliveira.

Leia a seguir trechos do entrevista com o CEO do JHSF, que foi editada para fins de clareza.

Como a JHSF se organiza para desenvolver seus negócios?

Estou na JHSF de oito para nove anos. Tive diversidade de experiência profissional na minha carreira. Esta é a 15ª empresa em que trabalho. O que me chamou muita atenção aqui é que a JHSF não se organiza por uma linha de produto, mas por um perfil de cliente. A empresa elegeu um segmento da população e procurou construir e aplicar negócios relevantes para esse público. É um ecossistema.

O que tocamos nesse cliente de alta renda? A maneira como ele mora, como consome, como se entretém e viaja. Quando falamos de morar, não é só o que está dentro do tijolo mas também o que cerca, o entorno. Parte desse ecossistema é construir esses grandes espaços, em que esses quatro elementos (morar, consumir, entreter e viajar) vão trabalhar de maneira coordenada.

Como essa visão se aplica à Fazenda Boa Vista?

Quando olhamos para o município de Porto Feliz, onde está o Complexo Boa Vista, já falamos em construir colégio e hospital. Isso complementa o básico para uma pessoa estabelecer sua família naquele endereço.

Como começou o projeto de construir um ecossistema na região?

Há uma expansão imobiliária que causamos na região. Em mais de dez anos, a empresa foi comprando terrenos até perceber que o projeto estava mais maduro para ser lançado. Saímos de uma empresa que vendeu, na área imobiliária, R$ 380 milhões em 2019 para mais de R$ 1,5 bilhão no ano passado. A empresa praticamente quadruplicou de tamanho. Isso foi o primeiro passo na formação desses clusters, dessas comunidades.

Isso gerou um impacto na cidade e no entorno...

O impacto social e econômico do empreendimento, que tem uma pequena parte da Fazenda em Iperó, é percebido mais em Porto Feliz e cidades vizinhas, como Sorocaba e Boituva, como a criação de novos negócios. Porto Feliz não tem desemprego hoje. O empreendimento trouxe oportunidades de ocupação. No município, os pais foram trabalhar na Fazenda Boa Vista, e os filhos hoje são graduados do ponto de vista acadêmico. O IDH [Índice do Desenvolvimento Humano] da cidade está subindo.

Quais os próximos passos?

Ao lado da Fazenda Boa Vista, o projeto do Boa Vista Village [uma extensão da Fazenda Boa Vista] foi lançado em 2019, e temos previsto para o ano que vem o início de uma operação de um shopping dentro do complexo, que inclui uma área que chamamos de Town Center. Além da área de 25 mil m² de área bruta locável no shopping, temos o Boa Vista Estates, nosso lançamento mais recente lá.

Para dar uma referência, quando inauguramos o Catarina Fashion Outlet [em São Roque em 2014], eram 15 mil m² no início. Hoje ele tem 30 mil m² e estamos ampliando para 53 mil m².

Executivo diz que o grupo planeja atender o público de alta renda em quatro frentes, da moradia ao consumo (Foto: Germano Lüders)

Como será esse shopping?

O shopping ainda não está pronto. Não definimos ainda o nome. Devemos inaugurar no segundo semestre do ano que vem. Ele terá também restaurantes, atividades de entretenimento, um centro ecumênico, galerias de artes. O conceito dele é como o centro de uma vila.

Fizemos uma recente visita em uma região da Itália, em um village, que mistura lojas, residências, restaurantes, em um espaço aberto, em que as pessoas vão para um grande ponto de encontro, que envolve tanto o varejo como a gastronomia e o entretenimento.

A inspiração vem do entendimento de que esses destinos que conhecemos mundo afora têm um centrinho, um espaço onde esses elementos da cultura se permeiam. Conheci quatro vilas na Itália e vi que sempre havia igreja, lojas, teatro e marcas que conversam com o nosso público.

Como vocês pretendem atrair marcas para o novo shopping?

Estruturamos para o complexo Boa Vista uma área para que parceiros de negócios da JHSF que também trabalham voltados para esse perfil de público tenham a sua operação aqui. Estamos falando de um vizinho, a Fazenda Boa Vista, que tem 1.000 propriedades, e desse novo empreendimento [Boa Vista Estates] que deve ter outras 1.000 propriedades.

Há ainda prédios reservados para um hospital de emergência, um colégio e três para escritórios. Outras obras prontas: empreendimentos residenciais voltados para os esportes da raquete, que chamamos de Gran Lodge, e a hotelaria. Outro é o Surf Lodge, com a piscina de surfe, que também tem outro hotel.

Fizemos um local para a residência do público que atendemos e trouxemos uma oferta de serviços no padrão que esse cliente procura, o que fazemos como uma empresa que também administra shopping centers.

Qual a fase do projeto do novo shopping?

Estamos na fase da construção do portfólio. Já temos definido quem vai operar o supermercado. Estamos na fase de trabalhar com empresas de gastronomia para abrirem restaurantes. Elencamos uma série de categorias que consideramos interessantes ter, como sorveteria, hambúrguer, sushi, italiano, frutos do mar. Serão dois andares. Haverá uma simbiose entre espaços residenciais e comerciais.

Como será a estrutura societária desse empreendimento? Haverá algum sócio?

Será 100% da JHSF. Não temos dificuldades de fazer tudo dentro de casa. Somos uma empresa que faz várias coisas voltadas para o público de alta renda. Nossos negócios se completam: hotel, restaurante, shopping, operação de marcas de varejo.

Colocamos de pé empreendimentos imobiliários residenciais, corporativos, comerciais, clubes de prática esportiva, como na Fazenda Boa Vista, que tem dois campos de golfe, dois de polo, centro equestre, diversos campos de tênis, beach tennis, paintball, futebol.

Tudo resolvemos em casa, são lugares que as famílias estão procurando por estarem associados à qualidade de vida e porque esses espaços desapareceram nas cidades.

Marcas que estão hoje nos shoppings da JHSF vão ter preferência para se instalar no complexo Boa Vista?

A resposta é sim. As marcas que estão no Shops Jardins e no Cidade Jardim foram escolhidas e nos escolheram por causa dessa coerência de público. Como estamos falando do mesmo público, é de esperar que boa parte delas marcas esteja lá presente. Neste momento, não estamos autorizados a falar os nomes.

Como é o tom das conversas para atrair uma marca global para o Brasil?

Se há uma marca que não existe no Brasil, mas tem clientes brasileiros, apresentamos a ela a vantagem de ter uma operação no Brasil. Neste momento, há duas opções: ou a marca diz que está pronta para ir ao Brasil ou não está pronta para ir sozinha para o Brasil. Nesse contexto, temos 20 marcas premium internacionais que operamos aqui no Brasil. Começamos a fazer isso em 2008 com a Hermès. Hoje temos 20% da operação da Valentino, por exemplo.

Com esse olhar de construir a oferta de produtos para o cliente de alta renda, temos feito isso de forma bastante ampla e há muito tempo. O que vemos com o passar do tempo é que o entendimento da marca amadurece com relação ao mercado brasileiro, e pode ser que aquela marca decida ir com a própria estrutura para o Brasil. Daí ajudamos que essa marca se torne mais relevante no país.

Como a JHSF faz essa seleção de marcas globais que deseja trazer para o Brasil?

Buscamos trazer uma oferta melhor de produtos voltados para o nosso cliente seja na moradia, seja no restaurante e em outras áreas. Não só com marcas de roupas e sapatos. Começamos a fazer isso com restaurantes também, como fizemos com o restaurante Makoto, de Miami, e com o parisiense Caviar Kaspia, que veio ao Brasil por meio da JHSF. E estamos para abrir o L’Avenue, restaurante francês, no Shopping Cidade Jardim.

Nossa cabeça é treinada para conhecer o que está acontecendo de mais legal no mundo, de maneira bastante holística, pensando no perfil do nosso cliente, e integrando essa oferta no mercado brasileiro por meio desses clusters que montamos.

O crescimento do Brasil no cenário mundial conversa com tudo isso. Se o Brasil representa 2% do mercado mundial, e determinada marca tem 1.000 lojas no mundo, ela no Brasil não pode ter mais do que 20 lojas. Não é coerente. Há ainda marcas que têm uma oscilação e temos que entender isso.

Por exemplo, se uma marca troca o designer e mais pessoas vão gostar dele, ela se expande. Se trocar de novo de designer, mas não acertar na coleção, ela vai encolher. Quando há marcas que, por alguma razão, têm uma desconexão de resultados, descontinuamos.

O processo de corte de juros, com eventual retomada do crescimento, ajuda a atrair mais marcas para o Brasil?

Nao é o cenário de curto prazo que afeta. É o entendimento de que determinada marca tem sobre o potencial do nosso mercado. Há 12, 15 anos que começamos a trazer essas marcas, o Brasil teve vários ciclos de alta e baixa de juros. E as marcas, em sua maioria, permanecem aqui, porque elas entenderam o potencial deste mercado.

Durante muitos anos, o público brasileiro foi o principal cliente dessas marcas em cidades como Miami. Com o passar do tempo, o cliente brasileiro está entendendo que consumir no Brasil passou a ser viável, porque essas marcas estão presentes aqui.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.