Na Siemens, insights de clientes e talentos são chave para inovação, diz executiva

Em entrevista à Bloomberg Línea, Judith Wiese, Chief People and Sustainability Officer, conta como a empresa busca se manter relevante em áreas que vão da eletrificação à digitalização industrial

Judith Wiese, Chief People and Sustainability Officer (CPSO), Member of the Managing Board of Siemens AG and Labor Director (Foto: Divulgação)
01 de Outubro, 2024 | 07:30 AM

Hannover — Uma das potências globais em tecnologia e inovação, a alemã Siemens tem sido um player relevante em áreas tão diversas como eletrificação, descarbonização e automação e digitalização industrial com uso de Inteligência Artificial (AI).

Com uma carteira de pedidos (backlog) da ordem de € 113 bilhões de euros, a empresa tem conseguido crescer anualmente perto de dois dígitos e acelerar a expansão com uma estratégia de inovação que passa pela colaboração estreita com clientes de diferentes tamanhos, incluindo empresas de menor porte, e uma política de atração e retenção de talentos que prevê flexibilidade e valoriza quem já está na companhia.

“O desenvolvimento de tecnologias é em parte impulsionado a partir de uma perspectiva científica em termos do que é possível fazer e, em seguida, avaliamos as informações que obtemos dos mercados em termos do que podemos comercializar”, disse Judith Wiese, Chief People and Sustainability Officer e integrante do conselho de administração da Siemens, em entrevista à Bloomberg Línea.

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Sob sua gestão na área de pessoas estão mais de 300 mil funcionários globalmente, em uma empresa que, no ano fiscal de 2023, obteve cerca de € 75 bilhões em receitas e que, como referência em inovação, conta com mais de 45.000 patentes globalmente, um volume que se renova constantemente.

“Particularmente em países onde estamos perdendo pessoas por causa da mudança demográfica, faz muito sentido garantir que você mantenha as pessoas que já possui”, disse a executiva. “Gastamos 416 milhões de euros apenas no ano passado em desenvolvimento e na requalificação de pessoas e em educação.”

Wiese, que conversou com a Bloomberg Línea em Hannover, na Alemanha, apontou que questões como flexibilidade para equilibrar vida profissional e pessoal, desenvolvimento pessoal e propósito são mais consensuais entre diferentes gerações do que a percepção geral possa sugerir.

“Eu diria que são questões valorizadas que independem da idade, ainda que sejam mais pronunciadas na forma como são articuladas pela Geração Z. E, portanto, construímos uma série de políticas e práticas em torno disso”, contou a executiva.

Veja a seguir a entrevista com Judith Wiese, editada para fins de clareza.

Como a Siemens decide as áreas em que irá investir e priorizar? E quais serão deixadas de lado?

Essa é uma questão de um milhão de dólares. Em parte as decisões derivam de uma agenda tecnológica. Temos unidades de negócios que detêm o desenvolvimento tecnológico, em grande parte, do que comercializamos imediatamente. E é claro que essas unidades obtêm informações de seus clientes, em termos do que estão mais interessados. Temos 11 tecnologias centrais na empresa.

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IA, aliás, é uma delas e tem sido assim por muito tempo. Estamos desenvolvendo IA e IA industrial há 30 anos. E é aqui que entramos mais no braço de pesquisa, em que os horizontes de desenvolvimento são um pouco diferentes e em que temos muitas parcerias com academias e instituições de pesquisa.

Esse desenvolvimento é em parte impulsionado a partir de uma perspectiva científica em termos do que é possível fazer e, em seguida, avaliamos as informações que obtemos dos mercados em termos do que podemos comercializar. Existe uma diferença importante entre uma invenção e uma inovação. Uma invenção é algo ótimo de conseguir, mas, se você não puder comercializá-la, não é uma inovação.

Apesar dessa troca mútua, às vezes é preciso arriscar um pouco também. E nós também fizemos apostas menos bem-sucedidas em nossa história de 177 anos. Às vezes, há coisas que achamos que já não se encaixam tanto com o caminho que estamos seguindo, e isso reflete as mudanças no portfólio de trabalho que fizemos ao longo das décadas. Mas, em grande parte, a resposta é uma mistura do que é tecnologicamente possível e do tipo de informação que recebemos de nossos clientes.

Como garantir que as inovações tenham um alcance amplo em termos de mercados?

Fazemos uma análise detalhada quando desenvolvemos produtos para o mercado global e quando precisamos de um certo grau de localização. Existem produtos que desenvolvemos na Índia especificamente para a Índia, na China, especificamente para a China, mas também desenvolvemos tecnologias na China que são destinadas para o mundo. Isso significa que estamos utilizando nossa presença global para fazer essas mudanças e também usar os diversos mercados para testar certas tecnologias.

Estamos presentes no mercado desde 1847, e Werner von Siemens enviou seus irmãos para o mundo muito cedo. Em muitos países estamos presentes há 120, 150, 160 anos. De certa forma, somos uma presença local tanto quanto somos uma empresa alemã. E isso tem funcionado muito bem para nós.

Temos uma empresa chamada Technology Group ao redor do mundo. Temos um grupo em Princeton, assim como temos na China, na Índia, e acabamos de anunciar um novo centro em Munique. Portanto, também temos uma rede distribuída que se conecta com instituições acadêmicas e de pesquisa locais.

Não há o risco de que apenas grandes empresas tenham acesso à inovação?

Grandes empresas têm a capacidade de tentar resolver a demanda de consumidores por negócios mais sustentáveis e de se associar conosco de uma maneira diferente de muitas das pequenas e médias empresas. Por essa razão lançamos uma plataforma chamada Siemens Xcelerator, em que temos um ecossistema de parceiros e um portfólio que pequenas e médias empresas também podem acessar.

E é relativamente rápido chegar a uma solução digital que se encaixe nelas e que agora é um pouco mais pronta, fácil de adotar, flexível e interoperável para que possam usar.

A maneira tradicional de ver os negócios é que existe um bolo e você precisa garantir que maximize sua fatia desse bolo. Em economias ou teorias econômicas baseadas em plataformas, a ideia é encontrar meios para criar um bolo muito maior, convidando mais players para o seu ecossistema. E acho que essa é uma das frentes que realmente exploramos de forma bastante estratégica para nós mesmos.

Uma das preocupações de alguns de nossos clientes menores era que a grande Siemens viesse e os prendesse em seu sistema, como se estivéssemos trancando as pessoas. E realmente queríamos deixar claro que isso não é o caso. Queremos ser abertos e oferecer algo que seja facilmente compatível, um pouco como peças de Lego.

E acreditamos que, dessa forma, estamos basicamente construindo um bolo maior, em vez de competir pelo bolo no tamanho que ele tem hoje. E, portanto, decidimos convidar parceiros para a plataforma tanto do lado da construção, para que realmente nos ajudem a desenvolver a tecnologia, como para talvez combiná-la com a de outras pessoas também, e isso inclui distribuidores e revendedores.

Sabemos que precisamos de ajuda para chegar até o último passo de uma tecnologia, já que nem sempre faz sentido econômico para nós, mas, para muitos de nossos parceiros locais em diversos países, faz.

O que mais a Siemens entende que precisa fazer para garantir que esteja competitiva na corrida pela inovação?

Às vezes é mais sobre o que você precisa fazer internamente do que externamente. Também precisamos pensar em maneiras ágeis de trabalhar. Precisamos desenvolver diferentes habilidades e capacidades. Uma das coisas que estamos fazendo internamente, e aqui volto a usar meu chapéu de liderar a gestão de pessoas, é investir muito no desenvolvimento e na requalificação de nossos colaboradores.

E, particularmente em países onde estamos perdendo pessoas por causa da mudança demográfica, faz muito sentido garantir que você mantenha as pessoas que já tem com você.

Sabemos que qualquer mudança em termos de adoção de tecnologia é também uma questão de pessoas. Cada vez mais, temos clientes que nos perguntam se podemos ajudá-los também no desenvolvimento e na requalificação de suas equipes, para que a adoção tecnológica de produtos como os nossos aconteça de maneira melhor e mais rápida no ambiente dos clientes.

Esse é um dos desafios atuais de corporações, a atração e a retenção de talentos. E inclui a Geração Z, que tem outras prioridades no mercado de trabalho.

Eu diria que não é tão diferente quanto as pessoas fazem parecer, mas elas estão mais articuladas sobre o que querem do trabalho e da vida. E o que vemos, particularmente entre trabalhadores da área de conhecimento, independentemente da idade, é que normalmente há três ou quatro coisas que as pessoas buscam.

A primeira é: deixe-me estar no controle da minha vida. Deixe-me tomar o máximo de decisões possível, me dê liberdade para decidir sobre minha vida pessoal, sobre a vida profissional e sobre a integração dessas duas coisas. Portanto, me dê flexibilidade, tanto quanto você puder. Claro que existem limites para isso, dependendo do trabalho que você faz, mas me dê a chance de tomar decisões.

A segunda é: me dê um desenvolvimento significativo. Alguns grupos de trabalho mais do que outros, e acho que é menos uma questão de idade, e mais uma questão do tipo de trabalho. As pessoas querem um desenvolvimento significativo, porque sabem que, se não investirem, se tornarão menos relevantes e, portanto, menos empregáveis.

Pegue qualquer um que trabalhe em desenvolvimento de software; as pessoas ou mudam a cada três a cinco anos ou permanecem com um empregador que lhes oferece um ambiente em que continuam a aprender coisas significativas.

E a terceira área é que as pessoas querem fazer um trabalho significativo. Elas querem estar em um lugar em que acham que a empresa contribui para o mundo, em vez de prejudicá-lo, e querem ser aceitas e sentir que pertencem à equipe com a qual almoçam.

E eu acho que são questões valorizadas que independem da idade, ainda que sejam mais pronunciadas na forma como são articuladas pela Geração Z, mas, na verdade, são bastante unânimes. E, portanto, construímos uma série de políticas e práticas em torno disso.

Quais políticas a empresa adotou?

Fomos muito rápidos no início da pandemia de covid e definimos de dois a três dias de trabalho remoto, e mantivemos isso. Estamos promovendo ativamente o trabalho híbrido mas também tentamos ajudar as pessoas a entender quais são as regras desse modelo.

Gastamos 416 milhões de euros apenas no ano passado em desenvolvimento e na requalificação de pessoas e em educação, em termos de tecnologia com propósito. E falamos muito mais sobre não apenas a tecnologia que temos mas o que essa tecnologia faz, e então voltamos à questão da sustentabilidade.

E fazemos muito em termos de sensação de pertencimento em torno de diversidade, inclusão e tratamento equitativo. As pessoas têm um senso de pertencimento? Fazemos pesquisas de engajamento. Temos algumas análises de experiência do colaborador que verificamos para saber como as pessoas se sentem ao trabalhar conosco, e isso impulsiona uma boa retenção, em alguns mercados melhor do que em outros.

Em geral, achamos que temos uma taxa de rotatividade razoável. Sempre digo que qualquer coisa entre 8% e 12% é boa. Há alguns mercados em que é tão baixa quanto 1,5%, como na Alemanha.

Como a sustentabilidade é levada em conta para a definição dos projetos? Há uma crítica sobre a sua viabilidade.

A sustentabilidade tem sido um grande fator de impulso nos últimos anos, porque vimos muitas empresas que tiveram suas necessidades expressadas por meio dos consumidores. A mágica acontece quando você atinge tanto os objetivos de custo quanto de sustentabilidade ao mesmo tempo.

Se pegarmos a crise energética na Europa como exemplo, após a invasão da Ucrânia e a retirada do gás russo do mercado, imediatamente houve um enorme retorno sobre os investimentos [em projetos], porque em qualquer situação em que você possa economizar energia, em primeiro lugar isso será positivo do ponto de vista do custo, e, ao mesmo tempo, é uma emissão que não está acontecendo.

Estamos muito envolvidos no negócio de mobilidade, seja com mobilidade elétrica por meio de recarga ou dos nossos trens. Meios de transporte “descarbonizados” também fazem parte do que fazemos.

Como isso se aplica para os processos da própria Siemens?

Queremos garantir que praticamos o que pregamos em termos de suporte. Cada vez mais rotulamos nossos produtos com um selo eco-tech, porque ajudamos os clientes a projetar produtos sustentáveis, e também fazemos isso nós mesmos.

A digitalização desempenha um papel enorme, assim como a IA. Desenvolvemos IA industrial e agora aceleramos a jornada por meio de grandes modelos de linguagem e do que chamamos de Copilot industrial.

Com parcerias como a que temos com a Nvidia, fazemos a renderização visual, em que você obtém a imersão total ao entrar em um mundo virtual e faz otimização antes de tocá-las no mundo real. E isso é uma demonstração de como a tecnologia impulsiona também a sustentabilidade.

No Brasil, quais são as prioridades atualmente?

No Brasil, a indústria 4.0 é um tema importante. Como ajudamos a indústria a se digitalizar ainda mais? Temos um centro de experiência digital no Brasil, para onde levamos os clientes para que eles também possam ter uma ideia do que é possível fazer.

O Brasil é predominantemente um mercado de vendas para nós, assim como um centro de desenvolvimento. E oferecemos todo o portfólio para os clientes.

Também estamos envolvidos em maneiras para ajudar o país na sua eletrificação, com a energia verde, que é uma maneira de um negócio se tornar totalmente sustentável, mas também em termos da eletromobilidade, bem como em tecnologia de construção e software para redes de energia.

Estamos envolvidos em empreendimentos conjuntos como a Brasol [empresa do grupo especializada em soluções de energia distribuída no modelo de serviço], e por meio do nosso braço financeiro, a SFS [Siemens Financial Services]. E nos envolvemos com instituições de pesquisa e educacionais para parcerias. O Senai é um exemplo. Somos um player conhecido localmente nesse sentido.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.